Opinião
(152) - BES, BPI
E o futebol aí está outra vez na publicidade. Ainda ontem acabou o Euro 2004 e já hoje temos a selecção no Mundial da Alemanha. O BES regressou ao tema centrando-se, pelo menos por agora, no público feminino. «Temos mulheres, temos equipa», diz a frase, f
«Temos mulheres» em vez do habitual «temos homens», que significa, em qualquer caso, «temos valentes para tomar decisões ou agir ou enfrentar alguma dificuldade ou tarefa»; «temos equipa» – frase a que já me referi em artigo anterior – remete tanto para a selecção nacional de futebol, como o pessoal do banco, como ainda, neste caso, para o próprio público-alvo do anúncio. Porque este anúncio pretende mulheres abrindo conta no BES.
O mundo no feminino também no futebol, eis o que seria impensável há apenas uma década. Entretanto, ou porque sim ou porque queriam estar com os maridos ou namorados nos tempos de lazer, as mulheres vão aos estádios, vêem jogos em casa, manifestam-se nas ruas, pintam os filhos, companheiros e a si mesmas as «pinturas de guerra» que dão hoje cor às bancadas de adeptos.
O primeiro anúncio desta campanha na TV colocava a mulher não só nos estádios e audiências, mas na própria campanha. Perguntava: «Quem é a estrela do BES na campanha da Selecção?» Resposta: «Sou eu!» «Somos nós!» A mulher não é a estrela da Selecção nem da campanha da Selecção – é «a estrela do BES na campanha da Selecção», isto é, a mulher é a estrela da campanha do BES a propósito do Mundial. Parece um jogo das palavras, e certamente é, mas cada palavra vale muito, quando são poucas e vale muito dinheiro numa campanha de enorme divulgação em todos os media.
O anúncio seguinte faz a descoberta maravilhada de palavras ligadas ao futebol: baliza, táctica, sorte, equipa, esperança, bandeira – todas elas são do género feminino. «Quem disse que o futebol é um jogo de homens?», pergunta a voz «off». E a apresentadora de TV Fátima Lopes faz um discurso que podia ser da política, do feminismo: «Portuguesas! Vamos formar a mais bela bandeira do mundo e apoiar a nossa Selecção». E convida as mulheres a juntarem-se-lhe no Estádio Nacional para formar uma bandeira com uma multidão feminina.
Este segundo anúncio já remete para a ideologia principal do futebol, muito acentuada em Portugal desde há uma década: o patriotismo eufórico através do apoio à Selecção em provas internacionais, seus símbolos e, acima destes, o hino; mas principalmente a bandeira nacional (recordemos o pequeno escândalo a propósito do uso do hino num anúncio da GALP; este do BES não fará escândalo porque o uso da bandeira não é tabu como era o uso do hino).
Esta campanha junta, portanto, o carácter de futebolização crescente da vida nacional – no que é «business as usual» – ao carácter de crescente feminização da vida nacional, o que é novidade. Em vez de «gaijas boas» apoiando os homens da bola, estes anúncios mostram mulheres «normais» (as que respondem «sou eu!») e a «vizinha do lado», simbolizada por Fátima Lopes. Em terceiro lugar, ao singularizar esta, aquela e aqueloutra mulher, a campanha prossegue um dos objectivos das anteriores campanhas do BES: procurar mostrar pessoas concretas (a Sara, o Manuel, o...) e, portanto, potenciais clientes concretos, pessoas com nome próprio.
Enquanto o BES se entrega de novo à vertigem do futebol, o BPI escolheu o caminho inverso. A sua nova campanha, em vez de futebolistas, usa actores, cantores, atletas, modistas, apenas mantendo, do desporto-ditador, José Mourinho. Perante a previsível avassaladora campanha do BES com anónimos – o anonimato é a cara da nação quando se junta em multidão –, o BPI, para contrabalançar, precisava de caras conhecidas para nos pôr a olhar para os «mupis» e os ecrãs.