Opinião
A dimensão humana
Nos princípios e valores, também não há nada, infelizmente, que seja universal. Nem o bem mais supremo, a vida, merece igual respeito. Há civilizações e religiões onde se aceita que esse bem deve ser sacrificado em nome de causas ou valores que consideram mais importantes.
Em tudo na vida, deve haver regras. É isso que aprendemos e é isso que devemos praticar. Como é óbvio, as regras não são iguais para todos. Há regras que resultam de usos e costumes, outras que derivam de princípios e valores. As pessoas cumprimentarem-se e dizerem “bom dia” é um uso social, um costume, tornou-se uma regra. Se uma pessoa cumprimenta outra e a outra não responde, esta é tida por mal-educada. Cumprimentar com um aperto de mão ou com um ou dois beijos é também um costume agora posto em causa pela pandemia. Há países em que se davam três beijos e costuma ser dito que, por exemplo, em Portugal, o número de beijos quando se cumprimenta varia com “as manias” de cada estrato social.
Nos princípios e valores, também não há nada, infelizmente, que seja universal. Nem o bem mais supremo, a vida, merece igual respeito. Há civilizações e religiões onde se aceita que esse bem deve ser sacrificado em nome de causas ou valores que consideram mais importantes.
Pode-se dizer que essa variedade, ou falta de unanimidade, sempre existiu. Claro que sim e há épocas da História em que até parece terem predominado os usos e as práticas da barbárie.
Os princípios, os valores, os costumes e os usos que respeitamos e assumimos devem, naturalmente, refletir-se nas várias dimensões das nossas vidas. As pessoas falham, erram, pecam, mas isso não pode fazer perder a noção do que é, para cada um de nós, o bem e o mal, o certo e o errado.
Sempre sublinhei que a política, fazendo parte da vida, tem de exigir o respeito pelos princípios, valores e regras de conduta em que acreditamos. A honra, a honestidade, a decência, a coerência, a dignidade, a lealdade, a educação, o respeito, entre outros, são imperativos que não podem ter significados diferentes na política do que têm nas outras dimensões da vida.
Uma traição é o que é; um oportunista é o que é; a falta de palavra é o que é; uma calúnia é o que é; ser desonesto é o que é.
Vivemos tempos muito complicados nesta matéria. Todos temos a noção de que, por diferentes razões, o mundo está em mudança vertiginosa. As alterações climáticas, a pandemia, as inovações tecnológicas, as desigualdades sociais e os movimentos migratórios colocam o mundo em acentuada transformação, quando não em convulsão. Fala-se muito em novas normalidades e, pela minha parte, já aqui escrevi sobre novas anormalidades.
Novas causas, novos temas, novos projetos, até novas hierarquias de valores ou mesmo novos valores vão surgir. A privacidade digital, como também já referi, é um tema e um valor que será cada vez mais relevante. Temos de estar muito atentos para saber se o conceito de liberdade, no seu conteúdo, no seu estatuto, no lugar que lhe é devido, não sofrerá, também, alterações.
Só que, enquanto os humanos o são e o forem, o mal e o bem têm de continuar a existir, o que é inaceitável ou impróprio tem de continuar a ser rejeitado ou contestado e o que tem virtude e mérito tem de continuar a ser enaltecido.
O título deste texto é “A dimensão humana”, mas poderia ser a “A importância dos valores” ou “A essencialidade do caráter”. Nas opções que tomemos na vida, incluindo a política, esses fatores de ponderação têm de ser os mais relevantes. Durante dois ou três anos, nos meus vinte e tal, tive uma coluna na primeira página do semanário Tempo, chamada “Por Um Projeto”. A ideia era a mesma. Na política, o que mais interessa não é o poder em si mas o que se pode fazer com ele. Francisco Sá Carneiro dizia: “O poder pelo poder, não interessa. O que importa é o poder por um projeto em que acreditamos.”
Quanto mais longe vão os nossos vinte, mais devemos saber que só pode ser assim. É disso que tenciono falar este fim de semana.