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24 de Julho de 2015 às 10:20

Elogio a Obama: a Esquerda que ponha ali os olhinhos

Recebido com cepticismo pelos impotentes do costume, Obama ameaça transformar-se no mais pertinente presidente americano do pós-II Guerra.

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A bandeira de Cuba já está içada em frente ao Departamento de Estado norte-americano: adaptando o velho adágio, diria que, em democracia, "o difícil é para já, o impossível leva um pouco mais de tempo". O mundo tomou consciência do problema do nuclear e das suas implicações globais precisamente a partir dali, de Cuba, aquando da crise da Baía dos Porcos. A tentativa falhada de invasão por parte dos Estados Unidos, com vista ao derrube do regime de Fidel Castro, em 1961, gelou a guerra, já de si fria. Todos ficámos um pouco mais ateus: o fim do mundo poderia agora chegar pelas mãos dos homens, todo-poderosos, chefes de Estado com os seus mísseis apontados a alvos a milhares de quilómetros de distância das sedes governamentais. Era só "carregar no botão". Não deixa de ser extraordinário, pois, que à abertura das relações internacionais com Cuba, Obama possa ter juntado o recém-assinado acordo nuclear com o Irão, porventura uma das mais importantes manobras políticas deste século.

Recebido com cepticismo pelos impotentes do costume, Obama ameaça transformar-se no mais pertinente presidente americano do pós-II Guerra: desemprego de volta ao pré-Lehman Brothers, fim do monopólio privado dos seguros na saúde, a renovação da imagem externa dos EUA, entre muitas medidas de difícil aprovação política. Mas, mais do que a contabilidade festivaleira, a verdadeira mais-valia está, como sempre em democracia, no domínio do intangível: no caso de Obama, a grande vitória é sobre o cepticismo, a grande conquista pertence à forma como o próprio conceito de democracia foi revalorizado, colocando a capacidade de superação no centro de toda a acção. Já aqui o referi, como exemplo do que considero ser o principal trunfo da sociedade americana: foram meros 54 anos desde o início do "African-American Civil Rights Movement" do Dr. King até que um negro chegasse à Presidência - a capacidade de regeneração não tem preço. Ter uma Justiça que funciona ajuda, e de que maneira.

Ao longo das últimas semanas, temos vindo a assistir a uma desvalorização gratuita e vulgar do projecto europeu gratuita. A falsa credibilidade destas críticas tem por base um exercício só tolerável com grande dose de hipocrisia: o de convenientemente ignorar o que teria sido a Europa sem o euro, e sem as implicações de coesão que o mesmo trouxe a todos os agentes políticos do continente. No interstícios desta argumentação, sobretudo entre os anti-federalistas, surge muitas vezes o argumento de que a Europa não é a América; pode muito bem ser verdade, mas o facto é que lá, como cá, o que ditou a vontade política de unir, federalizando, foi uma mesma coisa e uma só coisa: o dinheiro.

Gore Vidal escreveu, em 2003, um pequeno livro, editado pelo The New York Times, onde conta a história do dólar de forma descomprometida: o livro chama-se "Inventing a Nation"… Um dos "slogans" que ecoa mais vezes é o de que "o euro é um projecto que visa proteger ou privilegiar os países do Norte da Europa". Pois é, nem podia ser de outra maneira, porque a Alemanha não é Portugal, da mesma forma que Nova Iorque não é Nova Orleães. Essa é uma verdade de La Palisse que tem pouco interesse político; interessante seria saber o que pretendem os democratas europeus fazer para, precisamente, superar essa realidade - e de que maneira a economia europeia se poderia fortalecer a partir dessa nova atitude. Quando vemos o Partido Socialista a brincar aos candidatos à Presidência da República, percebemos que as esperanças lusas são poucas neste particular. A Europa tem e terá sempre duas velocidades, tal como a federalização dos EUA também foi, em grande medida, uma forma de fazer prevalecer a cultura cívica e económica do Norte sobre a do Sul; foi-o, em particular, no tocante ao modelo económico com ou sem escravos, e ao seu significado político. Foi sobre essas brasas que se travou a Guerra Civil americana.

Paul Krugman, Nobel da Economia e crítico da política do Eurogrupo, disse, recentemente, que "talvez tenha sobrestimado a competência do governo grego". Krugman afirmava, em entrevista à CNN, que "nunca calculou que o Syriza pudesse tomar uma posição radical sem ter um plano de emergência". Ora, sendo certo e sabido que Krugman não só não é ingénuo, como é um craque em economia, só duas coisas justificam este "swing" do Nobel. A primeira, já a conhecemos dos últimos 30 ou 40 anos, incluindo os quatro de austeridade no Sul da Europa: nem todos os bons economistas são bons políticos. A segunda é, ainda, mais evidente: Krugman é americano, não é europeu e, portanto, não lhe passou pela cabeça que o voluntarismo tertuliano ainda imperasse nos comités políticos da obsoleta Esquerda.

Nestas últimas semanas, uma perigosa tendência de aproximação entre "Extremas" tomou de assalto o discurso europeu, com o beneplácito dos moderados que, como António Costa, perceberam, tarde e mal, que o Syriza era fogo. Marine Le Pen, para citar o mais boçal exemplo, adoptou a "causa grega" como forma de legitimar o seu primarismo anti-europeísta e xenófobo. Impotente, coxa, a social-democracia europeia tenta agora voar não com um, mas com dois elefantes às costas: à inexpugnável vileza do capital desenfreado em roda viva soma-se agora a completa inoperância política dos contestatários modernos. Ponham os olhinhos em Obama e no seu pragmatismo. Numa frase que ficou célebre ainda durante as Primárias, disse, reconhecendo a realidade, mas sem a ela se render: "Sim, não hostilizarei Farmacêuticas nem Banca, nem nenhum grande grupo económico - almoço com eles, mas sou eu que pago."




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