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A saída da crise

Não é claro que a Zona Euro seja capaz de introduzir, no curto prazo, um modelo que ajude os países com maior dívida pública a reduzir o seu custo de financiamento

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No "Lisbon Summit" de 18 de fevereiro, o presidente da Fitch Group, Paul Taylor, foi várias vezes abordado tanto por jornalistas como por membros do governo sobre a notação da dívida portuguesa, insistindo sempre na impossibilidade de a passar de "lixo" para "investimento". Mais esclarecedora foi a resposta dada quando o diretor da "ISCTE Business School", orador no mesmo painel, lhe perguntou o que podia Portugal fazer para melhorar a nota. A resposta foi muito clara - a economia precisa de crescer, para que a dívida se torne sustentável.

Infelizmente, o crescimento não se obtém por decreto, mas através de uma conjugação de fatores em que as decisões do Estado se conjugam com as das empresas e consumidores, nacionais e estrangeiros e até dos outros estados.

Não há dúvida de que as expectativas melhoraram muito desde o terceiro trimestre de 2013: o consumo interno aumentou, as exportações voltaram a crescer, as taxas de juro da dívida portuguesa baixaram e a bolsa registou alguma recuperação. Até tivemos duas novas colocações em bolsa - dos CTT e da Espírito Santo Saúde. Em consequência, as receitas fiscais superaram as expectativas e melhoraram as expectativas para 2014. Se o crescimento se materializar, a nota da Fitch anunciada para 11 de abril pode passar a ser positiva.

No entanto, a dívida pública está agora próxima dos 200 mil milhões de euros, representando quase 130% do PIB. À taxa de 5% o juro anual seria de 10 mil milhões, valor superior à despesa anual com a saúde ou a educação. Com uma dívida acumulada superior a 150% do PIB das empresas portuguesas e o setor bancário a registar prejuízos superiores a 1500 milhões de euros num só ano, também o setor privado enfrenta dificuldades de financiamento consideráveis.

Assim, é fundamental que a saída da crise seja gerida com imensa cautela. A retoma das obras públicas, depois de um jejum absoluto de três anos, deve ser feita de forma criteriosa. O debate público e o anúncio da eliminação de investimentos rodoviários e da concentração de esforços nos portos e ferrovias apontam no bom caminho, pelo efeito positivo sobre as exportações e o emprego (ao contrário das autoestradas que só agravaram a nossa dependência de combustíveis fósseis e veículos importados). No entanto, a insistência no porto de águas profundas da Trafaria é motivo de perplexidade, pela duplicação de infraestruturas que representa face ao potencial de expansão, com baixo custo, dos portos de Setúbal e Sines e à prioridade da ligação ferroviária a Badajoz em bitola europeia.

Também ao nível fiscal é importante não desperdiçar oportunidades. É certo que os níveis de IRS atuais são insustentáveis no longo prazo e contribuíram para a emigração sem precedentes dos últimos anos. No entanto, o debate em torno da fiscalidade não deveria ser condicionado pelo ciclo eleitoral que se aproxima, devendo ter uma perspetiva estratégica e de longo prazo. Apesar da exemplaridade do consenso inter-partidos da reforma do IRC, não se foi suficientemente longe. O modelo proposto pelo ex-ministro Álvaro Santos Pereira, de redução imediata da taxa para 10%, é imperioso para incentivar o investimento e a criação de emprego. Se não tivermos coragem de a introduzir já, a janela de oportunidade fecha-se e o crescimento económico será dramaticamente retardado. Quanto à redução do IRS não pode ser feita sem compensação ao nível da receita e isso só é possível através do aumento de impostos alternativos. A introdução do imposto de carbono seria a melhor solução, mas uma solução intermédia consiste no aumento dos impostos sobre combustíveis e portagens. A previsível queda dos preços do barril de petróleo poderá permitir o aumento das receitas fiscais sem agravar os preços ao consumidor.

Não é claro que a Zona Euro seja capaz de introduzir, no curto prazo, um modelo que ajude os países com maior dívida pública a reduzir o seu custo de financiamento. Para conseguirmos taxas de juro comportáveis é essencial gerar um consenso nacional, tão vasto quanto possível, em torno da política fiscal e de investimento.

Professor de Finanças da ISCTE Business School e no INDEG-IUL ISCTE Executive Education
Coluna quinzenal à segunda-feira
Artigo escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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