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07 de Novembro de 2014 às 10:24

A brutal Aldeia de Monsanto

As suas escarpas - brutais - são a mais eloquente metáfora do pior e do melhor do século XX lusitano.

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"Os anos sessenta quase feriram de morte as festas tradicionais. Conjugou-se a pobreza com a Guerra Colonial, o êxodo para as grandes cidades com o surto migratório, terras e aldeias abandonadas à sua sorte."
"In" Revista Adufe - Revista Cultural de Idanha-a-Nova (No. 22, 2014)

 


Quando digo "brutal aldeia", não o faço com a ligeireza de redacção pseudomoderna de rede social, em que tudo é "brutal". Porque, quando tudo é brutal, nada é brutal.


Se a Internet e a disseminação aleatória e equívoca de informação adiantassem alguma coisa em termos de desenvolvimento económico-social, os seus vinte anos de existência não teriam sido, com certeza, os piores anos de crescimento económico e precariedade instituída. Mas sobre isto - ou sobre a sua "avó", a televisão - já Karl Popper escreveu mais e melhor que eu; como não me parece que os Magalhães da "esquerda moderna" sirvam para matar a galopante fome infantil e o seu odor a Estado Novo ressurrecto pela indiferença burocrata contemporânea, e antes que Passos Coelho mande fechar o que ainda resta da nossa decência e integridade, meta-se no carro e descubra Monsanto, no concelho de Idanha-a-Nova. As suas escarpas - brutais - são a mais eloquente metáfora do pior e do melhor do século XX lusitano.


O concelho de Idanha-a-Nova apresentará a sua candidatura à Rede de Cidades Criativas da UNESCO em Março de 2015, doze anos após a morte de Ti Chitas, a "tocadora de adufe que conquistou o mundo sem sair do seu lugar". Catarina Chitas, a pastora que Michel Giacometti descobriu em 1964, no seu projecto-arquivo "O Povo que canta", que a Fundação Calouste Gulbenkian financiou, resgatando a tempo o folclore dos equívocos hipócritas e de propaganda com que o Estado Novo promovia o tal Portugal uno, mas analfabeto e faminto.


Onze aldeias acompanham Monsanto no roteiro Aldeias Históricas do interior de Portugal: Idanha-a-Velha, Sortelha, Castelo Novo, Piódão, Belmonte, Linhares da Beira, Castelo Mendo, Almeida, Trancoso, Marialva e Castelo Rodrigo - há muita e pertinente informação em aldeiashistoricasdeportugal.com. São cerca de 600 quilómetros de Beiras que proponho que passe a conhecer começando em Monsanto.


A aldeia alcantilada numa escarpa que sobe até aos 800 metros teve foral concedido por D.Afonso Henriques, D. Sancho I, D.Sancho II e D. Manuel, com as suas edificações mais antigas no seu ponto mais alto, onde os Templários buscavam refúgio. Imperdível é a subida ao Castelo, a visita à Igreja Matriz, ou a escalada ao campanário e capela de São Miguel. Se possível, em Maio.


É em Maio (pouco antes, portanto, das celebrações Joaninas de Idanha-a-Nova) que se celebra a Festa de Santa Cruz. O seu ritual de matriz pagã faz de Monsanto um resumo de todas as virtudes de superação e triunfo sobre o mal-acrescentado da insularidade. A resistência a Romanos, Árabes, Castelhanos e ditadores é simbolizada pela subida íngreme e determinada que, ao som tribal de adufes, triunfa com o atirar de flores para fora das muralhas a toda altura da escarpa. Para que aqueles que a cercam saibam da fartura - ou da consciência da necessidade da sua ilusão - dos que se encontram cercados.


Que acerte na cabeça de uma qualquer Merkel, directamente enviada do fundo do nosso inocente coração. A História tem esta tendência: repete-se.

 

 

À memória do meu sogro, Henrique Cabral de Noronha e Menezes

 

 

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