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Os "swaps" e a "business judgement rule"

Os "swaps", até à proclamação de Vítor Gaspar, eram contratos correntes no mercado, como um dos instrumentos de cobertura de riscos, sobretudo cambiais ou de taxas de juro

1. Os "swaps" e as perdas potenciais de 2,5 mil milhões de euros são o último escândalo financeiro do Estado. Não parecem ter fundo as crateras da despesa pública financeira estéril, justamente quando a economia reprodutiva tanto precisava de liquidez. A gestão política deste episódio maximizou o alarmismo, crucificou gestores públicos e culpabilizou governos pretéritos. Sem relatórios e sem dados escrutináveis, imolam-se uns quantos administradores e alijam-se responsabilidades próprias. Talvez devesse ter havido outra prudência e mais seriedade. 


2. Na verdade, é um pouco estranho que todo um conjunto de qualificados gestores tivessem de repente ensandecido, "addicts" do jogo especulativo, para apostarem dinheiros públicos em casinos pouco recomendáveis. Não há notícia de que se trate de qualquer processo contagioso, nem é crível que se tratasse de orientação da tutela, empenhada em políticas de roleta russa para o País. O Governo teria feito melhor em explicar o que se passou, com factos, causas, agentes, riscos e medidas de contenção, em vez de largar bombas retóricas de fumo que não deixam perceber o essencial e cujos estilhaços podem rebentar-lhe nas mãos.

3. Os "swaps", até à proclamação de Vítor Gaspar, eram contratos correntes no mercado, como um dos instrumentos de cobertura de riscos, sobretudo cambiais ou de taxas de juro. Eram produtos vendidos pelos bancos e procurados por empresários privados, como forma de se acautelarem contra a volatilidade das taxas ou do valor das divisas. Foram agora diabolizados na arma do crime das odiadas empresas públicas. Mas constituíam meios de gestão de risco e de prevenir agravamentos de encargos financeiros. O que se terá passado, então?

4. Essencial neste processo é que se perceba o contexto e a fundamentação dos decisores. Não deve ser fácil para quem decidiu contratar de boa-fé, pensando estar a tomar a melhor decisão para a empresa, ver-se agora crucificado como malfeitor e causador de danos monstruosos. É preciso averiguar.

5. A responsabilidade dos administradores das sociedades é matéria que nos últimos anos ganhou crescente importância na doutrina societária. Responsabilidade perante a sociedade, perante os sócios, perante os credores e perante outros "stakeholders", como os trabalhadores. A crescente dissociação entre os accionistas e as respectivas administrações, em que os investidores financeiros podem ser meros "sleeping partners" e não ter sequer direito de voto, veio tornar mais candente a necessidade de um regime de responsabilidade dessas administrações, a par de novos regimes de "corporate governance".

6. Uma das regras de responsabilidade que o nosso Código das Sociedades importou dos Estados Unidos foi a da "business judgment rule". No essencial - e abstraindo agora da querela doutrinária sobre se constitui causa de exclusão da ilicitude ou apenas da culpa –, essa regra postula a ideia de que os decisores não serão responsabilizados pelas consequências negativas das suas decisões, se se concluir que agiram de acordo com as melhores práticas do negócio.

7. Os negócios e a vida empresarial comportam riscos. Nem sempre se ganha. O essencial é que não tenha havido displicência. Que tenham agido – não já como o "bonus pater familiae" –, mas como um criterioso gestor empresarial. Que tenham actuado segundo os padrões de um gestor diligente, cuidadoso, informado e ponderado, que fundamenta as suas decisões em dados objectivos, de acordo com o que seria normalmente exigível para os gestores do sector. Se tomaram decisões assim, os tribunais em aplicação da dita regra do BJR tenderão a ilibá-los. A realidade foi para lá de uma antecipação razoável dela.

8. Mas, pelo contrário, se à legítima preocupação de limitar os riscos da subida de taxas de juro, acrescentaram palpites pouco consistentes sobre potenciais ganhos especulativos, ou se se demitiram sequer de adequada informação sobre a natureza das operações ou de juízo crítico sobre elas, para não pensar em coisas piores como traficâncias e promiscuidades inaceitáveis com a banca, podem e devem ser responsabilizados.

9. Claro que importa ainda saber qual foi a orientação do accionista Estado – se é que houve – e se os intermediários, ao que parece simultaneamente credores, venderam gato por lebre, bem como o nível de delegação de análise e de decisão que condicionou estas operações.

10. Responsabilizar os gestores públicos sim. Mas com regras sérias e não no circo mediático. Porque há uma responsabilização de que a "Business Judgement Rule" não iliba: a dos políticos que, por omissão, durante dois anos, permitiram que se duplicassem as perdas potenciais. Estavam cientes e nada fizeram? Fizeram o que deviam? Vítor Gaspar julgou terceiros depressa, talvez por sentir já culpas próprias. Venha, então, a Comissão de inquérito.

Docente da Faculdade de Direito de Lisboa

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