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Opinião
25 de Fevereiro de 2005 às 13:59

A esperança anda no ar

O sempre afobado António Vitorino afirmou que o Governo «não era feito pela comunicação social nem na comunicação social». E rematou, exclamativo: «Habituem-se!» Este pronunciamento, além de arrogante, é despropositado.

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Não se percebe muito bem o que Vitorino quis dizer. No entanto, a formulação da frase contém uma ameaça velada.

A Imprensa terá de se habituar a quê? Perante as consequências possíveis deste argumento intimidatório, infere-se que Vitorino prevê uma relação conflituosa comos jornalistas; seja: «contra» os jornalistas. Espero que o espinoteante tolejo não encontre eco no futuro Governo.

Tomemos como frases irreflectidas, sem correspondência com a ética prognosticada por Sócrates na convivência coma «sociedade civil», de que a Imprensa é partícipe. Porém, assinalemos que nenhum Governo pode existir «sem» ou «contra» ela. Os exemplos históricos em Portugal, a partir do século XIX, são esclarecedores. Sugiro a António Vitorino mais comedimento e menos petulância.

Bom. Entre o erro e a revelação, o Executivo socialista parece começar a manifestar-se na razão e na intuição. De certa forma contrariando as advertências de António Vitorino, a TVI indicou alguns dos nomes que formarão o próximo Governo. Cito aqueles de que me recordo: Sobrinho Simões, Vital Moreira, João Soares, Silva Lopes, Mariano Gago, Freitas do Amaral, Vítor Constâncio, Maria João Rodrigues.

Podem ser, ou não; todavia, a simples enumeração deles corresponde a uma versão do arquétipo de qualquer coisa importante que poderá estar a ocorrer na direcção do PS. E José Sócrates terá, agora, de explicitar a sua concepção de política, demonstrando que a crise da sociedade portuguesa terá de começar pela crítica mais alargada, e que as soluções não são, apenas, de carácter económico. As pessoas nomeadas pela TVI podem associar-se a este desiderato superior. Qualquer delas, e todas elas, recusam reduzir o sentido dos valores estritamente ao valor económico. A renovação da sociedade penso dever principiar coma defesa desta bandeira.

Acaso isto esteja a acontecer, há algo de protecção dos princípios socialistas, e de coerência, apesar de tudo, como primitivo projecto do PS. E as indicações daquelas personalidades dizem-nos, também, que é através da imaginação e da criatividade que a política, amiúde, tem acesso ao real.

A compreensão da intencionalidade permite-nos interpretar a nova realidade política com alargada esperança. Estou à vontade para o dizer. Sérias reticências tenho feito a José Sócrates e ao seu estilo evasivo. Há uma interrogação aberta a cada passo, e uma apreensão imposta pelo estado das coisas públicas, que a anomalia Pedro Santana Lopes nos legou, com impune e impudica frivolidade. Que pode Sócrates conciliar, que injustiças conseguirá resolver, de que força dispõe para, sem medo nem repulsa, enfrentar os grandes interesses que se movem, não só no exterior, mas, igualmente, no próprio interior do PS?

Há muita esperança no ar. E não se trata do provimento de uma utopia, nem de uma encenação do real incomensurável. Ao atribuir ao PS de Sócrates a maioria absoluta, os eleitores ofereceram-lhe um destino pessoal, ao mesmo tempo que depunham nas suas mãos os seus destinos colectivos. Poucas vezes se registou, na nossa História, um acontecimento desta magnitude. Que José Sócrates o saiba merecer. De contrário pagará caríssimo o preço de ter defraudado as esperanças de quem nele votou.

APOSTILA 1 - Dilecto: a revista francesa «L’Histoire» publicou um número especial, dedicado ao centenário do nascimento de Sartre. Uma edição excelente, que nos remete para a grandeza do imenso pensador, sem deixar de dar voz aos seus inimigos, e de comentar os «erros» de apreciação por ele perpetrados. Induz-se que o admirável autor de «Situations» e de «Les Mots», entre outros textos insubstituíveis, continua a suscitar verdetes e admirações por igual apaixonados. O que significa que permanece vivo entre aqueles que, através das suas páginas memoráveis, perseveram em reflectir e insistem em interpelar muitas das questões que afligem as sociedades actuais. Um número a não perder.

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