Opinião
[108.] Smart, Vodafone, Colt, Micra, Capital Mais, EDP
Com a crise, anda tudo a poupar. É preciso poupar para se poder gastar mais, noutras coisas. Os rapazes de mochilas dizem ao dono dum Smart Forfour que parou para lhes dar boleia: «É que estamos numa de poupar.» E ele: «Eu também». E portanto comprou um c
Compra-se um carro que «tem reunidas todas as condições para economizar.»
Estes não são os únicos rapazes que andam à boleia e a poupar. Também um cliente da Vodafone com um bocado de cartão nas mãos que, em vez de dizer Paris ou Berlim, diz «Falar no estrangeiro custa o mesmo por minuto que em Portugal». O anúncio tem um ar estranhamente digitalizado, como se fosse uma sobreposição de foto em estúdio sobre um pano de fundo ruralizante, mas é eficaz: impossível não olhar para o cartão para ver para onde é que ele quer ir à borla, gastando só nas chamadas.
A miudagem adere a estas mensagens simples, humorísticas e um bocado tolas. Como a do rapaz que no anúncio do Mitsubishi Colt pede boleia à beira da estrada. Ele deveria pedir boleia ao carro que vai passar. Mas o carrinho é tão veloz que nem ele nem nós o vemos. Ouve-se a voz do realizador dizendo: «Corta!» O carro terá que passar outra vez, mas mais devagar. Tolice? Total. O publicitário deve ter a mesma idade do destinatário do anúncio.
A poupança também é visível no uso dos mostradores de preços das caixas registadoras num anúncio do Nissan Micra. Num dos mostradores vê-se 0000%, o que é realmente um zero enorme. Nada melhor que a imagem dos números da caixa registadora – símbolo de despesa – para se sugerir poupança. Não há como gastar dinheiro para se poder poupar. Quem não gasta não poupa.
A publicidade empurra a sociedade de consumo. E o consumo puxa por sua vez pela publicidade. Nesta sociedade tem que se ter tudo, porque só há uma vida mesmo se não há dinheiro. E, depois, os consumidores ficam afogados em dívidas como no anúncio da Capital Mais. Não é metáfora, não, o homem de fato e gravata está mesmo a afogar-se em água, com prestações de cortar a respiração. Ele é a prestação da casa, a prestação do carro, a prestação dos móveis, a prestação da televisão e a prestação das férias. E isso é nas letras grandes do anúncio, porque as letras pequenas ainda falam em «créditos pessoas diversos» como «electrodomésticos, ou demais empréstimos». Juntando todas as prestações numa só o cliente da Capital Mais poupa até 40% por mês. O anúncio não esclarece se o «poupe» significa mesmo poupar ou apenas pagar menos por mês durante mais meses.
Quem anda igualmente a poupar é a Rita. Ela «poupou 11 euros». É mais modesta do que o ex-afogado cliente da Capital Mais, que «poupou» uns incríveis 467 euros por mês. Não, a Rita é muito mais humilde. Os 11 euros são a poupança anual dela por ter lavado a roupa a 40 graus centígrados e carga máxima e em três lavagens semanais. É o que a EDP diz, e garante a todos os observadores: «e você também vai poupar». Basta que lave a roupa três vezes por semana a carga máxima – não a 60 – mas a 40 graus. É claro que a Rita do anúncio é uma perdulária e se calhar chega ao fim do ano sem conseguir poupar os almejados 11 euros. Basta olhar para a fotografia: o tambor da máquina está a lavar pouquíssima roupa e o cesto de roupa ao lado da Rita está a menos de metade. Assim ela não chega lá!
As sugestões da EDP, neste e noutros anúncios, são brilhantes, e por isso se aceita que ela nos peça para as seguirmos. Mas a EDP podia ajudar a Rita de outra forma: baixando os custos da electricidade, ou pelo menos não os aumentando. Sempre a Rita ganhava «mais motivos para sorrir.»