Opinião
A pandemia e o (des)emprego: riscos e oportunidades
O prolongar da pandemia pode acelerar o investimento em automação pelas empresas, sendo importante notar que 36% dos empregos e 34% da massa salarial em Portugal são suscetíveis à automação, podendo levar a perdas permanentes de emprego.
Os dados do PIB português, divulgados no final da semana passada pelo INE, confirmam uma quebra do PIB trimestral de 3,8% no 1.º trimestre de 2020, comparado com o final de 2019. Em apenas 15 dias de confinamento perdemos o equivalente aos ganhos do PIB dos últimos dois anos. Quando recebermos os números do 2.º trimestre, que incluirão um mês de confinamento completo e uma tímida reabertura em maio e junho, a queda do PIB será provavelmente superior a 20%, fazendo o PIB de Portugal recuar mais de uma década.
Isto acontece apesar do apoio massivo do Estado à economia e ao emprego. Na última semana de maio, 23% da população ativa, num total de 1,2 milhões de pessoas, recebia apoios extraordinários do Estado, diretamente ou via entidades empregadoras, para fazer face ao impacto da pandemia. Isto explica que o desemprego não tenha ainda subido acima dos 8%. Mas por quanto tempo é sustentável esta situação? Qual a perda temporária e qual a perda permanente de emprego?
O estudo “Quem arcará com os custos da crise COVID-19: Análise de empregos em risco em Portugal”, publicado esta semana pelo novo Center of Economics for Prosperity da CATÓLICA-LISBON, calcula com rigor este impacto, com base na análise dos dados do INE de “Quadros de Pessoal” que cobrem 3 milhões de empregados.
Parte da perda de emprego é temporária, fruto de um confinamento forçado e da incerteza sobre o futuro, situação que desaparecerá quando a pandemia recuar ou for definitivamente controlada. O estudo calcula que a situação de confinamento põe em risco entre 17% e 31% do emprego em Portugal, não só em termos de efeitos diretos nos setores mais afetados, mas também calculando os efeitos indiretos da quebra de produção desses setores nos outros setores da economia. São entre 540 mil e 942 mil empregos em risco se a situação de confinamento se prolongar. É fundamental que o Estado apoie as empresas e trabalhadores neste período de confinamento de forma a preservar as relações contratuais economicamente viáveis. Se não o fizer, um choque temporário na economia transforma-se numa espiral recessiva de falências em cadeia, aumento do desemprego com quebras de consumo, e perda permanente de capacidade produtiva. Neste cenário adverso, Portugal recuaria mais de 20 anos.
Mesmo com estes apoios, é inevitável que alguma perda de emprego seja permanente em virtude da alteração estrutural da economia. Uma coisa é certa: não vamos voltar ao tempo pré-covid. A redução das viagens de negócios relacionada com o aumento da prática de teletrabalho pelas empresas, um lento retomar do turismo que fugirá das multidões, o aumento das compras online, a maior adoção da telemedicina, do ensino online e de outros serviços digitais são algumas das mudanças estruturais que levarão a perda permanente de emprego em alguns setores, com a necessidade de as empresas e os trabalhadores se reconverterem para atividades com maior procura.
Além disso, o prolongar da pandemia pode acelerar o investimento em automação pelas empresas, sendo importante notar que 36% dos empregos e 34% da massa salarial em Portugal são suscetíveis à automação, podendo levar a perdas permanentes de emprego.
O estudo da CATÓLICA-LISBON revela ainda que os empregos mais em risco pelos efeitos da pandemia são aqueles com salários mais baixos e com menores qualificações, o que pode levar a um forte aumento da desigualdade em Portugal. Em particular, 37% de todos os trabalhadores no decil de salário mais baixo desempenham funções em setores não essenciais que não podem ser realizadas em teletrabalho, comparando com apenas 9% do emprego entre os trabalhadores no decil dos salários mais elevados. Os mesmos padrões são observados em termos de nível de qualificação, com 83% dos trabalhadores pouco qualificados dedicados a funções que não podem ser realizadas em teletrabalho, comparando com apenas 30% entre os trabalhadores altamente qualificados.
O impacto da pandemia afetará de forma mais gravosa as novas gerações. Os jovens até 24 anos têm quase o dobro da probabilidade de desempenhar funções em setores não essenciais que não podem ser realizadas em regime de teletrabalho, quando comparados com os trabalhadores com idade superior a 40 anos, e uma probabilidade 1,6 vezes superior de trabalharem em setores altamente sensíveis aos efeitos da pandemia.
Em síntese, este estudo revela que o impacto da pandemia no emprego em Portugal e no aumento da desigualdade pode ser muito significativo, mesmo que a pandemia seja de curta duração. Este impacto será ainda mais grave se não forem adotadas políticas de preservar os empregos viáveis, promover a reconversão profissional, e minorar o aumento da desigualdade económica com programas de apoio social.
Mas todas as crises são oportunidades de reinvenção, individual e coletiva. Uma forte aposta na qualidade do sistema educativo e de formação, um maior alinhamento com os desafios tecnológicos e ambientais, a promoção do empreendedorismo e da inovação empresarial orientadas para o mercado global, estas serão as fontes do nosso sucesso futuro. E estas estratégias terão de ser complementadas por políticas económicas e sociais que promovam a prosperidade coletiva – a economia ao serviço das pessoas. A forma como as políticas públicas e empresariais responderem aos desafios atuais moldará o progresso da economia portuguesa e o bem-estar dos trabalhadores e cidadãos por mais de uma década.
P.S.: O CATÓLICA-LISBON Center of Economics for Prosperity (PROSPER) que nasce esta semana é liderado pela Prof.ª Joana Silva, autora do estudo mencionado, e realizará análises rigorosas da realidade económica para ajudar ao desenho de políticas públicas e empresariais que promovam a prosperidade coletiva.