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26 de Setembro de 2008 às 13:00

A dramática falência de um modelo

Tudo indica que o modelo económico vigente está em fim de ciclo. Não será o capitalismo que se extingue. Mas também não será a "renovação" do capitalismo como o pretendem alguns preopinantes. De um e de outro lado (à Esquerda e à Direita) toma-se como evidência o que é, somente, desejo. A necessidade de se reformular, com urgência, as grandes categorias económicas nasceu da crise financeira nos Estados Unidos.

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"Há a consciência de que algo está a acabar. O dilema reside em não sabermos o que se segue."
George Soros

Tudo indica que o modelo económico vigente está em fim de ciclo. Não será o capitalismo que se extingue. Mas também não será a "renovação" do capitalismo como o pretendem alguns preopinantes. De um e de outro lado (à Esquerda e à Direita) toma-se como evidência o que é, somente, desejo. A necessidade de se reformular, com urgência, as grandes categorias económicas nasceu da crise financeira nos Estados Unidos. O que era ardorosamente defendido como os "prestígios do mercado", caiu com o fragor de todas as fragilidades. E a Administração Bush, além de não punir, com processos de fraude, os "gestores" que, entre si, procederam à distribuição de bónus, já com a tempestade em movimento, procedeu a métodos estatizantes para remendar os buracos.

Não existem separações de poder, como pretendem os arautos do neoliberalismo. Há um grupo, fortíssimo, que dirige o mundo, com asseclas a soldo, estipendiados nos jornais, nas rádios e nas televisões, que mantêm as aparências. A economia domina a política. E os políticos servem-se das suas funções para, mais tarde, auferir das prebendas, ocupar lugares nas administrações, receber o pagamento da indignidade. Os exemplos são tão recentes e estão tão vivos na nossa memória que escuso de os referir.

Na tentativa de se justificar as origens da crise, foi dito que a pressão exercida sobre os pobres "gestores" era a principal responsável. A explicação, por absurda, é ridícula. A fórmula de capitalização está totalmente errada. O tornado que varreu a indústria imobiliária norte-americana reflectiu esse aspecto do "consumismo" que conduz ao crédito sem regulação nem regulamentação. Como acentuou Carmichael Wilson, em "The New York Times", parece que "há uma América de costas voltadas para a realidade, e com desprezo pela outra América." A cultura do ter acaba com a consciência do ser. O individualismo mais desapiedado tomou conta de nós. Mas o individualismo volta-se, sempre, mais tarde ou mais cedo, contra o indivíduo.

Não creio que começou o degelo, na afirmação de José Vidal-Beneyto, um dos mais importantes analistas do diário espanhol "El Pais." O capitalismo, historicamente, conseguiu ressarcir-se dos traumas, das tempestades, e o seu fim foi, amiúde, anunciado. Enquanto existiu, a União Soviética travou o desenvolvimento atrabiliário de um sistema cuja natureza é predadora. Não estou a dizer nada de novo. Estou, apenas, a repetir o que se não diz por falta de honestidade intelectual.

Os acontecimentos das últimas semanas permitem concluir que o neoliberalismo provocou uma onda de miséria sem precedentes. Um desses preopinantes proclamou, sem pudor e sem escrúpulo, que a nova ordem económica planetária havia possibilitado uma mais justa distribuição da riqueza, e que o mundo estava muito melhor. A afirmação não envergonha o seu autor, porque, pelos vistos, o seu autor não tem vergonha nenhuma. O fosso entre pobres e ricos aprofundou-se abissalmente. Um homem como George Soros, empresário, financeiro, multimilionário, já advertiu que se aproxima o apocalipse. As manipulações de números, as mentiras que têm sido impostas como verdade irretorquíveis, a desenfreada ganância do "mercado" está a pôr em causa o necessário equilíbrio económico mundial. "Isto mete medo! Se não se puser mão nisto, o apocalipse será inevitável e trágico!"

Escreve, em "El Pais", José Vidal-Beneyto: "Os caudais de dinheiro fácil, consequência do domínio financeiro sobre a vida económica, vieram acompanhados da provocadora exibição do luxo mais agressivo, que encontrou, numa pueril competição, ‘quem, entre nós, tem o iate maior e mais luxuoso do que o outro’, a sua expressão mais ofensiva. Quando grande parte da população dos países em desenvolvimento, procura sobreviver com um ou dois dólares diários, e necessita de quatro ou cinco horas para obter a sua ração quotidiana de água, os nossos exultantes multimilionários desafiam-se a golpes de palácios flutuantes."

E Vidal-Beneyto continua a enumeração da sórdida disputa: "O emir do Dubai possui um barco de 160 metros, piscinas, sala de squash, ginásio, helicóptero e submarino de bolso. Os super ricos russos Andrei Melnichenko, de 36 anos, com o seu superiate de 165 metros, e Roman Abramovich, de 41 anos, que se diverte com a propriedade do Chelsea (…) está a construir um iate de 170 metros, o Eclipse, com cristais antibalas, detecção de mísseis, duas pistas de helicóptero, três piscinas, cristais de Baccarat…"

É impossível a "humanização" do capitalismo. A busca de soluções para a crise passa pela tentativa de impor o "rosto humano" a um sistema que o ignora. As últimas declarações do presidente Sarkozy, o ar exaltado com que as fez, não podem deixar de nos preocupar.

Que se seguirá?

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