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05 de Dezembro de 2014 às 10:13

"Blackfish": contra o ruído, a majestade das orcas

Um dos factores que convém trazer à praça pública, de quando em quando, é a questão do conflito sistematizado como forma adulterada de debate.

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Um dos factores que convém trazer à praça pública, de quando em quando, é a questão do conflito sistematizado como forma adulterada de debate. Como exemplo da inconsequência da espectacularização da informação, vejam-se os efeitos nulos - ou quase - do conflito à volta da despenalização do aborto no que toca à evolução cultural no planeamento familiar (que deveria ser o centro da questão); ou a forma como gordas esmolas ou cegos cortes pouco ou nada nos trouxeram de politicamente útil no debate sobre o Estado Social, seus custos partilhados, ou suas despesas mutualizadas. Qualquer um destes assuntos leva facilmente à criação de paixões exacerbadas, sustentadas em generalizações vagas e erráticas, clamores por justiça e votos, posicionamentos sectários de parte a parte, ou mesmo, tomando a árvore pela floresta, à desvalorização das razões e méritos que qualquer uma das partes pudesse ter. Há, no entanto, alguns exemplos em que os resultados são diferentes - é o caso do documentário "Blackfish" e da queda violenta das acções da Seaworld, a proprietária dos parques aquáticos pioneiros na industria do entretenimento com mamíferos aquáticos.


A primeira nota que há que acentuar é que se trata de um documentário produzido pela própria CNN - isto para desdizer aqueles que acham que estamos condenados à futilidade televisiva da novela. A segunda é que, entre a Loja iTunes (onde pode ser comprado por pouco menos de 9€ em HD) e os cinemas onde foi exibido - incluindo festivais de renome como o "Sundance Film Festival" - o filme foi visto por mais de 20 milhões de pessoas. A terceira, e mais importante, é que o debate à volta da posição que o filme defende - a de que os animais como as orcas são simplesmente demasiado sofisticados física, intelectual e emocionalmente, para estarem em cativeiro - tomou proporções gigantescas, mas saudáveis. O debate, hoje, ultrapassa as habituais tentativas de destruição de credibilidade de parte a parte, passando mesmo para uma dialéctica construtiva e bem-vinda: valorizar - ou não - os aspectos de sensibilização ambiental que a Seaworld diz fomentar. Bem ou mal, durante boa parte dos anos 80 e 90 do século passado, a iniciativa privada liderou o crescimento da "eco-awareness" - em sua defesa, o CEO da empresa sublinha veementemente o facto de os programas de resgate, tratamento e reintrodução de espécies várias (golfinhos e tartarugas marinhas, por exemplo) serem de dimensão indesmentível e de eficácia comprovada. A CNN tem um micro-site dedicado ao assunto, cuja análise recomendo. Em conteúdo, imparcialidade e em forma, também.


Em 2010, em Orlando, na Flórida, Tilikum - um macho capturado no mar, usado ainda hoje como reprodutor - matou a sua treinadora, Dawn Brancheau. A onda de choque percorreu o país, ressuscitando temores ancestrais, entre outras controvérsias, trazendo para a ribalta uma série de incidentes recentes, envolvendo aqueles mamíferos aquáticos. "Blackfish" - que é a palavra nativa dos índios americanos para descrever as orcas - faz a retrospectiva da história dos parques aquáticos a partir desse tenebroso dia, utilizando, como narradores presenciais, ex-treinadores. Esta é uma escolha de guião inteligente, séria e credibilizadora, que nos permite acompanhar adultos que foram jovens genuinamente apaixonados pelo que faziam, e profundamente crentes no valor ambiental dos espectáculos em que participavam. "Blackfish" é jornalismo de primeira linha, os media em todo o seu esplendor democrático, até pela questão fulcral que levanta: talvez o problema seja mais profundo do que um mero antagonismo de posições, "pró" ou "contra" parques aquáticos. "Talvez o problema seja que uma espécie cada vez mais longe da natureza se transforme, necessariamente, numa espécie cada vez mais frágil. Falo de nós, homens"


Até esta data, ainda não há qualquer registo de qualquer incidente entre homens e orcas em liberdade.

 

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