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18 de Março de 2020 às 20:08

Uma declaração guardada

É preciso pôr de lado qualquer falta de sintonia que só poderia prejudicar o país. Nesta fase, não interessa quem falou melhor ou pior, quem ocupou mais ou menos espaço, quem disse primeiro ou depois, tudo isso é ridiculamente inútil.

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"A natureza insólita do nosso sistema de governo - de que falo há tantos anos - revela-se agora, de modo intenso, nesta grave situação. Em todos os países é claro quem comanda, especialmente numa altura como esta.

Em França, manda Emmanuel Macron, em Inglaterra, Boris Johnson, em Espanha, Pedro Sanchez, na Alemanha, Angela Merkl, nos EUA, Donald Trump. Goste-se ou não, desses dirigentes, é assim. A ambiguidade no sistema de governo faz perder tempo e pode prejudicar as decisões mais corretas. É época para tudo menos para competições institucionais. Estou certo de que o Presidente da República e o primeiro-ministro encontrarão uma solução que possa ser convictamente assumida por ambos. E é época para não demorar com decisões em que cada dia, um só dia, perdido, tem consequências muito complicadas. Mas importa ter sempre o sentido da medida e não perder a perspetiva de futuro.

 

Também quanto ao Orçamento de Estado, importa não demorar. A sua aprovação permitirá desbloquear pagamentos, transferências e subsídios que são urgentes para a economia e seus agentes. Lembro que o OE, este ano, já atrasou por haver eleições. Não se deve esperar mais. Outras medidas, agora anunciadas, devem ser publicadas logo a seguir em diploma autónomo. Na hora atual, mais ainda do que noutros momentos, em matéria de decisões do Estado, há duas palavras proibidas: adiar e demorar. E há duas qualidades essenciais: capacidade de antecipar e coragem de decidir."

 

Como sabe uma categorizada jornalista de um relevante órgão de comunicação social, estive para fazer, durante todo o dia de ontem, uma declaração ao seu jornal. A declaração era esta mesma, para sair na véspera da reunião do Conselho de Estado, anunciada pelo Presidente da República. A declaração, como poderão ler, não tem nada de extraordinário nem pretende criar nenhuma polémica. Confesso que a versão inicial era mais incisiva. No entanto, optei por este texto que inicia este artigo. Não o divulguei antes da reunião porque entendi que o meu dever principal era nada fazer para contribuir para qualquer polémica ou para qualquer divisionismo. Se estivesse convicto, sem pretensiosismos, de que a minha declaração podia ajudar a evitar um caminho nocivo para o país, com certeza que a teria divulgado. Mas como foram chegando sinais, informações e noticias de que o Presidente da República e primeiro-ministro estavam a encontrar a tal solução que podia ser assumida convictamente por ambos, considerei preferível nada dizer. Está mandatado quem está, para ser Chefe de Estado, para ser Presidente do Parlamento e para ser Chefe do Governo. Especialmente em alturas como esta que vivemos, é quem está investido nessas diferentes funções que tem a responsabilidade e o dever de decidir, no âmbito das atribuições e competências de cada um.

 

Aquilo que me fez pensar, no dia de anteontem, em fazer uma declaração, resultava de uma perceção, manifestada por vários intervenientes, de uma diferença de posição entre Chefe de Estado e primeiro-ministro. Isso seria o pior, uma divergência institucional numa altura como esta. Como escrevi na tal declaração que não saiu, são absolutamente inadmissíveis competições institucionais. É preciso pôr de lado qualquer falta de sintonia que só poderia prejudicar o país. Nesta fase, não interessa quem falou melhor ou pior, quem ocupou mais ou menos espaço, quem disse primeiro ou depois, tudo isso é ridiculamente inútil. Não serve para nada. Como já se viu, ao longo de algumas décadas, o nosso sistema de Governo potencia os exageros e os conflitos institucionais. Por isso, todo o cuidado é pouco.

 

Ao contrário de outros, entendi, e não me arrependo, que não me interessa nada ter impacto ou acertar numa declaração. Quando entendo que tenho algo para dizer, tento transmiti-lo aos próprios. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa são os dois excelentes juristas e pessoas inteligentes, e foram tranquilizadoras as noticias de que estavam a trabalhar, naturalmente, em conjunto. Estou certo de que o produto final do decreto do estado de emergência - com o contributo das qualidades dos membros do parlamento, incluindo obviamente a oposição - e as medidas que, nesse âmbito, o Governo venha a aplicar, serão eficazes e terão o devido sentido da medida. Os portugueses têm reagido com grande sentido comunitário e importa ter presente, para além da sua saúde física, a importância da saúde mental ou psicológica. Em França, a intervenção do Presidente Macron demonstrou a consciência de assegurar e respeitar essas diferentes dimensões.

 

Faço notar o que digo, no tal texto acima, sobre a premência da publicação da lei do Orçamento de Estado.

 

Como disse o Presidente da República mais vale prevenir que remediar. E como disse o primeiro-ministro o país não pode fechar e tem de continuar.

 

É esta a minha maneira de ser e de estar: agir sem alaridos e com sentido de responsabilidade. E acreditem que não tenho concordado, no tempo e no modo, com tudo aquilo que vamos vendo e ouvindo. Mas cada um faz o que deve à luz do que entende ser o melhor para Portugal. 

 

Advogado

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