Opinião
Alexandra Courela - Sócia da Abreu Advogados
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Susana A. Duarte - Associada sénior da Abreu Advogados
12 de Novembro de 2020 às 09:48
Uma bazuca financeira não chega
Não basta uma bazuca financeira para relançar a economia; é preciso um quadro legislativo e fiscal estável, coerente e competitivo.
Num momento em que se encontra em discussão a Proposta de Orçamento do Estado para 2021 (POE2021) bem como o Plano de Recuperação e Resiliência e, sendo esta discussão inevitavelmente enquadrada pela bazuca financeira europeia que se aguarda com ansiedade, importa não esquecer a competitividade. No relatório sobre a competitividade fiscal internacional publicado pela Tax Foundation (1) , Portugal surge em 33.º lugar (num total de 36 países) como um dos países menos competitivos, sendo apenas ultrapassado pela Polónia, Chile e Itália. Embora não se ignore que o referido relatório se baseia numa análise global da tributação nos diferentes países e que, portanto, exige um estudo detalhado, a realidade é que a falta de estabilidade fiscal e a incoerência de algumas alterações legislativas não potenciam a competitividade.
E a atual POE2021 é disso exemplo. Entre as alterações propostas na POE2021 destaca-se uma que atinge em particular o setor imobiliário, ao prever que as aquisições de ações de Sociedades Anónimas (SA) passem a ser sujeitas a IMT quando o valor do ativo resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50% de bens imóveis situados em Portugal que não se encontrem diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis, e quando por aquela aquisição algum dos acionistas fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social ou o número de acionistas se reduza a dois casados ou unidos de facto. Trata-se, sem margem para dúvidas, de um alargamento da norma de incidência do IMT e, logo, de um aumento de impostos que potencialmente afastará novos investidores mas que, acima de tudo, representará mais uma quebra na relação de confiança com aqueles que já investiram. É, portanto, não só um bom exemplo da falta de estabilidade fiscal que tem afetado, em especial, o setor imobiliário, mas também um exemplo de incoerência. Com efeito, o Código do IMT (e antes deste o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações) já prevê a sujeição a IMT da aquisição de partes sociais em determinados tipos societários, nomeadamente as sociedades por quotas (SQ), porquanto o legislador entendeu que, historicamente, as SQ eram tradicionalmente o tipo de sociedade escolhida para deter o património familiar por oposição às SA com uma estrutura governativa mais complexa.
No entanto, a prática tem vindo a demonstrar que as SQ são cada vez mais utilizadas por investidores e não apenas por grupos familiares. Por este motivo, e pretendendo o legislador alargar a incidência de IMT, impunha-se a uniformização do regime aplicável às SQ e às SA, na medida em que não se vislumbra qualquer justificação para a existência de um regime fiscal diferente. Com efeito, enquanto para as SQ basta a simples detenção de imóveis para espoletar a incidência de IMT, para as SA, nos termos da POE2021, a incidência apenas ocorrerá se os requisitos de afetação ou relevância dos imóveis no ativo social não estiverem verificados.
Ora, se a opção do legislador fiscal é a de alargar o âmbito de incidência do IMT, atingindo um setor já afetado, em 2020, pela incerteza subjacente à eventual alteração da legislação dos vistos gold, pelas alterações no alojamento local e pelo aumento da taxa de IMT, então a proposta de alteração da lei deve ser coerente, uniformizando o tratamento fiscal aplicável a SQ e a SA. Sendo ambas as sociedades utilizadas por investidores para a realização de investimentos imobiliários, devem ambas beneficiar de uma exclusão de tributação se os seus ativos imobiliários estiverem afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial. Um quesito que, em nossa opinião, a atual POE2021 não cumpre.
No entanto, e estando a POE2021 em discussão, ainda há margem para repensar os referidos normativos, lançando-se desta forma o repto ao legislador quanto a três tópicos-chave: 1) uniformização da norma do IMT quanto às SQ e SA; 2) clarificação do seu âmbito de aplicação em matéria de atividades incluídas/excluídas na exceção, bem como clarificação da sua aplicação transitória; e 3) um mais ambicioso, o de reconsiderar esta proposta de alteração, assim salvaguardando as expectativas dos investidores e evitando mais uma queda no ranking da competitividade. Não basta uma bazuca financeira para relançar a economia; é preciso um quadro legislativo e fiscal estável, coerente e competitivo.
E a atual POE2021 é disso exemplo. Entre as alterações propostas na POE2021 destaca-se uma que atinge em particular o setor imobiliário, ao prever que as aquisições de ações de Sociedades Anónimas (SA) passem a ser sujeitas a IMT quando o valor do ativo resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50% de bens imóveis situados em Portugal que não se encontrem diretamente afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis, e quando por aquela aquisição algum dos acionistas fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social ou o número de acionistas se reduza a dois casados ou unidos de facto. Trata-se, sem margem para dúvidas, de um alargamento da norma de incidência do IMT e, logo, de um aumento de impostos que potencialmente afastará novos investidores mas que, acima de tudo, representará mais uma quebra na relação de confiança com aqueles que já investiram. É, portanto, não só um bom exemplo da falta de estabilidade fiscal que tem afetado, em especial, o setor imobiliário, mas também um exemplo de incoerência. Com efeito, o Código do IMT (e antes deste o Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações) já prevê a sujeição a IMT da aquisição de partes sociais em determinados tipos societários, nomeadamente as sociedades por quotas (SQ), porquanto o legislador entendeu que, historicamente, as SQ eram tradicionalmente o tipo de sociedade escolhida para deter o património familiar por oposição às SA com uma estrutura governativa mais complexa.
Ora, se a opção do legislador fiscal é a de alargar o âmbito de incidência do IMT, atingindo um setor já afetado, em 2020, pela incerteza subjacente à eventual alteração da legislação dos vistos gold, pelas alterações no alojamento local e pelo aumento da taxa de IMT, então a proposta de alteração da lei deve ser coerente, uniformizando o tratamento fiscal aplicável a SQ e a SA. Sendo ambas as sociedades utilizadas por investidores para a realização de investimentos imobiliários, devem ambas beneficiar de uma exclusão de tributação se os seus ativos imobiliários estiverem afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial. Um quesito que, em nossa opinião, a atual POE2021 não cumpre.
No entanto, e estando a POE2021 em discussão, ainda há margem para repensar os referidos normativos, lançando-se desta forma o repto ao legislador quanto a três tópicos-chave: 1) uniformização da norma do IMT quanto às SQ e SA; 2) clarificação do seu âmbito de aplicação em matéria de atividades incluídas/excluídas na exceção, bem como clarificação da sua aplicação transitória; e 3) um mais ambicioso, o de reconsiderar esta proposta de alteração, assim salvaguardando as expectativas dos investidores e evitando mais uma queda no ranking da competitividade. Não basta uma bazuca financeira para relançar a economia; é preciso um quadro legislativo e fiscal estável, coerente e competitivo.
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