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[157] A bandeira nacional

A participação da Selecção da Federação Portuguesa de Futebol no Mundial 2006 proporcionou nova oportunidade prática para se debater a ética da publicidade. À ordem dum juiz de Viseu, a polícia apreendeu bandeiras nacionais com mensagens publicitárias.

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Já abordei o assunto dos limites da ética mais de uma vez, nomeadamente a propósito da utilização do hino nacional num anúncio da PT e, num caso semelhante, a propósito da utilização das Bem-Aventuranças de Jesus Cristo numa campanha da Renova.

Como sempre, confrontam-se duas realidades: o aproveitamento comercial de valores transcendentes e a liberdade de expressão. No caso do hino nacional, o anúncio respeitava-o plenamente – mas apenas na versão completa. Na versão reduzida, o hino estava cortado, o que significava uma mutilação do símbolo nacional ao serviço dos interesses comerciais duma empresa.

O debate foi agora suscitado especialmente com a bandeira distribuída pelo «Expresso» em que um dos cantos foi preenchido com publicidade do Banco Espírito Santo. Pode dizer-se que essa bandeira mutilava o símbolo nacional, mas não foi a única. A bandeira que o alpinista português João Garcia levou há semanas a um topo dos Himalaias também estava «bordada» com o nome doutro banco, o Millennium.

Há muitíssimos outros casos de desvirtuação da bandeira, a maior parte por mau gosto ou ignorância, mesmo que sem mensagens comerciais apostas. No caso do Millennium e mais ainda no caso do BES, o benefício comercial é evidente. Mas as fronteiras não são nada claras. Por exemplo, a bandeira feita só por mulheres no Estádio Nacional por patrocínio do BES e para uso comercial, não despertou protestos como a bandeira distribuída com o «Expresso». Na verdade, a bandeira feita com mulheres respeitava integralmente o desenho da bandeira, enquanto a outra era desfigurada a um canto no seu desenho para receber a publicidade do banco. Parece ser apenas isso que motiva protestos, dado que a bandeira está presente em dezenas de anúncios televisivos e de imprensa sem quaisquer protestos.

Julgo que ninguém duvida de nem os publicitários nem o banco quiseram desrespeitar a bandeira. Mas também aqui a fronteira é movediça. Na verdade, não intervindo a justiça, a «decisão» sobre se há ou não desrespeito por um símbolo nacional é tomada por várias instâncias sociais, uma das quais é a opinião pública, o que quer que ela seja.
A questão de saber se há ou não aproveitamento comercial indevido resolve-se de maneira muito simples e bem cristã, aplicando o princípio do «não faças aos outros o que não queres que te façam a ti». O que diria o BES ou o Millennium ou a Renova se entidades da sociedade civil, incluindo empresas, empregassem para seu benefício os símbolos dos bancos e os seus «slogans»? O leitor já sabe a resposta: não aceitariam.

E a questão é esta: da mesma forma que os logótipos dos dois bancos lhes pertencem e estão registados, também os símbolos e os valores pertencem a entidades colectivas – comunidades políticas, religiosas, países e estão até, no caso do hino e da bandeira, «registados» na Constituição.

Suponho que por isso quase todos temos a intuição de que, mesmo aceitando nestes casos o exercício da liberdade de expressão, houve aproveitamento excessivo por parte de entidades privadas de símbolos ou valores que não lhes pertencem e que são muito valorizados ideológica, sentimental ou religiosamente. Assim, não sendo acções de polícia forma adequada de tratar do assunto, foi positivo que um juiz levantasse o debate. Para todas as actividades tem de haver limites. Por vezes as pessoas envolvidas numa actividade neste caso publicitários e empresários - não tomam em conta outra sensibilidades, mesmo que o seu objectivo fosse por si considerado apenas de forma positiva. É preciso acções exteriores para que a fronteira movediça da ética se agite e recoloque os valores num lugar próximo ao que se encontravam.

O que aborrece é que nada disto teria acontecido se a utilização publicitária da bandeira tivesse sido mais profissional, mais imaginativa: julgo que ninguém protestaria com um uso correcto da bandeira, mesmo que para fins publicitários.

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