Opinião
A educação de Sir Peter Imbert
A comparação de estatísticas entre Portugal e Espanha que foi recentemente divulgada deixou-nos todos aqui na Escola um pouco perturbados. Tem coisas que não lembram ao Diabo.
A comparação de estatísticas entre Portugal e Espanha que foi recentemente divulgada deixou-nos todos aqui na Escola um pouco perturbados. Tem coisas que não lembram ao Diabo.
Gastamos muito mais que os espanhóis em Protecção Social (25% do PIB, contra 20% deles), mas eles vivem mais do que nós - a esperança de vida à nascença é de 78 anos em Espanha, contra 75 cá, no caso dos homens, e 84 "versus" 81 e meio, respectivamente, nos caso das mulheres. Recuso-me a acreditar que vivemos menos por ir aos médicos e aos hospitais, portanto, a explicação lógica só pode ser nós sermos, à partida, mais fraquinhos e doentes que os espanhóis, e, portanto, termos que passar mais tempo nos médicos e ter que ter mais apoios na reforma. E mesmo assim não chega, pois não conseguimos durar tanto.
Mas mais esquisito ainda, e, isso sim, totalmente impenetrável, são as diferenças na Educação.
Por exemplo, a despesa pública em educação em Portugal tem sido, "per capita", superior à que se faz em Espanha: em 2005, por exemplo, atingiu 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) português, contra 4,2% em Espanha. No entanto, o nosso PIB cresceu menos que o espanhol. Até parece que gastar dinheiro em educação faz diminuir o PIB, e, portanto, que o melhor era gastarmos menos.
Meus queridos leitores, antes que tentem encontrar quaisquer explicações para isto, deixem-me dizer-vos também que, em 2006, em Portugal, havia 61 indivíduos com mestrado ou doutoramento por 100 mil habitantes, enquanto em Espanha apenas havia 16 por cada 100 mil. Então como se consegue compreender que a produtividade em Espanha seja muito superior? E, já agora, se há tantos mestrados e doutoramentos feitos por tanta gente, e poucos em Espanha, como se compreende que a taxa de abandono escolar em Portugal seja de 35%, enquanto em Espanha se fica pelos 30%? E, ainda por cima, com tanta educação como é que é possível que haja 30% de empregadores com formação superior em Espanha e apenas 13% em Portugal? Isto, claro, quando no caso dos empregados as mesmas percentagens são de 34% em Espanha para 16% em Portugal? Onde é que andam todos esse indivíduos com formação superior?
A primeira explicação que me veio à cabeça é que nós somos mais modestos, o que confirmará qualquer português que conheça algum número - não é necessário que seja grande - de espanhóis. E, como somos mesmo muito modestos - bons rapazes e um pouco tímidos até -, não gostamos de dizer quando nos perguntam (mesmo que seja o Instituto Nacional de Estatística) que temos um curso superior em Gestão de Restauração e Bebidas ou em Engenharia da Limpeza de Minerais Não Ferrosos, para não parecermos pretensiosos. Andamos na Universidade, mas não gostamos de falar muito nisso, à moda de Sir Peter Imbert, que um dia disse que "um curso universitário é como o adultério: podemos não nos querer envolver nisso, mas também não gostamos que os outros pensem que somos incapazes".
Foi então que me dei conta de que este assunto já estava estudado, e que o especialista na matéria é o meu colega Jástás Nugouzu, da Universidade dos Camarões. No seu livro "Bonjour, Marcel, c'Est ton Ami Le Chômage", Nugouzu desenvolve as bases da TEE, a Teoria das Estatísticas Endógenas. Até aqui sempre se pensou que as Estatísticas eram a forma de conhecer a realidade - enquanto a medição fosse rigorosa, gerava conhecimento e permitia as políticas sociais, económicas, etc.
Ora, a verdade é que, pelo simples facto de sabermos que vamos ser objectos estatísticos, mudamos o nosso comportamento de forma a aparecermos nas estatísticas com uma figura um pouco mais composta - como dizia Nugouzu, como a senhora que, antes do casamento da filha, ia ao cabeleireiro. À luz desta teoria, a verdade sobre as nossas estatísticas da Educação não se vê nas Escolas e nas Universidades, vê-se no mercado de trabalho e na casa das pessoas, observando os seus comportamentos.
É desta forma que se consegue, de facto, começar a entender os números. Por exemplo, temos "per capita", em 2006, quatro vezes mais indivíduos com mestrado e doutoramento do que os espanhóis, 61 contra 16, pois enchemo-nos de brio e batemo-los no que é a ferramenta de competitividade hoje, a qualificação e o conhecimento. Mas temos menos produtividade. Porquê? Porque os restantes 99.939 são muito piores, uns autênticos burros. Pois é, como podem 61 fazer o que mais de 99.900 não fazem? E como é que se compreende a taxa de abandono? É na mesma linha: não gostamos de "chumbar", portanto, abandonamos a Escola logo antes do final do ano, mas voltamos no início do ano seguinte. É assim tipo resolução de Ano Novo, em que prometemos a nós próprios cada Primeiro de Janeiro que vamos ser melhores e prometemos que é desta, mas só dura até à Páscoa, quando aterramos na dura realidade, que isto de ser, por exemplo, engenheiro, não é para todos. E nas estatísticas temos assim o melhor dos mundos: poucos chumbos e todos os anos um número elevado de inscrição no ensino superior.
Mas como é que há então uma percentagem maior de empregadores e empregados com curso superior em Espanha? É que, mais uma vez, o nosso comportamento ilustra bem o nosso pragmatismo: tiramos cá o curso, mas, quando podemos, vamos trabalhar para lá. E o pior não é isto, o pior é o vice--versa.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que acha que explica a alta taxa de abandono escolar em Portugal, Frederico respondeu: "É falta de Educação!"
Gastamos muito mais que os espanhóis em Protecção Social (25% do PIB, contra 20% deles), mas eles vivem mais do que nós - a esperança de vida à nascença é de 78 anos em Espanha, contra 75 cá, no caso dos homens, e 84 "versus" 81 e meio, respectivamente, nos caso das mulheres. Recuso-me a acreditar que vivemos menos por ir aos médicos e aos hospitais, portanto, a explicação lógica só pode ser nós sermos, à partida, mais fraquinhos e doentes que os espanhóis, e, portanto, termos que passar mais tempo nos médicos e ter que ter mais apoios na reforma. E mesmo assim não chega, pois não conseguimos durar tanto.
Por exemplo, a despesa pública em educação em Portugal tem sido, "per capita", superior à que se faz em Espanha: em 2005, por exemplo, atingiu 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB) português, contra 4,2% em Espanha. No entanto, o nosso PIB cresceu menos que o espanhol. Até parece que gastar dinheiro em educação faz diminuir o PIB, e, portanto, que o melhor era gastarmos menos.
Meus queridos leitores, antes que tentem encontrar quaisquer explicações para isto, deixem-me dizer-vos também que, em 2006, em Portugal, havia 61 indivíduos com mestrado ou doutoramento por 100 mil habitantes, enquanto em Espanha apenas havia 16 por cada 100 mil. Então como se consegue compreender que a produtividade em Espanha seja muito superior? E, já agora, se há tantos mestrados e doutoramentos feitos por tanta gente, e poucos em Espanha, como se compreende que a taxa de abandono escolar em Portugal seja de 35%, enquanto em Espanha se fica pelos 30%? E, ainda por cima, com tanta educação como é que é possível que haja 30% de empregadores com formação superior em Espanha e apenas 13% em Portugal? Isto, claro, quando no caso dos empregados as mesmas percentagens são de 34% em Espanha para 16% em Portugal? Onde é que andam todos esse indivíduos com formação superior?
A primeira explicação que me veio à cabeça é que nós somos mais modestos, o que confirmará qualquer português que conheça algum número - não é necessário que seja grande - de espanhóis. E, como somos mesmo muito modestos - bons rapazes e um pouco tímidos até -, não gostamos de dizer quando nos perguntam (mesmo que seja o Instituto Nacional de Estatística) que temos um curso superior em Gestão de Restauração e Bebidas ou em Engenharia da Limpeza de Minerais Não Ferrosos, para não parecermos pretensiosos. Andamos na Universidade, mas não gostamos de falar muito nisso, à moda de Sir Peter Imbert, que um dia disse que "um curso universitário é como o adultério: podemos não nos querer envolver nisso, mas também não gostamos que os outros pensem que somos incapazes".
Foi então que me dei conta de que este assunto já estava estudado, e que o especialista na matéria é o meu colega Jástás Nugouzu, da Universidade dos Camarões. No seu livro "Bonjour, Marcel, c'Est ton Ami Le Chômage", Nugouzu desenvolve as bases da TEE, a Teoria das Estatísticas Endógenas. Até aqui sempre se pensou que as Estatísticas eram a forma de conhecer a realidade - enquanto a medição fosse rigorosa, gerava conhecimento e permitia as políticas sociais, económicas, etc.
Ora, a verdade é que, pelo simples facto de sabermos que vamos ser objectos estatísticos, mudamos o nosso comportamento de forma a aparecermos nas estatísticas com uma figura um pouco mais composta - como dizia Nugouzu, como a senhora que, antes do casamento da filha, ia ao cabeleireiro. À luz desta teoria, a verdade sobre as nossas estatísticas da Educação não se vê nas Escolas e nas Universidades, vê-se no mercado de trabalho e na casa das pessoas, observando os seus comportamentos.
É desta forma que se consegue, de facto, começar a entender os números. Por exemplo, temos "per capita", em 2006, quatro vezes mais indivíduos com mestrado e doutoramento do que os espanhóis, 61 contra 16, pois enchemo-nos de brio e batemo-los no que é a ferramenta de competitividade hoje, a qualificação e o conhecimento. Mas temos menos produtividade. Porquê? Porque os restantes 99.939 são muito piores, uns autênticos burros. Pois é, como podem 61 fazer o que mais de 99.900 não fazem? E como é que se compreende a taxa de abandono? É na mesma linha: não gostamos de "chumbar", portanto, abandonamos a Escola logo antes do final do ano, mas voltamos no início do ano seguinte. É assim tipo resolução de Ano Novo, em que prometemos a nós próprios cada Primeiro de Janeiro que vamos ser melhores e prometemos que é desta, mas só dura até à Páscoa, quando aterramos na dura realidade, que isto de ser, por exemplo, engenheiro, não é para todos. E nas estatísticas temos assim o melhor dos mundos: poucos chumbos e todos os anos um número elevado de inscrição no ensino superior.
Mas como é que há então uma percentagem maior de empregadores e empregados com curso superior em Espanha? É que, mais uma vez, o nosso comportamento ilustra bem o nosso pragmatismo: tiramos cá o curso, mas, quando podemos, vamos trabalhar para lá. E o pior não é isto, o pior é o vice--versa.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que acha que explica a alta taxa de abandono escolar em Portugal, Frederico respondeu: "É falta de Educação!"
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