Opinião
Quantos pensam neles?
Percebemos agora, talvez como nunca, como os erros que permitem a miséria de uns podem fazer muito mal ao mundo todo. Mas às vezes, mesmo nestes dias, temos a sensação de que há facetas quase incorrigíveis.
Na verdade, o enorme drama dos milhares e milhares de refugiados, de todas as idades, enxotados pelas autoridades turcas para a fronteira com a Grécia, pouca atenção merece nos espaços noticiosos. Desde que há cerca de cinco anos começou o êxodo de milhões de pessoas para os portos de fronteiras de vários países europeus, que este nosso continente demonstrou uma grande incapacidade para lidar com o assunto. Também nessa altura ficou claro que a situação não poderia ser resolvida só aqui, com mais ou menos generosa integração, mais ou menos indesejável repressão. O investimento tinha e tem de ser feito a montante, no desenvolvimento básico e nas condições de vida das populações que tudo fazem para largar a miséria e procurarem as terras que lhes vão prometendo. Exato, nos países de origem, só lá se pode parar o êxodo e acabar com as vis oportunidades de negócio para quem transporta seres humanos para viagens de perigos e ilusões. Pois, a União Europeia fez um acordo de alívio de consciência com a Turquia, pagou bem, deu uma série de contrapartidas variadas e a Turquia aceitou receber muitos e muitos migrantes no seu território. Agora, por causa da questão síria, e não só, os acordos foram postos em causa e o Governo de Erdogan deu ordem de expulsão a todas essas pessoas. Só que a Grécia não as aceita e mandou-as regressar às suas terras de origem ou ficarem na dita Turquia.
A nós, incomoda-nos muito, consideramos compreensivelmente muito duro que nos imponham ficarmos em casa, em quarentena, para nossa defesa e dos outros. Agora imaginem o que sentirão e passarão os que ouvem ordens ao contrário, sendo-lhes dito que não têm direito a casa, só podem ficar na rua, na lama, com tempo variável, com pouca ou nenhuma comida e com nenhum conforto. E quanto tempo perdem as notícias das televisões de todo o mundo com esse drama? São dezenas de milhares de refugiados que se espalham por ilhas várias no mar Egeu. Cavam-se divisões entre a Grécia e a Turquia, entre a direita e a esquerda gregas - para lá de algumas aproximações de Tsipras às posições do primeiro-ministro Mitsokatis - mas quem paga, claro, são milhares de pessoas sem país, sem casa, sem nada. Uns são refugiados políticos e outros económicos? Pois, seguramente. Seres humanos em condições desgraçadas, isso são, seguramente: a ONU e o seu secretário-geral terão aqui um papel cada vez mais importante, principalmente, nos tais países de origem destas pessoas. E a ONU, com o seu Alto Comissariado para os Refugiados, cargo que António Guterres - personalidade de tão grande e tão sólida formação humanista - tão bem exerceu tem de ser liderante nos tempos que vamos atravessar. E liderante, também, e muito, na condução política. Sabe-se como a UE está falha e fraca. Esperemos que recupere e depressa.
Mas o novo ciclo do mundo que, se Deus quiser, se seguirá, vai exigir uma grande aliança entre o secretário-geral da ONU, o Papa Francisco e os chefes das outras mais importantes Igrejas. Todos terão notado a força brutal daquela imagem do Papa, sozinho, na Praça de São Pedro. Aquela imagem, aquelas palavras, aquele silêncio, tudo, tudo naqueles momentos, teve força para mobilizar um mundo inteiro.
Na verdade, o que se seguirá não será gerível por qualquer modelo existente até aqui. A Ordem Mundial que existia acabou. Uma nova organização sairá dos enormes estragos de tudo o que está a acontecer.
A verdade é que, tal como se esqueceu a questão dos refugiados quando em maio de 2016 a Turquia e a UE assinaram o tal acordo, agora, apesar do drama que representa, ele continua a merecer pouca atenção. Só mereceria se tivesse impacto à escala global. Isso é que impressiona. Vamos aprender a colocar-nos no lugar dos outros, ou não? Vamos aprender a mudar prioridades? A ciência é essencial para o desenvolvimento sustentável, mas é -o tanto mais quanto for posta ao serviço do ser humano mais do que a incrementar o poder dos Estados.
Nessa Nova Ordem, os defensores do isolacionismo poderão ser tentados a insistir no egoísmo. A generalidade da população mundial terá de lhes demonstrar que um conceito passou a ser intelectualmente impossível e o outro moralmente inaceitável.
Advogado