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Nicolau do Vale Pais 24 de Setembro de 2015 às 20:10

Escândalo Volkswagen: a lamentável burocracia como modo de vida

As acções da Volkswagen caíram a pique esta semana, arrastando consigo o CEO do grupo alemão (a Volkswagen AG), de seu nome Martin Winterkorn. Os danos para o paradigma exportacionista alemão – e portanto, para a Zona Euro – são ainda incomensuráveis à data em que escrevo este texto.

Ora vamos então aos factos, antes das considerações:


– As acções da Volkswagen caíram a pique esta semana, arrastando consigo o CEO do grupo alemão (a Volkswagen AG), de seu nome Martin Winterkorn. Os danos para o paradigma exportacionista alemão – e portanto, para a Zona Euro – são ainda incomensuráveis à data em que escrevo este texto. Em causa está a descoberta do uso de um "software" que permitia aos carros a diesel da marca passar nos testes de emissões. O escândalo afecta 11 milhões de carros em todo o mundo, dos quais cerca de meio milhão foram vendidos nos Estados Unidos, onde a bolha começou por rebentar no início desta semana. As multas podem chegar aos 18 milhões de dólares, sendo que a empresa já anunciou – em jeito de confissão – a criação de um fundo de emergência em "cash" de 6,5 mil milhões de euros. "O ‘software’ de controlo de poluentes era accionado no nível máximo apenas durante os testes, permitindo um nível de poluição 10 a 40 vezes acima dos limites durante a condução normal, de acordo com as autoridades norte-americanas que iniciaram a investigação", noticiava o Negócios no passado dia 22 deste mês.

E agora as considerações:

– Tudo isto se passa a um nível tal que faz rir quando ouvimos falar da cosmética política com que autarquias como a de Lisboa decidem – em nome do ambiente, claro… – proibir a entrada de veículos no centro da cidade com idade de matrícula "x" ou "y". Isto para não falar do famoso Dia Mundial sem Carros, uma iniciativa folclórica com que os poderes europeus nos brindam, para fazerem de conta que ainda não perceberam o impacto destruidor do transporte particular nos custos de uma autarquia ou – o que vai dar ao mesmo – na erosão da nossa carteira (em crédito, desvalorização do bem, combustível, seguro, selo, portagens e manutenção, pelo menos).

– Se queremos ver este caso em si além do moralismo, e tentar regenerar um pouco a nossa concepção de sociedade, então há que olhar um pouco mais para trás. Já em 2013, o Der Spiegel dava a notícia do financiamento de outra marca alemã – naquele caso, a BMW – à campanha da sra. Merkel (escrevi na altura um texto de título jocoso "Água mole em pedra dura, enche a galinha o papo", sobre o assunto). O que estava em questão era a pressão (bem-sucedida) do lóbi bávaro sobre as leis aprovadas (ou não…) no Parlamento Europeu, no tocante à política de emissões. Ganhou o lóbi: os limites foram alterados para valores mais altos e "tolerantes". O Der Spiegel anunciou as contas via Cambridge Econometrics e, só em poupança perdida em importações de petróleo, ficámos a arder em 70 mil milhões de euros. Pior: algumas "nuances" burocráticas passaram a encaminhar o pensamento vigente na direcção de se contabilizar o valor médio de emissões de uma marca ou gama, ao invés de se avaliar individualmente o de cada veículo. Por isso – digo eu –, a BMW se apressou a lançar dois carros "full electric" (o i3 e o i8) que, por serem de emissões "zero", baixam a sua classificação média brutalmente. A Aston Martin fez algo semelhante, ao desenvolver o "Cygnet", uma espécie de Smart de luxo, também ele eléctrico e de emissões zero, e que muito me surpreenderia se vendesse mais do que meia dúzia de exemplares.

Conclusões:

– O travesti político é de tal ordem que as marcas podem suportar o óbvio prejuízo que o desenvolvimento e fabrico destes modelos não podem deixar de dar, porque sabem que recolhem lucros em termos das suas classificações ambientais e, claro, em termos de publicidade enquanto marcas amigas do ambiente.

– Esta fraude é económica, mas também é regulatória e legislativa e, por isso mesmo, um excelente exemplo para começarmos a falar de "burocracia" e da forma capciosa e enviesada como ela tem ajudado a limpar a nossa má consciência de "europeus civilizados". O resto é negócio, incluindo reciclar em vez de reduzir, aquecer em vez de calafetar e, claro, a despromoção social do transporte público e todas as demais coisas que de facto interessam para alterarmos o nosso modozinho de vida, enquanto é tempo.

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