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17 de Outubro de 2019 às 20:20

O Nobel confirma: precisamos de novas abordagens em economia

Apercebemo-nos de que sabíamos pouco sobre essa realidade e que décadas de políticas e recursos orientados por impressões projetadas pela teoria económica geraram poucos resultados.

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A nomeação de Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer para o prémio Nobel da Economia é o reconhecimento da urgência da inovação metodológica na ciência. O seu contributo para a economia do desenvolvimento e o combate contra a pobreza, sobretudo nos países menos desenvolvidos, foi (e tem sido) fundamental para melhorar a eficácia das políticas económicas.

 

Através dos seus projetos de investigação no Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab ficámos a conhecer a realidade das comunidades mais pobres e o efeito de intervenções realizadas por governos e ONG. Apercebemo-nos de que sabíamos pouco sobre essa realidade e que décadas de políticas e recursos orientados por impressões projetadas pela teoria económica geraram poucos resultados. Ficámos a saber que a distribuição gratuita de redes mosquiteiras não carrega desperdícios significativos, que programas de transferência condicional de dinheiro diminuem sistematicamente o absentismo escolar e que as mulheres têm um papel determinante devido ao interesse que têm nas melhores políticas de saúde e educação.

 

Mas a contribuição mais importante e polémica foi a metodologia desenvolvida pelos laureados.

 

A proposta dos laureados dá pelo nome de Estudo Aleatório Controlado e foi inspirada pelos estudos clínicos na área da medicina. Esta proposta passa pela monitorização dos efeitos de algumas experiências, tirando partido de intervenções reais de empresas, ONG ou entidades governamentais.

 

Um exemplo disto foi o estudo sobre o impacto das microfinanças em Hyderabad, Índia, há cerca de dez anos. Spandana, uma ONG local, planeou projetos de microfinanças em 52 comunidades do distrito. A equipa do Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab acordou com a ONG a sua execução num Estudo Aleatório Controlado. As equipas de investigadores recolheram a informação de 104 comunidades sem acesso a microfinanças. De seguida, os investigadores escolheram, de forma aleatória, as 52 comunidades (metade) nas quais Spandana executaria os projetos. Por fim, os investigadores regressaram 1,5 e 3,5 anos depois para realizar novos inquéritos às 104 comunidades, permitindo a comparação das comunidades que receberam microfinanças com o grupo de controlo.

 

Os resultados surpreenderam muitos. Nas comunidades com microfinanças, o arranque de novos negócios foi pouco expressivo e foram os que já tinham negócios que mais se endividaram, investiram e beneficiaram, sobretudo os que já eram mais competitivos. Os resultados foram confirmados com experiências semelhantes em países como Bósnia, Etiópia, Índia, México, Marrocos e Mongólia, gerando uma crise existencial nos ativistas de microfinanças, após 20 anos de importantes recursos humanos e financeiros dedicados a esta atividade.

 

A metodologia desenvolvida não é isenta de críticas. Angus Deaton, Nobel em Ciências Económicas em 2015, considera que os resultados obtidos nestas experiências são muito influenciados pelas condições locais, sendo impossível generalizar. Outros consideram que os custos financeiros destas experiências, dada a quantidade de investigadores necessária para a recolha de informação, produzem um desperdício de recursos. Estes, acredita-se, seriam mais bem utilizados se financiassem projetos de desenvolvimento e não de avaliação dos seus resultados.

 

De toda a forma, o impacto na profissão foi imediato e estendeu-se muito além da economia do desenvolvimento. Na Nova SBE, o Nova SBE NOVAFRICA Knowledge Center dedica a sua energia ao estudo das economias africanas, sobretudo das que falam português, inspirado pela abordagem metodológica dos laureados. A investigação produzida em Moçambique permitiu descobrir que o "mobile money" diminuiu a pobreza, nomeadamente através do recebimento de remessas de familiares (e expansão desta capacidade) em momentos de dificuldade. Em Angola, os estudos levados a cabo pelo mesmo centro permitiram perceber que é possível mobilizar encarregados de educação para ajudarem na escola, mas que estes não têm posição social para exigirem melhores desempenhos dos professores. Na Guiné-Bissau, observou-se que agentes de saúde comunitária, essenciais para a diminuição da mortalidade infantil, têm um melhor desempenho quando incentivados relativamente à posição social que detêm nas suas comunidades.

 

Pessoalmente, considero que o contributo destes autores para trazerem a realidade para a ciência económica foi um dos mais importantes avanços da área neste século. A obra de Banerjee e Duflo, em "Poor Economics" (MIT Press, 2011), contempla uma visão totalmente nova do mundo e obriga-nos a repensar todos os preconceitos que não sabíamos ter.

 

Este espírito de inovação e irreverência é fundamental na renovação da ciência económica para acompanhar o período disruptivo que vive a economia real dos nossos dias.

 

Infelizmente, a rapidez com que estas ideias receberam o Nobel revela a falta de alternativas para o júri pela escassez de ideias novas que grassa hoje pela ciência económica.

 

O bem maior seria se este Nobel incitasse mais jovens economistas a ter coragem para inovarem nas abordagens e metodologias aplicadas e desafiassem pseudoverdades que cada vez mais relegam a perspetiva dos economistas académicos para as notas de rodapé.

 

A coragem para desafiar os pensamentos e interesses estabelecidos merecem certamente o Nobel. 

 

Professor na Nova SBE

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