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A raiva de Barcelona

«É uma chatice, mas gosto de Portugal». Pior do que raiva, o sentimento que nos domina quando hoje visitamos Barcelona é o de profunda desmoralização.

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Pior do que raiva, o sentimento que nos domina quando hoje visitamos Barcelona é o de profunda desmoralização.

A pequenez do burgo lisboeta, supostamente o mais cosmopolita do nosso rectângulo, não pára de nos assaltar o espírito.

Embora Barcelona tenha o dobro dos habitantes de Lisboa, a diferença não está aí. A diferença está na atitude da cidade (e da região) perante os desafios do futuro.

Saber tirar partido das potencialidades próprias, regenerar virtuosamente o tecido industrial, convocar os cidadãos e os agentes económicos para um caminho sustentado de progresso, mormente através de iniciativas mobilizadoras como os Jogos Olímpicos de 1992 ou o Forum das Culturas, que se desenrolará na cidade condal entre Maio e Setembro próximos.

Foi este bouquet de atributos que, há uma quinzena de anos, Pasqual Maragall, então presidente da câmara de Barcelona, soube utilizar com mestria.

Embalada, a cidade não mais parou na procura de um modelo de progresso, modernidade e bem-estar. Os resultados são impressionantes.

O Forum Barcelona 2004, consagrado às culturas do mundo, é o remate final de todo um projecto de reconversão da antiga zona industrial, junto ao mar, iniciado com os Jogos Olímpicos.

Serão mais trinta hectares de malha ribeirinha que passarão a estar dotados de infra-estruturas de excelente qualidade e arrojado recorte arquitectónico. Quanto ao programa de festas (www.barcelona2004.org), não poderia ser mais tentador, um convite verdadeiramente irrecusável lá mais para o Verão.

A veia transformadora da cidade não nasceu de geração espontânea, é antes fruto de um sentimento de brio colectivo - algum outro clube do mundo que não o Barça recusaria ter publicidade nas camisolas? - e de crença na sua história, na sua cultura e no seu futuro.

Dessas características se fez Barcelona uma marca global e uma referência dominante na esfera das artes e da arquitectura. Tirando partido do seu extraordinário posicionamento geográfico, da beleza dos seus edifícios, da bonomia do clima e da dinâmica catalã (além da gastronomia e do futebol), Barcelona é hoje um dos principais pólos de atracção das tribos mais avançadas nos domínios tecnológicos.

Josep Plat é um dos mais conceituados nomes do mundo académico-empresarial espanhol, um verdadeiro cromo das novas tecnologias e dos produtos virtuais.

Professor de matemáticas superiores, decidiu, no início da década de noventa, instalar-se nas Baleares e desenvolver um centro de investigação ligado às tecnologias aplicadas em comunicações e multimedia.

Atenta, a Universidade Pompeu Fabra (UPF), de Barcelona, reputada pela qualidade dos seus cursos nas áreas económicas e sociais, fez em 1998 um convite irrecusável a Plat: criar e desenvolver um Instituto Universitário Audiovisual capaz de atrair, num exercício de pesca à linha, alguma da melhor matéria cinzenta mundial e de aliciar as forças mais dinâmicas da comunidade empresarial para uma aposta assente na cooperação intensiva entre a escola e as empresas, em condições de estabelecimento simplificadas e fiscalmente generosas para os cidadãos estrangeiros.

Os efeitos não se fizeram esperar. Barcelona é hoje um dos lugares mais atractivos para as empresas tecnológicas e para os melhores investigadores e profissionais do mundo multimedia.

Que o diga Peter Jackson, realizador do Senhor dos Anéis (oito Óscares), recém-instalado em Barcelona, ou qualquer uma das muitas empresas da fileira digital que por lá têm vindo a estabelecer-se.

Manuel Castells, o famoso sociólogo catalão do progresso criativo e solidário, deve certamente dar-se por feliz perante a manifesta devoção das forças vivas às suas teses.

Da captura de valor aos reptos à aventura, da capacidade empreendedora à busca de bem-estar, tudo parece estar a ser seguido by the book.

A yDreams é uma das raras empresas de capital lusitano bem sucedidas nos mercados mais exigentes da computação gráfica, jogos interactivos e realidade virtual.

Os seus produtos - dirigidos essencialmente ao mercado móvel - podem encontrar-se em pontos tão variados quanto os Estados Unidos, a Holanda, o Brasil, a Alemanha ou a China.

A notoriedade internacional que já atingiu levou os responsáveis do parque tecno-empresarial da UPF a convidarem-na para o seu mundo.

António Câmara, CEO da empresa e catedrático da Universidade Nova, tem sentimentos divididos quanto à questão.

Por um lado, Barcelona fascina-o, de todos os pontos de vista, mas por outro «?se nos formos todos embora, quem fica? Ainda por cima, acredito nas nossas capacidades e não passo o tempo a queixar-me. É uma chatice, mas gosto de Portugal».

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