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A falsa promessa dos padrões de governação global

Depois da crise financeira global do ano passado, existe agora um reconhecimento generalizado de que a inadequada protecção dos investidores pode afectar significativamente a evolução dos mercados e das...

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Depois da crise financeira global do ano passado, existe agora um reconhecimento generalizado de que a inadequada protecção dos investidores pode afectar significativamente a evolução dos mercados e das economias, bem como o desempenho individual das empresas. A crescente focalização na melhoria do "corporate governance" resultou numa procura de padrões fiáveis para a avaliação da governação nas empresas cotadas de todo o mundo. Responsáveis do Banco Mundial, conselheiros de accionistas e economistas da área financeira realizaram consideráveis esforços para desenvolver esses padrões.

A noção de um único conjunto de critérios para avaliar a governação de empresas cotadas no mundo inteiro é, sem dúvida, atractiva. Tanto os investidores como as empresas cotadas estão a operar em mercados de capitais globais cada vez mais integrados. Mas a procura de um único conjunto de padrões globais de governação tem sofrido de alguma desorientação.

Sim, ao longo da última década, tem havido um crescente recurso aos padrões globais de governação, amplamente desenvolvidos nos Estados Unidos, para avaliar de que forma é que os países e empresas de todo o mundo protegem os investidores minoritários. Mas estes esforços têm negligenciado as diferenças fundamentais entre empresas controladas, que têm um accionista dominante, e empresas detidas por tantos accionistas que lhes falta um investidor dominante. Ao passo que as empresas detidas por muitos accionistas dominam os mercados de capitais dos Estados Unidos e do Reino Unido, as empresas controladas dominam na maioria dos outros países.

Estes dois tipos de empresas diferem consideravelmente no que diz respeito aos problemas de governação com que os seus investidores se deparam. Nas empresas detidas por muitos accionistas, a preocupação prende-se com o oportunismo dos gestores, que exercem o controlo "de facto"; nas empresas com um accionista dominante, a preocupação gira em torno do oportunismo por parte desse investidor maioritário à custa dos accionistas minoritários.

Uma vez que os problemas elementares de governação nestes dois tipos de empresas são consideravelmente diferentes, os acordos que beneficiam os investidores nas empresas detidas por muitos accionistas podem ser irrelevantes ou mesmo contraproducentes nas empresas em que um accionista detém o controlo, e vice-versa. Consequentemente, aplicar um único padrão na avaliação da protecção dos investidores a nível mundial irá certamente "errar o alvo" no que diz respeito a um daqueles dois tipos de empresas ou a ambos.

Considere, por exemplo, o sistema Corporate Governance Quotient, desenvolvido pela consultora norte-americana RiskMetrics. O sistema da RiskMetrics, que é utilizado por investidores institucionais de todo o mundo, atribui um grande peso aos acordos que regem a competição pelo controlo.

Estes acordos são, na verdade, importantes para os investidores em empresas detidas por muitos accionistas. No entanto, quando uma empresa tem um accionista dominante, a luta pelo controlo não é possível e os acordos que regem essas competições são, pois, irrelevantes.

Os investidores e autoridades públicas de países onde o mais comum são as empresas detidas por accionistas maioritários devem parar de recorrer aos padrões globais de governação delineados por indivíduos com experiência em empresas detidas por muitos accionistas. Em vez disso, devem tentar desenvolver padrões apropriados para as empresas com um accionista dominante.

Obviamente, as avaliações de empresas detidas por accionistas maioritários não devem dar um grande peso aos acordos que regem as competições pelo controlo empresarial. Da mesma forma, os acordos que tornam o conselho de administração de uma empresa mais receptivo a uma maioria de accionistas, tal como facilitar aos accionistas a substituição de administradores, pode servir os interesses dos investidores de empresas detidas por muitos accionistas, mas não contraproducentes para os investidores em empresas controladas. Nestas últimas, onde a preocupação é a fuga dos accionistas minoritários, o facto de se tornar os administradores ainda mais receptivos ao accionista maioritário poderá aumentar a vulnerabilidade dos investidores minoritários.

Além disso, em países que têm muitas empresas controladas por um accionista, deve ser prestada especial atenção às transacções com partes relacionadas (filiais, por exemplo) com a empresa e à forma como se aproveitam oportunidades - as principais maneiras de ser retirado valor aos investidores minoritários dessas empresas. Para lidar com esses problemas, poderão ser úteis acordos que permitam que uma minoria de accionistas tenha direito de veto em relação às transacções com partes relacionadas - acordos esses que não se justificam em empresas detidas por muitos accionistas.

Por último, quando se analisam as empresas com um investidor dominante, a independência dos administradores não deve ser avaliada tendo em conta o grau de independência desses indivíduos em relação à empresa em cujo conselho de administração são membros. Em vez disso, deve ser prestada bastante atenção à sua independência face ao accionista maioritário.

Para melhorar o "corporate governance" e a protecção dos investidores, as autoridades públicas e os investidores nos países cujos mercados de capitais são dominados por empresas controladas por um investidor devem estar conscientes dos padrões globais de governação desenvolvidos para as empresas norte-americanas. Devem focalizar-se nos problemas específicos das empresas controladas e nas regras que melhor funcionarão para proteger os investidores mais pequenos nessas companhias.
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