Opinião
[484.] Fox e IPST
A campanha do canal Fox e do Instituto Português do Sangue e da Transplantação adapta uma campanha americana, mas não deixa de ser um achado. O canal promove a série The Walking Dead, apoiando o IPST no apelo à dádiva de sangue.
A campanha do canal Fox e do Instituto Português do Sangue e da Transplantação adapta uma campanha americana, mas não deixa de ser um achado. O canal promove a série The Walking Dead, apoiando o IPST no apelo à dádiva de sangue.
Os quatro cartazes mostram conhecidos portugueses transformados em zombie, como os da série de sucesso que em Portugal passa naquele canal por cabo: Fernando Alvim, Merche Romero, Nelson Évora e Marcantonio del Carmo. A frase de entrada no anúncio diz: "Se não queres acabar como o Nelson Évora vai a fox.pt e vê como podes ajudar. Usa o teu cérebro. Dá sangue!" Em cima os logotipos do IPST e do canal, em baixo o nome da série.
A frase principal é um pouco enviesada, porque em vez de dizer que quem não ajudar se transforma num morto-vivo diz, literalmente, que isso acontecerá a quem não for ver ao site como pode ajudar, o que é bem diferente. Se eu for ao site, diz a frase, não serei zombie; não tenho de efectivamente ajudar. O erro torna a frase menos eficaz do que seria numa formulação mais simples: por exemplo, "Se não queres acabar como o Nelson Évora vem ajudar", deixando a informação do site em destaque mais abaixo.
À parte o erro de construção, a mensagem desejada é a do apelo moral: quem não dá sangue não tem cérebro e não tem sentimentos, como os mortos-vivos. Se o observador não quer ser um monstro em forma (mais ou menos) humana, pode evitá-lo tornando-se dador. Está implícito um princípio muito abordado pela Ética: fazer bem aos outros é fazer bem a si mesmo, cumprindo-se os valores ou virtudes do bem; só é um homem bom aquele que vive segundo esses valores ou virtudes. Quem não dá sangue é um monstro moral.
O público-alvo, tratado por tu, é a juventude cujo maior consumo de televisão são as séries norte-americanas. Deste modo, é eficaz a colaboração entre o Instituto do Sangue e o canal Fox. Não havendo conteúdos portugueses do género das grandes séries americanas, a campanha não podia recorrer a actores nacionais desse tipo de conteúdos, optando pelo radialista, publicista e animador de eventos Alvim, o actor del Carmo, a apresentadora e famosa Romero e o atleta Évora. São quatro anúncios a juntar à recorrente utilização de celebridades e famosos para atrair o olhar e causar identificação instantânea.
Os cartazes usam tons sépias, hoje muito em voga, não só em The Walking Dead, mas também noutras séries, como Spartacus e em muitos outros produtos culturais. A coloração acastanhada sugere a patine do tempo, vivências em tempos de chumbo ou a desumanização, como neste caso.
A manipulação digital exercida sobre os quatro protagonistas foi desigual. Marcantonio del Carmo e Merche Romero não aparecem quase nada alterados, resultado zombies pouco convincentes. Será que não autorizaram uma deformação maior? O actor até aparece a rir com alegria, o que é absurdo, pois não consta que os zombies se riam e muito menos assim. A apresentadora não ri, mas está numa pose de famosa que não é nada zombie, com a mãozinha a segurar o queixo (excepto se considerarmos os famosos como autênticos zombies das indústrias culturais e mediáticas).
As duas melhores imagens são as do atleta e do radialista. Nelson Évora mexe os braços mecanicamente e tem os olhos a que chamamos de "carneiro mal morto". A foto manipulada de Alvim é a melhor, correspondendo à sua habitual representação de auto-depreciação: a boca e o queixal estão super-deformados, criando em simultâneo sentimentos de repulsa e de riso; e os olhos estão ainda mais desumanizados do que os de Évora: o braço também está apodrecido, o que não acontece com os braços imaculados de Romero. Os quatro cartazes deveriam ser como os que apresentam Alvim e Évora. Os outros dois são incompetentes ao não mostrarem verdadeiras transformações em mortos-vivos, que era o objectivo da mensagem. De qualquer modo, a campanha tem valor e, como serve uma boa causa, leva nota positiva a dobrar.
ect@netcabo.pt
Os quatro cartazes mostram conhecidos portugueses transformados em zombie, como os da série de sucesso que em Portugal passa naquele canal por cabo: Fernando Alvim, Merche Romero, Nelson Évora e Marcantonio del Carmo. A frase de entrada no anúncio diz: "Se não queres acabar como o Nelson Évora vai a fox.pt e vê como podes ajudar. Usa o teu cérebro. Dá sangue!" Em cima os logotipos do IPST e do canal, em baixo o nome da série.
À parte o erro de construção, a mensagem desejada é a do apelo moral: quem não dá sangue não tem cérebro e não tem sentimentos, como os mortos-vivos. Se o observador não quer ser um monstro em forma (mais ou menos) humana, pode evitá-lo tornando-se dador. Está implícito um princípio muito abordado pela Ética: fazer bem aos outros é fazer bem a si mesmo, cumprindo-se os valores ou virtudes do bem; só é um homem bom aquele que vive segundo esses valores ou virtudes. Quem não dá sangue é um monstro moral.
O público-alvo, tratado por tu, é a juventude cujo maior consumo de televisão são as séries norte-americanas. Deste modo, é eficaz a colaboração entre o Instituto do Sangue e o canal Fox. Não havendo conteúdos portugueses do género das grandes séries americanas, a campanha não podia recorrer a actores nacionais desse tipo de conteúdos, optando pelo radialista, publicista e animador de eventos Alvim, o actor del Carmo, a apresentadora e famosa Romero e o atleta Évora. São quatro anúncios a juntar à recorrente utilização de celebridades e famosos para atrair o olhar e causar identificação instantânea.
Os cartazes usam tons sépias, hoje muito em voga, não só em The Walking Dead, mas também noutras séries, como Spartacus e em muitos outros produtos culturais. A coloração acastanhada sugere a patine do tempo, vivências em tempos de chumbo ou a desumanização, como neste caso.
A manipulação digital exercida sobre os quatro protagonistas foi desigual. Marcantonio del Carmo e Merche Romero não aparecem quase nada alterados, resultado zombies pouco convincentes. Será que não autorizaram uma deformação maior? O actor até aparece a rir com alegria, o que é absurdo, pois não consta que os zombies se riam e muito menos assim. A apresentadora não ri, mas está numa pose de famosa que não é nada zombie, com a mãozinha a segurar o queixo (excepto se considerarmos os famosos como autênticos zombies das indústrias culturais e mediáticas).
As duas melhores imagens são as do atleta e do radialista. Nelson Évora mexe os braços mecanicamente e tem os olhos a que chamamos de "carneiro mal morto". A foto manipulada de Alvim é a melhor, correspondendo à sua habitual representação de auto-depreciação: a boca e o queixal estão super-deformados, criando em simultâneo sentimentos de repulsa e de riso; e os olhos estão ainda mais desumanizados do que os de Évora: o braço também está apodrecido, o que não acontece com os braços imaculados de Romero. Os quatro cartazes deveriam ser como os que apresentam Alvim e Évora. Os outros dois são incompetentes ao não mostrarem verdadeiras transformações em mortos-vivos, que era o objectivo da mensagem. De qualquer modo, a campanha tem valor e, como serve uma boa causa, leva nota positiva a dobrar.
ect@netcabo.pt
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