Opinião
Desafios emergentes no sistema financeiro
A banca de retalho enfrenta desafios estratégicos importantes no espaço europeu. Após ultrapassar a fase mais crítica da crise actual, o sector financeiro prossegue com adaptações estruturais importantes: redução do número de agências, movimentos de consolidação e maior enfoque nos segmentos elevados.
Países com realidades económicas tão distintas como Portugal e Alemanha têm em comum uma banca de retalho em reestruturação, demonstrando que algumas ameaças que a indústria enfrenta são transversais à realidade competitiva do sector.
Numa análise recente sobre as principais tendências observadas no mercado, a Roland Berger identificou três desafios emergentes a ser endereçados pelos bancos:
1. Evolução das necessidades do consumidor
Um desafio conhecido do sistema financeiro é a "comoditização" dos seus produtos aos olhos do cliente. Num estudo recente, focado na geração Milénio, um terço dos inquiridos revelou-se disposto a trocar de banco nos próximos 90 dias. Num mercado competitivo, com custos de mudança reduzidos, a única resposta possível dos incumbentes é a criação de serviços de valor acrescentado para o cliente.
Os bancos têm procurado seguir esta estratégia, evoluindo para uma segmentação de carácter comportamental e investindo na experiência do consumidor através de canais de distribuição online e aplicações para "smartphones".
Ainda assim, a estrutura pesada dos bancos e uma regulação com novas exigências não têm facilitado a adaptação eficaz e atempada à evolução do cliente moderno. As necessidades do consumidor actual revelam-se frequentemente antagónicas à filosofia do sistema financeiro - oferta simplificada e transparente, acesso rápido e conveniente - dificultando o ajustamento aos desenvolvimentos de mercado.
2. Desinter-mediação
O papel do banco enquanto intermediário de serviços financeiros está a ser desafiado pela ascensão de novos agentes económicos. "Start-ups" entram no mercado, produzindo e comercializando soluções financeiras inovadoras, capazes de substituir progressivamente os produtos bancários tal como os conhecemos. Actividades como "peer-to-peer lending" e "crowdfunding" estão a tornar-se atractivas e a ganhar solidez, podendo posicionar-se na perspectiva do cliente como substitutos de produtos tradicionais de crédito, poupança e investimento.
No espaço europeu estimamos que o mercado alternativo de crédito e financiamento represente cerca de 3 mil milhões de euros, observando taxas de crescimento anual superiores a 150%. Embora a dimensão do mercado seja ainda reduzida, os bancos começam a enfrentar concorrência forte de entrantes que desafiam o seu modelo de negócio tradicional e oferecem melhores condições para produtos equivalentes.
3. Disrupção da cadeia de valor
O aparecimento de soluções disruptivas por mão de grandes empresas tecnológicas ameaça provocar mudanças profundas na cadeia de valor, em particular ao nível dos serviços de pagamentos. A ascensão galopante de métodos de pagamento suportados por dispositivos móveis tornou-se tema da ordem do dia.
Embora os serviços de pagamentos tenham uma contribuição reduzida para o negócio bancário, quando analisados de forma isolada, estes são importantes porque definem em grande medida o interface da relação com o cliente. É neste campo que as maiores mudanças estão a surgir - a entrada de empresas tecnológicas globais nos pagamentos é evidente e parece ser definitiva, dada a sua grande proximidade com o consumidor.
A título de exemplo, a Paypal, já com 500.000 utilizadores em Portugal, além de compilar e transmitir a informação da transacção, contornando intermediários tradicionais, aposta numa proposta de valor simplificada e segura para captar clientes. No caso dos Estados Unidos começou a fornecer crédito ao consumo, gerando novas alternativas de financiamento, independentes de cartões bancários.
As tendências emergentes observadas no mercado dos serviços financeiros apelam a uma reestruturação do modelo de negócio dos bancos. A entrada de novas empresas com maior capacidade de adaptação às necessidades do consumidor e menor exposição a exigências regulatórias, dificultam a tarefa dos incumbentes.
Em Portugal, o desafio adensa-se pela situação macroeconómica do país. A resposta dos bancos deverá centrar-se na criação de soluções de maior valor acrescentado para o cliente, alavancando activos e competências que deverão permanecer chave: conhecimento profundo de produtos financeiros, base alargada de clientes e informação comportamental dos seus clientes.
Roland Berger Strategy Consultants