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(133) - Escada, Piaget

O final do ano traz sempre consigo imensa publicidade a perfumes, jóias e relógios – e também a relógios que são jóias. Muitos dos anúncios são brilhantes, em sentido literal e figurado. Contribuem mais para o brilho da época do que muitas iluminações de

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Vejamos este anúncio da «fabulosa nova fragrância para uma mulher», de Escada. A embalagem de vidro transparente brilha como as centenas de diamantes que a rodeiam. O azul ultramarino do perfume transfere-se esbatidamente para toda a superfície visível e também para o âmago de cada pedra preciosa. Cada gota deste perfume é um diamante. Uma gota só afasta os diamantes que cobrem a embalagem e deixam-na ver, como a um segredo que não se vê porque apenas se cheira. O anúncio precisa de transformar o odor em visão, o cheiro em jóia, o perfume em diamante. Quem o oferece o «melhor amigo das raparigas». Magnífico anúncio na concepção, na metáfora, na concretização estética.

E que dizer do anúncio dos «relógios e jóias em movimento» de Piaget? Outra jóia esplendorosa da publicidade. A fotografia lembra de alguma forma a pintura simbolista, que juntava o imaginário do conjunto a uma forma de representação naturalista no detalhe. Mas para encontrar a inspiração directa deste anúncio é preciso voltar mais atrás, à pintura renascentista: a figuração da bela jovem do anúncio remete directamente para o Nascimento de Vénus, uma das obras-primas de Sandro Botticelli (cerca de 1485), de que mostramos a parte central.

Tal como sucedia no anúncio do Banif analisado na semana passada, a posição da rapariga está invertida em relação ao original de Botticelli (na semana passada em relação a Greta Garbo no filme Rainha Cristina). Trata-se da necessidade de corresponder à estética da leitura de imprensa: a leitura visual faz-se normalmente como num livro, da esquerda para a direita. Mas se os anúncios ocupam páginas ímpares, da direita, convém que as pessoas e objectos centrais se inclinem para o lado «de dentro» da publicação, para a esquerda.

Tal como a Vénus de Botticelli, a Vénus de Piaget tem os cabelos soprados pelo vento, tem a mesma posição do corpo, com o peso equilibrado sobre um dos pés, um dos braços caído e o outro levantado à altura do peito – no quadro para tapar o seio, no anúncio para mostrar o relógio e o anel Piaget. A posição da deusa no quadro renascentista já remetia para um modelo anterior, da escultura clássica, o da Vénus pudica ou modesta. E é essa mesma atitude que ressalta da belíssima morena de Piaget: quem pode resistir a oferecer uma jóia àquela jóia de rapariga?

No quadro de Botticelli quem sopra o vento é Zéfiro, deus do dito, acompanhado pela ninfa Clóris, que na mitologia romana era Flora, potência da natureza que preside a tudo o que floresce: é ela quem lança a chuva de flores sobre Vénus. Do outro lado está Horai, deusa das estações, também ela recheada de flores nas vestes e num colar. No anúncio de Piaget, as flores são levíssimas explosões de luz, como brilhos solares de jóias. E, tal como no quadro, é em Vénus que nasce a luz principal da imagem. Botticelli celebrou o nascimento da mulher, da deusa do amor. Este anúncio fez o mesmo, acrescentando-lhe as jóias que, oferecidas à sua Vénus morena, fazem dela a mulher de quem lhas ofereceu.

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