Opinião
27 de Agosto de 2012 às 23:30
A privatização da RTP: um limite do regime?
Já se viu que a RTP está a dar lucros e em rota com o equilíbrio financeiro. Já se sabe que, com a taxa de radiodifusão a concessão é uma nova PPP com renda de 20 milhões garantida. É notório que o mercado de publicidade está exaurido. Porquê então?
1. A decisão de privatizar a RTP não tem justificação financeira, é um acto de lesa democracia, degrada a concorrência e não defende o interesse de Portugal.
Há limites a não transpor se queremos garantir a pluralidade e que a democracia possa controlar o poder económico. Um deles é a preservação de um espaço de comunicação que não seja (des)nivelado - e ajoujado - por audiências acéfalas ou por agendas políticas e empresariais. O serviço público de televisão é um dos pilares do Estado democrático, não é para passar a patacos ou para patacos dar.
Mas este Governo quer perpetrar uma agressão ideológica contra o Estado e mercantilizar os consumos de televisão, para lá do que a democracia recomenda. Ora, nada justifica esta decisão, a não ser uma cartilha preconceituosa contra o papel do que é público.
2. Já se viu que a RTP está a dar lucros e em rota com o equilíbrio financeiro. Já se sabe que, com a taxa de radiodifusão a concessão é uma nova PPP com renda de 20 milhões garantida. É notório que o mercado de publicidade está exaurido. Porquê então?
O cutelo orçamental de 2013 e a lógica do muito curto prazo? Uma promessa a um qualquer grupo económico? Uma guerra sem quartel ao Dr. Pinto Balsemão? Mas nenhuma destas pode proceder: os erros de política orçamental de 2012 não podem justificar um corte no caminho virtuoso da RTP. Os grupos económicos não devem ter mais força que a força que o Estado precisa. O Dr. Balsemão é um senador da democracia e um empresário que não merece concorrência caprichosa do Estado. Não há fundamentos e só há más razões.
3. Mas há boas razões para manter um serviço público de televisão. Garantir a pluralidade de opinião, a diversidade das ofertas, a acessibilidade de propostas culturais marginais e minoritárias, de conteúdos educacionais, de desportos não futeboleiros, tudo o mais que o mercado não paga, mas a cidadania precisa e uma persistente iliteracia exige.
A RTP são oito RTPs e as rádios. Muitas delas são muito más e necessitam de reestruturação e mais qualidade. Mas são veículos da nossa identidade e da nossa diáspora. Toda a televisão pública precisa de ser repensada. Mas não há "benchmarking" que possa explicar a privatização. Em todos os países de referência o serviço público – com ou sem publicidade – é assegurado pelo Estado.
4. Também é verdade que tudo está a mudar. A televisão por cabo e por fibra. A interactividade e a televisão na internet. A internet no televisor e a televisão nos tablets e telemóveis. A TDT e a alta definição. O 3D. Estão a mudar todos os suportes, as atitudes dos consumidores, os mercados. Mas o princípio da acessibilidade universal a conteúdos plurais é um bem a preservar nesse frenesim tecnológico e civilizacional. Nem todos podem perceber isso. Mas o Governo de Portugal tem essa obrigação.
5. A Cofina, o Correio da Manhã, os angolanos (eu próprio, disponível para gerir 20 milhões de renda ), vão ter outras possibilidades de investimento. E não é o sofisma da concessão que altera a substância do que se quer fazer. Não é um ovo de colombo. É uma galinha choca. Que cacareja uma xico-espertice jurídica. É claro que concessionar a 20 ou 30 anos é, política e materialmente, privatizar. Não há controlo objectivo possível sobre a prestação dos encargos e da qualidade do serviço público. A experiência mostra que há bens que não devem ser concessionados.
6. A política pois: o ministro Borges anunciou. O ainda ministro Relvas cozinhou. Passos Coelho caucionou. Um não devia lá estar. O outro já devia ter saído. O primeiro-ministro permite que um esteja e o outro fique. E que os dois sobressaltem o país. Pelo meio esqueceram-se de avisar o CDS. Está tudo dito sobre a leviandade com que se tratam as questões mais sensíveis.
7. O PS tinha anunciado que a privatização teria consequências políticas e já reafirmou que a não aceita. Deve agora ser consequente. Acumula-se o passivo para que uma nova abstenção violenta possa acontecer no Orçamento. Porque o que está em causa é uma fronteira do regime. É certo que a letra da Constituição não impede. Mas prelude-o uma interpretação substantiva.
8. Não obstante o clamor à esquerda e à direita, estou pessimista. Num país que não foi capaz de aprovar uma lei sobre a pluralidade dos meios de comunicação social, com um primeiro-ministro que não foi capaz de demitir um ministro que se devia ter demitido, o pior pode mesmo acontecer. A não ser que o CDS se empertigue e o Presidente da República tome uma atitude.
António José Seguro fez bem em anunciar já a primeira medida do seu governo: renacionalizar a RTP. Com um brinde destes, nem indemnizações haverá a pagar.
Docente da Faculdade de Direito de Lisboa
Há limites a não transpor se queremos garantir a pluralidade e que a democracia possa controlar o poder económico. Um deles é a preservação de um espaço de comunicação que não seja (des)nivelado - e ajoujado - por audiências acéfalas ou por agendas políticas e empresariais. O serviço público de televisão é um dos pilares do Estado democrático, não é para passar a patacos ou para patacos dar.
2. Já se viu que a RTP está a dar lucros e em rota com o equilíbrio financeiro. Já se sabe que, com a taxa de radiodifusão a concessão é uma nova PPP com renda de 20 milhões garantida. É notório que o mercado de publicidade está exaurido. Porquê então?
O cutelo orçamental de 2013 e a lógica do muito curto prazo? Uma promessa a um qualquer grupo económico? Uma guerra sem quartel ao Dr. Pinto Balsemão? Mas nenhuma destas pode proceder: os erros de política orçamental de 2012 não podem justificar um corte no caminho virtuoso da RTP. Os grupos económicos não devem ter mais força que a força que o Estado precisa. O Dr. Balsemão é um senador da democracia e um empresário que não merece concorrência caprichosa do Estado. Não há fundamentos e só há más razões.
3. Mas há boas razões para manter um serviço público de televisão. Garantir a pluralidade de opinião, a diversidade das ofertas, a acessibilidade de propostas culturais marginais e minoritárias, de conteúdos educacionais, de desportos não futeboleiros, tudo o mais que o mercado não paga, mas a cidadania precisa e uma persistente iliteracia exige.
A RTP são oito RTPs e as rádios. Muitas delas são muito más e necessitam de reestruturação e mais qualidade. Mas são veículos da nossa identidade e da nossa diáspora. Toda a televisão pública precisa de ser repensada. Mas não há "benchmarking" que possa explicar a privatização. Em todos os países de referência o serviço público – com ou sem publicidade – é assegurado pelo Estado.
4. Também é verdade que tudo está a mudar. A televisão por cabo e por fibra. A interactividade e a televisão na internet. A internet no televisor e a televisão nos tablets e telemóveis. A TDT e a alta definição. O 3D. Estão a mudar todos os suportes, as atitudes dos consumidores, os mercados. Mas o princípio da acessibilidade universal a conteúdos plurais é um bem a preservar nesse frenesim tecnológico e civilizacional. Nem todos podem perceber isso. Mas o Governo de Portugal tem essa obrigação.
5. A Cofina, o Correio da Manhã, os angolanos (eu próprio, disponível para gerir 20 milhões de renda ), vão ter outras possibilidades de investimento. E não é o sofisma da concessão que altera a substância do que se quer fazer. Não é um ovo de colombo. É uma galinha choca. Que cacareja uma xico-espertice jurídica. É claro que concessionar a 20 ou 30 anos é, política e materialmente, privatizar. Não há controlo objectivo possível sobre a prestação dos encargos e da qualidade do serviço público. A experiência mostra que há bens que não devem ser concessionados.
6. A política pois: o ministro Borges anunciou. O ainda ministro Relvas cozinhou. Passos Coelho caucionou. Um não devia lá estar. O outro já devia ter saído. O primeiro-ministro permite que um esteja e o outro fique. E que os dois sobressaltem o país. Pelo meio esqueceram-se de avisar o CDS. Está tudo dito sobre a leviandade com que se tratam as questões mais sensíveis.
7. O PS tinha anunciado que a privatização teria consequências políticas e já reafirmou que a não aceita. Deve agora ser consequente. Acumula-se o passivo para que uma nova abstenção violenta possa acontecer no Orçamento. Porque o que está em causa é uma fronteira do regime. É certo que a letra da Constituição não impede. Mas prelude-o uma interpretação substantiva.
8. Não obstante o clamor à esquerda e à direita, estou pessimista. Num país que não foi capaz de aprovar uma lei sobre a pluralidade dos meios de comunicação social, com um primeiro-ministro que não foi capaz de demitir um ministro que se devia ter demitido, o pior pode mesmo acontecer. A não ser que o CDS se empertigue e o Presidente da República tome uma atitude.
António José Seguro fez bem em anunciar já a primeira medida do seu governo: renacionalizar a RTP. Com um brinde destes, nem indemnizações haverá a pagar.
Docente da Faculdade de Direito de Lisboa
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