Opinião
A próxima vitória de Sarkozy
Nicolas Sarkozy vai pedir mais um esforço aos franceses para garantir a maioria absoluta nas eleições legislativas do próximo mês e tudo aponta no sentido de nova vitória esmagadora. Primeiro, o seu primeiro-ministro François Fillon apresentará um governo
Entre os 15 ministros irão contar-se políticos capazes de atrair corações centristas, como Jean Louis-Boorlo, e na ala paritária feminina do executivo brilhará Rachida Dati, antiga juíza, filha de pai marroquino e mãe argelina, porta-voz da campanha presidencial.
Depois, até à primeira volta das legislativas a 10 de Junho, Sarkozy irá apelar a um diálogo entre sindicatos e patronato sobre as suas propostas de revisão das leis laborais que auguram um Outono quente. Os primeiros sinais de reformas fiscais e de legislação para protecção do ambiente deverão ainda servir para Sarkozy dar o tom de determinação à tão prometida ruptura.
O primeiro espinho
O primeiro imponderável com que se confrontará Sarkozy, ainda antes da tomada de posse na próxima quarta-feira, tem, contudo, a ver com um dilema de política externa: a negociação para a libertação do refém francês Eric Damfreville e de três afegãos da ONG Terre d’enfance, raptados no sudeste do Afeganistão a 4 de Abril.
A salvação dos reféns a troco da liberdade para prisioneiros taliban ou do anúncio da retirada das forças francesas do Afeganistão nada abonará a favor da imagem de um presidente que promete uma “França ao lado dos oprimidos do mundo”, conforme proclamou no discurso de vitória.
A execução dos cativos acarreta o perigo de Sarkozy dar o flanco à imagem de político desapiedado.
As contradições da diplomacia de Sarkozy ficam, desde já, a claro, pois afirmou durante a campanha eleitoral que não lhe parecia decisiva “a presença a longo prazo das tropas francesas” no Afeganistão.
O presidente está empenhado em retirar os cerca de mil militares com que Paris contribui para os 37 mil efectivos ao serviço da Força Internacional de Assistência à Segurança no Afeganistão, mas esta é, precisamente, uma opção muito discutível e de difícil negociação com os estados aliados.
Uma cedência negociada nos bastidores, que inevitavelmente virá mais cedo ou mais tarde a público, é a saída mais conveniente para Sarkozy neste momento. Na estratégia de Sarkozy nada deve fazer perigar a renovação da maioria absoluta que a sua União para um Movimento Popular detém na Assembleia Nacional.
Os 37 por cento de intenções de voto da direita nas sondagens para a primeira volta auguram, ainda, bons ventos para a UMP obrigar candidatos centristas e independentes a acatarem o compromisso de votar moções de confiança ao governo, aprovar o orçamento e o financiamento da segurança social e alinhar numa aliança à direita nas eleições municipais do próximo ano, caso pretendam o apoio de Sarkozy.
Excluir Bayrou
O líder centrista François Bayrou viu desertar para o campo de Sarkozy 22 dos 29 deputados da União para a Democracia Francesa e tão pouco lhe valeram de conforto os estudos de opinião indicando que 66 por cento dos simpatizantes do seu partido votaram na segunda volta no candidato da direita.
Bayrou anunciará quinta-feira a transformação da UDF em Movimento Democrata e pretende apresentar candidatos em todas as 577 circunscrições, contando à partida com 15 por cento das intenções de voto. A maior parte das figuras de proa abandonaram, no entanto, a barca centrista para alinharem na maioria legislativa do presidente.
O objectivo aventado por Bayrou de criar um “contra poder” ao novo presidente será frustrado pelo próprio sistema de eleição maioritária que obrigará a definir desde logo qual a política de alianças dos candidatos centristas. Na segunda volta, a 17 de Junho, só um acordo com o Partido Socialista poderá valer a Bayrou que excluiu publicamente o apoio a Sarkozy no confronto com Royal.
Os quase sete milhões de votos que Bayrou obteve na longínqua primeira volta presidencial não terão qualquer correspondência na representação parlamentar do Movimento Democrata que se arrisca a cair na irrelevância política.
A guerra civil socialista
Ségolène Royal muito sorriu quando apelou à “renovação da esquerda e da busca de novas convergências” na hora da derrota, mas foi imediatamente trucidada pelos elefantes do partido.
O Partido Socialista está claramente dividido entre uma facção que fala em social-democracia, liderada por Dominique Strauss-Kahn, outra, encabeçada por Laurent Fabius, promovendo alianças com trotskistas e ecologistas para impedir que a esquerda guine à direita, enquanto, perdido no meio das hostes combatentes, o secretário-geral François Hollande tenta evitar que a próxima derrota anunciada assuma proporções alucinantes.
Os 33 por cento com a esquerda parte nas intenções de voto para 10 de Junho representam um patamar demasiado baixo para obstar a uma maioria absoluta de direita e um dos objectivos socialistas passa por tentar marcar posição para iniciar uma recuperação nas municipais de 2008.
Da candidata vencida ninguém sabe o que fazer.
Ségèlone aparentemente quer dinamizar a sua associação “Desejos de Futuro” e assumir a liderança do Partido Socialista, mas não se sabe com que plataforma política.
Os demais elefantes socialistas apresentam estratégias tão diferentes sobre o que deva ser uma política de esquerda, enquanto o país ruma à direita, que o espectro de cisões paira a cada esquina.
Foram 141 os deputados socialistas eleitos em 2002. Serão menos a 17 de Junho na confusão de acordos pontuais ou proclamações inconsistentes de alianças estratégicas que possam vir a firmar com os fiéis de Bayrou ou os restos da contestação de extrema-esquerda e verdes.
Para os socialistas só resta conter o avanço da direita e tentar cativar a vantagem que conseguiram manter nos segmentos de eleitores oriundos do funcionalismo público, entre os estudantes, desempregados e escalões de rendimentos mais baixos, e apostar tudo por tudo nas regiões do sudoeste e nos grandes centros urbanos.
A extrema-direita de Le Pen nem 10 por cento dos votos terá na primeira volta das legislativas, depois de 63 por cento dos eleitores da Frente Nacional terem ignorado o apelo à abstenção de Le Pen e optado por Sarkozy, enquanto comunistas, verdes e outros micro partidos mal contarão na próxima Assembleia e de pouco valerão aos candidatos socialistas desorientados entre opções contraditórias.
Sarkozy, após conseguir um mandato presidencial sem concessões em matéria de alianças, está em condições ainda mais favoráveis do que François Mitterrand, em 1981, e Jacques Chirac, em 2002, para arrebatar uma maioria absoluta na Assembleia Nacional no ímpeto da eleição para o Eliseu.
É a hora da ruptura em França que será tudo menos tranquila.