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Fernando Sobral - Jornalista fsobral@negocios.pt 06 de Fevereiro de 2004 às 18:20

A dança da guerra da brigada do reumático

O “zombie” em que se tornou o futebol português só se reforma com a aposentação compulsiva da generalidade dos dirigentes que o têm liderado nas últimas décadas.

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O "zombie" em que se tornou o futebol português só se reforma com a aposentação compulsiva da generalidade dos dirigentes que o têm liderado nas últimas décadas.

Os portugueses podem adormecer mais descansados. O sr. Pimenta Machado, que tem 20 anos activos ao serviço do que entende dever ser o futebol nacional, descobriu que o caos actual é acção de "agentes ocultos".

Não explicitou se os ditos agentes são a brigada indígena de "A Base" (a célebre Al-Qaeda) conhecida carinhosamente como "O Sistema", uma patrulha de espanhóis fanáticos que ainda acreditam que o Euro’2004 vai ser organizado pelo país vizinho ou simplesmente a agremiação cultural da Avenida da Boavista, no Porto.

Sabe-se que a Interpol já vem a caminho para ajudar o sr. Pimenta Machado a desvendar o caso e que se, sozinha, não o resolver, o sr. Alexandrino poderá dar uma ajuda com mezinhas. O sr. Valentim Loureiro, que tem quase tantos anos de honroso serviço em prol do que julga dever ser o futebol português, diz que casos como o de Guimarães ou de Alvalade não têm a ver com a natureza típica dos portugueses, e que "temos de mostrar uma imagem de povo ordeiro e pacato".

Realmente, para que é que os estádios têm cadeiras? Quando havia só "peão", só se arremessavam garrafas para o relvado! O sr. Pinto da Costa, certamente preocupado com a aproximação entre Sporting e Benfica, algo que põe em causa a sua política de dividir para reinar com duas décadas ao serviço do que entende dever ser o futebol indígena, não tem falado muito. O que se agradece.

O que vale é que o sr. Dias da Cunha, desde que descobriu que o país está assombrado pelo "Sistema", fala por todos e sempre ajuda a manter elevado o humor da população. O sr. Madaíl nem diz nada, porque só espera que o Euro’2004 acabe, seja rapidamente nomeado comendador e receba uma condecoração pelos seus serviços à pátria.

São estes os dirigentes que, ano após ano, incendeiam a planície do futebol português e que, depois, como miúdos traquinas, escondem os fósforos e surgem a promover a paz no burgo. São, pelo menos, duas décadas de dança da guerra, sempre mascarados de líderes e gestores. Só param quando estão cansados ou, por exemplo, acontece algo que não controlam, como a morte do sr. Fehér.

O problema é que o "cha-cha-cha" que têm dançado ao longo de 20 anos os deixou sem muito fôlego. Pôr a brigada do reumático do futebol português a dançar hip-hop nos próximos anos não é espectáculo recomendável a pessoas sugestionáveis.

A mudança do futebol português já não se faz com "face liftings", nem com emagrecimentos acompanhados pelos médicos ou mesmo pelo Estado. O problema é que, ciclicamente, sempre que a idiotice atinge níveis jamais vistos, se fala em "medidas de excepção" e de "novas leis".

Como se sabe, neste país, cada vez que se fala disso, perdem-se anos com comissões que estudam o problema e estes vão crescendo como balões de ar. O "zombie" em que se tornou o futebol português só se reforma com a aposentação compulsiva da generalidade dos dirigentes que o têm liderado nas últimas décadas.

Não é por o Euro’2004 se aproximar que temos de tentar esconder, debaixo da cama, tudo o que suja o futebol português. Não é escondendo, assobiando para o ar ou iludindo as questões que se reforma a casa fantasma do pontapé na bola. A série Z em que se tornou a cinematografia do futebol português parece que tem, há duas décadas, como únicos actores disponíveis um monte de srs. Frankenstein. E a generalidade dos que surgiram depois são clones dos primeiros, porque de outra forma nunca conseguiriam um lugar no lodo.

O "sistema" é, simplesmente, o conjunto de dirigentes que antigamente comiam tremoços enquanto discutiam quem eram os árbitros amigos e hoje são os que escolhem vinhos de marca enquanto acordam favores recíprocos. Todos comem. Uns mais (porque fazem parte dos "grandes"), outros menos (porque mais vale mais uma migalha um dia, do que fome toda a vida). Assim é impossível mudar o que quer que seja, entre interesses de associações, federações, ligas e outras instituições que só pretendem que o seu garfo traga algo para comer.

Não é que o futebol português seja diferente do país: driblar as questões sem as enfrentar e adiar a resolução dos problemas são os nossos lemas de existência. Não é por acaso do destino que os cartazes de promoção do Euro’2004 falam tanto do "extra-time"?

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