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05 de Agosto de 2012 às 23:30

A inefável arte de vender

Tempos houve em que éramos exímios na inefável arte de vender como ficou para sempre inscrito na figura do Sr. Oliveira da Figueira que Hergé fez aparecer em pelo menos três aventuras de Tim Tim.

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Com o país no coração, mas sempre disposto a absorver novas culturas, Oliveira da Figueira vende tudo e coisa nenhuma e nunca é possível que nos zanguemos com ele. Conheci uma pessoa assim em Macau. Estávamos em 1997, em plena euforia dos pastéis de nata, com estes prestes a serem bem conhecidos e difundidos no Sudeste Asiático como já foi descrito, em 2008, neste jornal em "O súbito interesse nos pastéis de nata", quando um tal Dr. Sio Tai Cam, falando em inglês, me contactou em nome de um amigo comum, à data convenientemente ausente, propondo-me um almoço em que iríamos conversar de muitas e importantes coisas. Eu estava na altura no Instituto de Formação Turística e oferecíamos as mais procuradas e apetecidas aulas em Macau: aulas de pastelaria onde ensinávamos a fazer pastéis de nata.

Atravessando a longa fila da multidão que se aglomerava desde as 6 da manhã à nossa porta e junto ao balcão das inscrições ávida por um lugar no precioso curso, dirigi-me ao nosso encontro no famoso Largo dos Três Candeeiros. O restaurante era no quarto andar, número a evitar a todo o custo, um mau augúrio e muito raro em Macau, prenúncio de que a renda deveria ser baixa e o restaurante talvez não da melhor qualidade. Em breve saberia que o Dr. Sio Tai Cam se apresentava ali como Dr. Luk, "uma pessoa muito famosa" no dizer da empregada enquanto me conduzia à mesa para me apresentar a alguém que, adoptando o hábito chinês de utilizar vários nomes para proteger a sua identidade, não poderia ser outra coisa senão português. "Dr. Sio Tai Cam? Dr. Luk?". Que o tratasse por Tibério, pediu-me em tom afável, prometendo-me, com duas lágrimas nos olhos, que nesse dia haveríamos de beber o melhor vinho português.

Contou-me depois uma longa e atribulada vida de êxitos não só em Macau onde entre muitas outras coisas se dedicara à venda de terrenos, mas também em Cantão e mais recentemente em Hainão onde tinha conseguido a inabalável confiança das autoridades locais que lhe tinham especialmente encomendado um projecto de turismo de saúde por certo de interesse para o meu Instituto. De passagem falou-me também de um outro negócio proposto por um seu amigo, professor em Zhuhai que, tendo descoberto que o corpo humano é essencialmente composto por água, pretendia constituir uma empresa para produção da água necessária ao corpo, prolongando a nossa vida no planeta e facilitando um futuro regresso.

E foi aí que Tibério, torcendo as mãos, me trouxe verdadeiramente ao assunto. Talvez eu não soubesse, mas ele era há muitos anos o melhor, o mais requisitado guia turístico de Macau, acompanhando turistas de várias línguas. E não é que lhe era exigido agora, sob a ameaça de ficar sem licença, que voltasse aos bancos da escola e tirasse um curso no meu Instituto? A ele, que até era licenciado? E para que eu visse com os meus próprios olhos, retirou da pasta um papel amarelado e meio rasgado onde se lia "Fulano de Tal, licenciado aos tantos dos tantos de 1972 pela Marinha Portuguesa". Passados tantos anos não sei porque me lembrei hoje desta história.


Virgínia Trigo é professora no ISCTE Business School

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