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10 de Janeiro de 2012 às 12:34

A austeridade e o banqueiro moderno

No final do ano passado, o Pai Natal veio mais cedo para quatro antigos administradores do Washington Mutual (WaMu), um grande banco norte-americano que faliu no Outono de 2008.

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No final do ano passado, o Pai Natal veio mais cedo para quatro antigos administradores do Washington Mutual (WaMu), um grande banco norte-americano que faliu no Outono de 2008. O Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) [NT1] tinha interposto uma acção judicial contra os quatro responsáveis. Nas acusações, estava incluída a indicação de que tinham assumido enormes riscos financeiros "sabendo que o mercado imobiliário estava a viver uma 'bolha'". O FDIC pretendia recuperar 900 milhões de dólares, mas os administradores apenas tiveram de pagar 64 milhões. Quase todo este montante vai ser pago por seguradoras. Apenas 400 mil dólares deverão sair dos seus bolsos.

Entretanto, os dirigentes perderam os seus postos de trabalho e tiveram de desistir de todos os recursos interpostos para receberem indemnizações. Mas, de acordo com a FDIC, os quatro responsáveis ainda receberam mais de 95 milhões de dólares entre Janeiro de 2005 e Setembro de 2008. Ou seja, saem desta história com as carteiras recheadas. É isto que acontece quando os administradores financeiros são recompensados por uma rendibilidade dos capitais próprios ["return on equity"] não ajustada aos riscos. Quando as coisas estão bem, os administradores aproveitam a onda. Quando os riscos de queda se materializam, não perdem nada (ou quase nada).

Ao mesmo tempo, as suas acções – e as acções semelhantes por parte de outros banqueiros – foram directamente responsáveis tanto pelo grande aumento dos preços das casas como pelo colapso destruidor que se seguiu.

Tal colapso teve um impacto bastante negativo naqueles que não eram banqueiros, incluindo a perda de mais de 8 milhões de postos de trabalho.

Isto também conduziu à austeridade – os impostos estão a subir e a despesa pública está a cair a nível local e estatal, um pouco por todo o país. A nível federal, o difícil debate orçamental acabará por acontecer, mas, para já, os cortes e as contracções de vários tipos parecem prováveis.

Algumas pessoas defendem que os americanos precisam de apertar o cinto. É uma discussão interessante, particularmente numa altura em que o desemprego ainda está acima de 8% (as recentes quedas na taxa devem-se, principalmente, à decisão de vários desempregados de deixarem de procurar por um emprego e abandonarem, assim, a força de trabalho). Dificilmente, uma austeridade irreflectida pode ajudar a economia a retornar a elevados níveis de emprego.

Mas, e o que dizer do apoio estatal aos grandes bancos? Está ele a contrair, à luz das nossas actuais pressões orçamentais? Infelizmente, não, não está. Muito do apoio estatal continua, implicitamente, ao permitir que os bancos sejam "demasiado grandes para falir", e explicitamente, através de vários tipos de apoio fornecidos pela Reserva Federal.

A lógica – ou, talvez seja melhor dizer, a ideologia – que está por detrás deste apoio aos grandes bancos é a de que eles são necessários para a recuperação da economia. Contudo, essa posição é cada vez mais discutível, já que os bancos estão sentados em pilhas de notas mas os consumidores e as empresas com capacidade creditícia estão relutantes em pedir emprestado.

O mesmo se passa na Europa, onde a realidade é ainda mais gritante. Os bancos recebem resgates cada vez maiores, ao passo que os países que pediram demasiados empréstimos estão a cortar nos programas de apoio social e enfrentam, na sua sequência, crescentes tensões sociais e uma cada vez maior instabilidade política. Países como a Grécia, Itália e, sem dúvida, Portugal pediram empréstimos em excesso. Agora, os seus cidadãos enfrentam graves consequências. Mas os banqueiros não enfrentam quaisquer consequências, por mais pequenas que sejam, por terem concedido empréstimos a mais.

Para ser exacto, algumas das maiores instituições financeiras europeias podem agora enfrentar dificuldades e – quem sabe – talvez até alguns dos seus administradores acabem por ser despedidos. Mas alguém acredita que aqueles que empurraram os bancos europeus para o descalabro vão deixar os seus cargos com algo menos do que uma considerável fortuna? Não existe uma verdadeira austeridade – nem agora nem, possivelmente, no futuro – para quem está à frente dos bancos.

Recentemente, os manifestantes do "Occupy Albany" escreveram uma declaração, que, a certa altura, refere o seguinte:

"Os interesses daqueles que têm influência são recompensados às custas do povo, de quem deriva a legitimidade do poder do Governo. Acreditamos que esta falha no nosso sistema está no centro de muitas questões interconectadas que enfrentamos enquanto sociedade. Acreditamos que a sua resolução é a chave para um futuro justo. Por isso, pedimos uma democracia verdadeira, dissociada da corrosiva influência do poder económico concentrado. Pedimos a todos os que partilham deste objectivo comum para ficarem connosco e para agirem até alcançarmos esta meta".

Os grandes bancos representam a máxima expressão do poder económico concentrado das economias de hoje. Eles são capazes de resistir a todas as reformas significativas que podem realmente mudar os seus sistemas de pagamento. Os administradores querem aproveitar todos os momentos de crescimento sem enfrentar quaisquer consequências de um momento verdadeiramente negativo.

Mas o capitalismo sem a perspectiva de quebra não faz parte da economia de mercado. Estamos a viver num esquema de financiamento público em larga escala, pouco claro e perigoso que beneficia, principalmente, uma muito pequena parte da população, já por si extremamente rica.

Jon Huntsman, um dos candidatos republicanos à presidência, está a abordar esta questão directamente – ao insistir que devemos obrigar os maiores bancos a fragmentarem-se e a tornarem-se mais seguros. Nenhum outro candidato presidencial está a enfrentar este assunto de forma frontal: Dizer apenas "vamos deixá-los falir" não é a resposta adequada, dado que a falência de "megabancos" iria causar tantos prejuízos.

Devíamos aprender com o Washington Mutual e com o movimento Occupy. Em ambos os casos, a lição é a mesma: o poder financeiro concentrado é uma dádiva que continua a trazer coisas boas – mas não a você.

NT1 - Organismo estatal norte-americano que regula, supervisiona e funciona ainda como seguradora de depositantes.


Simon Johnson, que foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é co-fundador de um blog de relevo na área da economia, http://BaselineScenario.com, é professor na MIT Sloan e membro do Peterson Institute for International Economics. É co-autor, juntamente com James Kwak, do livro "13 Bankers".



© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro





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