Opinião
A estratégia nacional para o 5G - pós covid
Mais importante do que ter rede 5G é ter aplicações que façam uso dela. Por isso é essencial canalizar parte da receita proveniente do leilão para a investigação aplicada e a inovação em soluções 5G “customizadas” às necessidades dos diferentes sectores.
A pandemia obrigou à suspensão do processo de atribuição de frequências necessárias para o 5G. Importa, agora, retomar esse processo e revisitar algumas das metas e condições que a Resolução do Conselho de Ministros nº7 -A/2020 definira. Na verdade, por um lado, o confinamento social provocou uma aceleração da digitalização do país, desde o ensino à saúde, passando pela administração pública e pela indústria e os serviços. O teletrabalho, o comércio eletrónico e as plataformas digitais de reuniões vieram transformar a forma de a sociedade portuguesa se organiza. Por outro, a digitalização generalizada não pode excluir franjas da população mais vulneráveis, ainda sem acesso à internet ou sem possibilidades de a subscrever. Acresce que a crise económica que se segue à crise sanitária, obriga a ter em conta as muitas incertezas do novo quadro macroeconómico.
2. Uma ferramenta para a transição digital
O 5G representa uma nova etapa comunicacional disruptiva, que, mais importante do que melhorar a comunicações entre as pessoas, vai servir para criar novos modelos de atividade social e empresarial. A internet das coisas aplicada à logística e à indústria, à mobilidade automóvel ou à gestão das cidades vai revolucionar a nossa forma de produzirmos e vivermos. As sinergias criadas com outras vertentes, designadamente a inteligência artificial e as redes de satélites de baixa altitude, vão fazer do 5G uma decisiva alavanca de transição digital.
3. Uma cobertura de rede seletiva e territorialmente equitativa
Mais do que uma cobertura imediata e total do território – que não faria sentido económico e seria muito pouco útil – interessa uma abordagem mais estratégica e seletiva, identificando os agentes potencialmente mais beneficiários, mas garantindo sempre a equidade e a coesão territorial. O país não precisa de ter rede 5G já em todo o lado, até porque é muito cara. Precisa de ter rede de onde ela é transformacional. Seja no litoral, seja no interior, seja nas ilhas. A densidade da rede 5G e a sua capilaridade exigirão esforços financeiros significativos e não há ainda sequer perspetivas de monetização desses investimentos a curto prazo.
4. Metas ambiciosas, estratégicas e realistas
As quatro fases definidas pelo Governo para a implementação da rede 5G talvez se devam atualizar: não choca que se conceda mais prazo; a ambição de termos duas cidades com mais de 50 mil habitantes cobertas ainda em 2020, uma no litoral e outra no interior está agora comprometida.
O gradualismo parece bom conselheiro. Recomenda-se primeiro, os Municípios com mais de 75 mil habitantes; todos os hospitais públicos, 50 % dos centros de saúde do litoral e do interior; todas as universidades públicas e institutos politécnicos; todas as escolas do 2º e 3º ciclo do Ensino Básico e do Secundário; 50 % das áreas industriais dos concelhos do litoral e do interior; os aeroportos internacionais e as instalações militares prioritárias; os portos. Depois, os concelhos com mais de 50 mil habitantes e 95 % das linhas ferroviárias principais e das redes de metropolitano. Enfim, 90% das A22, A23, A24 e A25 e as rodovias com tráfego superior a 863 mil veículos/ano; a generalidade dos serviços públicos; tendencialmente, 90 ou 95 % da população, terá acesso a serviços de banda larga móvel com uma experiência de utilização típica de um débito não inferior a 100 Mbps.
5. Estímulos à eficiência e à concorrência
O primeiro eixo estratégico deve ser, pois, uma cobertura selectiva e gradual. O segundo, a disponibilidade de espectro para que operações "5G stand alone" se possam desenvolver a prazo, em lugar da pulverização de pequenas operações. Em terceiro lugar, um preço de reserva que não asfixie os potenciais interessados e a redução das taxas de espectro, já que elas já estavam excessivas e muito mais espectro detido será taxável. Em quarto lugar, a criação de condições de igualdade no acesso ao espectro para potenciais novos entrantes. Discriminações positivas para novos operadores não fazem sentido, já que podem beneficiar grupos estrangeiros mais poderosos financeiramente, sem que nenhuma garantia de redução de preços ao consumidor possa ser dada. Em quinto lugar, alargar a cobertura das atuais redes 4G, designadamente, à totalidade das escolas públicas de todos os níveis de ensino. Enfim, não faz sentido a multiplicação de antenas numa tecnologia que muitas exige. Acordos sobre os elementos passivos, MVNOs competitivos, ou mais acordos de "roaming", tudo isso será bem-vindo, em nome da eficiência económica e da imagem urbana.
6. Apoiar a investigação aplicada em 5G
Mais importante do que ter rede 5G é ter aplicações que façam uso dela. Por isso é essencial canalizar parte da receita proveniente do leilão para a investigação aplicada e a inovação em soluções 5G "customizadas" às necessidades dos diferentes sectores, designadamente, na área da educação, da investigação, de produção de conteúdos digitais, da capacitação ou do fomento da literacia digital, bem como da transformação digital das empresas e da Administração Pública.
7. O respeito pelas regras de segurança europeias
A segurança não pode ser descurada. O Grupo de Trabalho constituído para concretizar, a nível nacional, as recomendações da "toolbox" europeia sobre segurança apresentou já as suas conclusões. A diversificação dos fornecedores, a certificação, a avaliação regular e um especial cuidado com infraestruturas críticas e militares deve acontecer. Empresas chinesas não serão proscritas. Mas as regras europeias sobre segurança serão para respeitar pelas empresas de todas as latitudes.
8. O projecto de Regulamento de leilão
O Regulamento da ANACOM, da era pré-covid, deve, na sua versão final, incorporar as orientações estratégicas (re) definidas pelo Governo. A ANACOM regula o mercado de forma independente e gere quotidianamente o espectro. O Governo não belisca essa independência. Mas é um axioma de meridiana compreensão que é o Governo que define a política de comunicações. As decisões técnicas sobre alocação de espectro têm, pois, de ser congruentes com essa política. O ministro das Telecomunicações é o ministro Pedro Nuno Santos, não é o Dr. Cadete de Matos. Um Regulador sem a humildade e a colaboração institucional a que está obrigado pelos seus estatutos incumpre com os seus deveres e presta um mau serviço ao país. Esperemos que prevaleça o bom senso sobre o enviesamento. O 5G precisa de segurança e certeza jurídicas. O país precisa de equilíbrio regulatório.
Ex-secretário de Estado Adjunto e das Comunicações