Opinião
[155.] Armani, CGD, Luso, Açores
Outra vez? Na semana passada referi um anúncio em que o relógio Burberry estava colocado ao contrário no pulso do modelo para ficar virado a direito para o observador da foto. Dado que o reclame não pretendia ser cómico nem absurdo, surpreendeu-me o facil
Mas eis um outro anúncio absolutamente idêntico. Também o Emporio Armani colocou um relógio virado do avesso no pulso para que ficasse direito na foto. Na vida real, ao olharmos para o relógio de pulso duma pessoa à nossa frente, vêmo-lo ao contrário. Por isso estranhamos neste anúncio que, estando nós de frente para o modelo, consigamos ver o relógio direito. Até o observador menos atento ficará com uma impressão de que alguma coisa não está certa ali. A que se deverá esta falta de bom senso do publicitário? Porque não procurou ângulos invulgares da câmara ou posições imaginativas do modelo para mostrar o relógio correctamente?
Anda por aí alguma falta de imaginação.
Um anúncio da Caixa Geral de Depósitos recorre à foto dum guardanapo de papel com esboços e uma caneta por cima. O reclame publicita o eventual apoio da CGD a «projectos inovadores» que façam para os seus autores «todo o sentido no papel». Acontece que esta mesma imagem – um esboço rápido num guardanapo - foi usada há dois anos noutro anúncio... e também de um banco, o BBVA (v. O Manto Diáfano nº 37).
E o anúncio que sugere a capacidade da água do Luso em diminuir peso quando associada a fibras hidrossolúveis? O reclame inclui uma fórmula: «água de Luso + fibras = menos peso». É curiosa esta extraordinária aritmética que só os publicitários (e os políticos) conseguem inventar: uma soma que dá menos... Na imagem, um modelo feminino tapa o peito com uma garrafa do novo híbrido Luso. O anúncio apresenta uns riscos sobrepostos no corpo para sugerir onde o «menos peso» já beneficiou a mocinha.
Mas... que vejo eu? Será outra vez o Nascimento de Vénus, de Botticelli? Eis a mesma posição do corpo, o mesmo braço direito a tapar o peito, a mesma aragem que agita os cabelo longos... Mudou o lado de que sopra o vento, para se poder ver bem a garrafa de «formas Luso» na sua mão direita, e a mão esquerda não precisa de tapar as vergonhas, como a Vénus de Boticelli porque o modelo está de bikini. O braço esquerdo recuou para as costas, de forma a deixar bem visível a garrafa. Mas é o Nascimento de Vénus, sem dúvida - tal como já tinha sido glosado há pouco tempo por um anúncio magnífico das jóias Piaget (v. O Manto Diáfano nº 133).
Nesta semana em maré de infelicidades ou repetições publicitárias, só falta referir uns anúncios dos Açores. Gostei de campanhas anteriores, em que se criavam umas nuvens de formas humanas ou animais, mas a actual descai para o piroso, com uma imagem de mulher seráfica reflectida nas águas duma lagoa ou nos céus atlânticos... e falsifica aquilo mesmo que quer anunciar, a natureza. O publicitário enxertou um cetáceo mergulhando nas águas calmas e, um pouco afastada do lado direito, uma embarcação à vela. Quer a baleia quer o barco foram enxertados em posições diferentes no anúncio de A4 (ao alto) e de A3 (ao baixo). São montagens fotográficas, bonitas, mas não perfeitas. Irritam por contrariarem o que se pretende divulgar dos Açores – a força do real, genuíno, natural – por oposição à artificialidade da vida actual. As alterações não foram aplicadas a nuvens intangíveis, antes se inventaram elementos concretos do turismo, neste caso a observação de baleias. Os publicitários esticaram o conceito de natureza para a anunciada «natureza mágica». Dizendo os anúncios que os Açores são «as ilhas que não parecem reais», bem poderiam dizer também que as suas próprias imagens não são mesmo reais.