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24 de Outubro de 2014 às 10:17

Não vou à bola com a Gazprom

Quem monta o sistema e quem beneficia com ele? Que regras criam - ou não! - aqueles que exploram a marca "futebol" em prol da sua preservação?

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Gelsenkirchen é uma pequena cidade alemã, situada na região Reno Norte Westfalia, cuja capital é Düsseldorf. Tem pouco mais de 250.000 habitantes e uma história industrial ligada umbilicalmente à produção de energia, à semelhança de toda a região em que se encontra inserida, que é, em população, a maior da Alemanha.


Sendo uma cidade centenária, de matriz medieval, com raízes no séc. XII, Gelsenkirchen andou longe dos radares da geoestratégia até praticamente ao séc. XIX. Por volta de 1840, as explorações de carvão alimentadas pela procura resultante da Revolução Industrial fizeram aumentar a sua população de uns meros 6000 habitantes para uns incríveis 138.000 (isto em 1900). De tal forma que, à entrada do século XX, Gelsenkirchen já era a mais importante cidade mineira da Europa - algo a que o III Reich haveria de dar ainda maior fomento, servindo-se dela e da sua mão-de-obra para o esforço de propaganda, primeiro, e de guerra, depois. A zona foi inclusivamente "albergue" para o campo de concentração de Buchenwald.


A Gazprom foi criada em 1989, em pleno "wind of change" soviético. Embora privada, tem no Estado Russo o maior accionista; a empresa gera 8% de todo o PIB daquele país, sendo o maior extractor de gás natural do mundo. Extrai também (muito) petróleo, e é dona do maior sistema de "pipelines" do planeta, perfazendo mais de 158.000 km: algo como 35 vezes a distância entre Lisboa e Moscovo, ou pouco menos de 4 vezes o perímetro da terra. A Gazprom é accionista de diversas empresas, na aviação, na indústria e - claro - na finança.


É bom de ver que os senhores da estratégia de comunicação da Gazprom não brincam em serviço no que toca à escolha cirúrgica de quais os clubes de futebol patrocinar: a Gazprom, além do Chelsea (propriedade de um cidadão russo) e do Zenit (de São Petersburgo, à qual não falta, também, muita história meta-europeia), patrocina o clube local de Gelsenkirchen, o Schalke 04. Este deve o seu nome à zona da cidade onde se encontra o seu estádio (adicionada do "04", terminação do ano de fundação, 1904), onde, no passado dia 22, o Sporting disputou a terceira jornada da Champions League 2014/2015. Perdeu o encontro com um penalti no último minuto dos descontos, assinalado por um árbitro de baliza que decidiu começar ali uma carreira. Não tenho memória de lance idêntico nem na dimensão do erro técnico, nem no inusitado do processo.


Parece ser mais ou menos consensual, portanto, que a arbitragem se constituiu como uma das piores exibições de sempre, naquela que é a melhor prova do desporto-rei, o seu mais excelso exemplo a nível de clubes. Também parece que meio-mundo se indignou com a coisa em si - o que, sendo normal, não adianta nada. É que o desporto hoje é isto mesmo - tal como no ciclismo, na Fórmula 1 ou no Ténis - os escândalos sucedem-se à escala das pipas de massa que por lá circulam, sem dono nem quartel. O que nos leva directamente àquilo que nos interessa questionar, no futebol como na vida: quem monta o sistema e quem beneficia com ele? Que regras criam - ou não! - aqueles que exploram a marca "futebol" em prol da sua preservação?


"Resumindo: que diabo está esta gente a fazer? É que o estalo não é saber que a Gazprom patrocina o Schalke 04; a porrada maior é saber que a dita Gazprom é patrocinadora da própria Champions League, além de 2 clubes que a disputam. Não ver aqui um conflito de interesses obsceno, é pedir que se extrapole; acrescentar a isto que o árbitro da dita partida é cidadão russo é, talvez, demasiado incendiário para um mero jogo de futebol. Fico por aqui, que são demasiadas coincidências: da parte que me toca, eu não vou à bola com a Gazprom. O Sporting, esse, não tinha qualquer hipótese."

 

 

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