Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
03 de Dezembro de 2001 às 13:42

A crise dos «media»

O nosso sistema político e económico não soube estruturar os recursos da democracia para dar corpo a uma imprensa que teria muitos bons resultados no interesse e no bem comum de todos os portugueses.

Tiago Franco, jornalista

  • ...
O nosso sistema político e económico não soube estruturar durante muito tempo os recursos da democracia para dar corpo a uma imprensa que teria muitos bons resultados no interesse e no bem comum de todos os portugueses.

1. O passado: a nacionalização e a intervenção

O mercado liberalizado de informação é um fenómeno recente em Portugal. Recente se tivermos em conta que só nos anos 90 se abriu por completo o ciclo que levou à nacionalização e à intervenção da maioria das empresas que detinham as rádios e os grandes jornais portugueses.

Nesta conjuntura, é necessário distinguir que o Estado português, nos primeiros anos da democracia, herdou o pragmatismo da censura mas, ao contrário de Espanha, não fez uma transição de uma imprensa clausurada e estatal para um mercado livre e concorrencial(1).

Antes pelo contrário. O nosso sistema político e económico não soube estruturar durante muito tempo os recursos da democracia para dar corpo a uma imprensa que teria muitos bons resultados no interesse e no bem comum de todos os portugueses.

Ao contrário do que sucedeu em Espanha após o franquismo, os maiores diários portugueses como o «Diário de Notícias», «Jornal de Notícias», «Diário Popular», «A Capital», «Jornal do Comércio», «O Século» e as grandes cadeias de rádio–com a exclusão da «Rádio Renascença»–ficaram, após a nacionalização dos grandes grupos económicos, nas mãos do Estado. Num processo que durou vários anos, que em nada ajudou o crescimento da economia e o amadurecimento das instituições.

Neste primeiro ciclo, apenas «O Expresso», «O Diário de Lisboa», «A República» e «O Primeiro de Janeiro» conseguem manter uma equidistância das acções directas e interventoras do Partido Comunista. Deste modo, vários empresários, apoiados nos novos partidos políticos fora da esfera de influência dos grupos marxistas, lançam-se com um tipo de produto que faria história na imprensa portuguesa: os semanários.

Nesta fase, com a excepção do «Expresso», criado antes do período revolucionário, assistimos a vários nascimentos: «O Diabo» o «Tempo», o «Jornal» «SSD», a revista «Sábado», o «Semanário», «O Liberal», «O Independente», a «Visão».

Com o aparecimento de novos bancos, o «boom» da Bolsa, o começo das negociações da adesão à CEE, a criação dos primeiros grupos económicos fora do sector industrial, e o crescimento dos suplementos económicos dos semanários, são criados novos produtos jornalísticos para acompanhar este impulso da economia. Foi o caso do «Semanário Económico», a revitalização do «Jornal do Comércio», o aparecimento da revista «Exame», a «Fortuna», a revista «Valor» e o «Diário Económico».

O que importa reter é que são dois jornais semanários que estão na origem de dois dos actuais quatro maiores grupos da imprensa portuguesa. «O Expresso», que esteve na génese da Impresa, e «O Independente», mais recente, que foi a publicação que deu origem à Media Capital.

Mais tarde, a revista «Visão» e outros títulos do mesmo grupo, entretanto adquiridos pelos suíços da Edipress, são incorporados na ACJ, empresa que transita para o chapéu da Impresa, também detentora do capital da SIC. A Media Capital, por seu lado, compra a Económica, várias rádios nacionais, vários títulos especializados e lança-se na TVI.

É de referir também o lançamento do «Público» em 1989 pela Sonae. Durante este período, que ficará conhecido na história da imprensa portuguesa como «a época dos semanários», dá-se início a um outro processo, que com o mercado mais amadurecido em termos comerciais, publicitários, de distribuição e de «marketing» começa a tomar os actuais contornos, a que podemos designar como o segundo período, o das dot.com.

Os outros dois maiores grupos portugueses, a Lusomundo e a Cofina, têm o seu máximo exponencial de crescimento durante o período das dot.com, que se inicia no final do milénio. A Lusomundo viria a ser incorporada na PT, que começa a sua incursão pela área dos «media», depois do lançamento de TV Cabo e de vários produtos editoriais de televisão.

Por seu lado, a Cofina aposta no sector dos «media», numa altura em que se inicia o «boom» das empresas de Internet, entrando pela porta grande ao fazer-se accionista da SIC. Durante este período, vários títulos são lançados, como a «Focus» do grupo Impala e o «Euronotícias» pelo grupo que levou o mesmo nome. O ciclo de expansão termina com o lançamento em simultâneo de três revistas masculinas.

2. O presente: o milagre da multiplicação

A consolidação destas novas estruturas dá-se num período de grande euforia pelo advento das novas tecnologias e, em especial da Internet. O dot.com sugou financeiramente a grande maioria dos grupos de «media», numa estratégia que hoje se sabe ter sido errada e em alguns casos catastrófica. Deste modo, ao tentar fazer um pequeno balanço do actual estado da Comunicação Social em Portugal é necessário ter presente três factores que podem condicionar o futuro.

PRIMEIRO. Que a imprensa em particular e a Comunicação Social, de um modo geral, não teve um crescimento sustentado. Os grupos não se especializaram e todos seguiram todos, entrando e multiplicando-se em todos os segmentos.

SEGUNDO. O modelo de negócio não se ajustou apenas à comunicação, entrando alguns grupos de «media» claramente no sector das telecomunicações, nomeadamente nos ISP, e concorrendo com os grandes portais, que os maiores grupos de telecomunicações entretanto tinham criado ou adquirido. Não podendo concorrer em igualdade de circunstâncias, por falta de capacidade financeira. Num espaço de poucos meses, os grupos tradicionais que operavam nas telecomunicações e os grupos de «media», começaram a disputar a mesma receita: o bolo publicitário, tradicionalmente afecto aos grupos de «media».

Enquanto os grupos tradicionais de telecomunicações podiam aplicar parte dos seus recursos fora do seu «core business», na disputa de um mercado novo–o dos conteúdos–os grupos de «media» não se consolidaram o suficiente, para disputarem em pé de igualdade esta nova realidade.

A maioria dos grupos, para além de investir forte no sector da Nova Economia, não abrandou no crescimento de produtos dentro da área tradicional, criando ou comprando publicações, adquirindo licenças de rádio ou lançando novos canais de televisão, num processo de extrema multiplicação de recursos humanos e financeiros.

TERCEIRO. Com a actual conjuntura recessiva veio à tona uma situação escamoteada durante muito tempo. O mercado português, pela sua pequena dimensão, e pelo seu fraco índice de leitura «per capita», é extremamente dependente das receitas publicitárias. Uma dura realidade que, a partir de agora, não poderemos voltar a ignorar.

3. O futuro: quatro medidas, apenas quatro

A acompanhar a actual situação no sector dos «media», existem de facto graves problemas que deixámos que se acumulassem e que necessitam de rápida intervenção e resolução. No caso em concreto falarei apenas da imprensa escrita.

PRIMEIRO. O fracos índice de leitura em Portugal e a actual taxa de iliteracia, acompanhada ainda por uma rudimentar base no sistema educativo que não promove nem incentiva a leitura, pode neste momento ser considerada a principal causa na manutenção de continuarmos a ser, na Europa, o país com a menor capitação de leitura em jornais e revistas. Aqui é necessário o esforço do Estado e dos grupos privados, para iniciar um processo de aculturação nos primeiros anos de ensino.

SEGUNDO. O «marketing mix» dos jornais e das revistas não acompanhou um sector que é essencial para o futuro da imprensa portuguesa. A distribuição que, praticamente – a percentagem deve rondar os 90% –, só se faz por venda em banca, não privilegiando as assinaturas, por não haver canais novos, ou por os correios não terem capacidade para uma correcta colocação diária.

É notório que as bancas nas principais cidades não têm capacidade para absorverem o aumento do número de publicações. Para além disso, o negócio das assinaturas, que em países como Brasil, onde os grandes jornais diários chegam a ter 400 mil assinantes – pode ser um modelo a implementar, com as devidas alterações.

TERCEIRO. Os principais parques gráficos não estão preparados para o aumento exponencial das publicações nos últimos anos. Para além disso, o actual modelo de negócio das gráficas quer para as assinaturas, quer para a distribuição em banca, não está preparado para o crescimento dos produtos através de brindes, o que leva muitas vezes a que situações de encarte passem por um processo artesanal, o que dificulta as tarefas dos editores e dos distribuidores. É necessário rever todo o processo industrial e comercial: especializando e criando processos de escala.

O Estado aqui pode, efectivamente, dar uma ajuda, criando apoios financeiros para a introdução de novas tecnologias, como o CTP («computer to plate») e o «hardware» e «software» necessários, quer a montante, quer a jusante.

QUARTO. O modelo assente nas receitas publicitárias está esgotado e não serve. Por isso, é necessário encontrar novos caminhos que possam reverter a actual situação. Faz sentido, dado o actual panorama que pode levar ao fecho de várias publicações, que o Estado intervenha no sentido de corrigir, os erros do passado, modificando as coisas.

E uma das medidas seria permitir já no próximo ano – e dado que se vai alterar de novo o orçamento –, introduzir um novo abatimento fiscal, que passa por cada sujeito passivo poder deduzir determinado montante na compra de publicações periódicas, que não sejam de carácter técnico. Para incentivar o mercado das assinaturas das publicações. Para além disso, seria de bom tom, dado a conjuntura recessiva, permitir às empresas a redução, em sede de IRC, de parte dos valores gastos em campanhas publicitárias, promoções, ou comunicação. De modo a incentivar o mercado publicitário que se espera ainda depressivo durante 2002.

(1) Após a morte de Francisco Franco existiam em Espanha uma cadeia de 40 diários estatais, uma televisão pública e três rádios nacionais do Estado.

Tiago Franco, jornalista. Ex-director do «Euronotícias».

Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio