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Miguel Pina e Cunha - Professor 14 de Dezembro de 2016 às 19:45

Duas leituras (opostas) de Natal

O Natal é um tempo diferente. É tempo de parar, celebrar, refletir. E porventura de mudar. É o tempo de passagem, do Verão passado para o Verão futuro. Um período de escassez e de escuridão, que se combate com uns dias de celebração.

Também pode ser época de recolhimento e de reflexão - não por acaso, uns dias depois, é tempo para todas as resoluções de ano novo - muitas das quais não chegam a sair da gaveta. É tempo, ainda, para pôr as leituras em dia. Aqui ficam duas sugestões antagónicas.

 

A primeira é de um clássico da temporada, "Um Cântico de Natal", de Charles Dickens, de que acaba de surgir uma nova edição na muito confiável editora Relógio d'Água. A história de Ebenezer Scrooge é bem conhecida. Acaba de ser revisitada por um professor da Universidade de Essex, Philip Hancock, na prestigiada Academy of Management Review. Hancock analisa o texto de Dickens na perspetiva do cientista social. Vê em Dickens um defensor dos mercados: Scrooge contribui para um mundo melhor a partir do momento em que coloca a sua fortuna "em andamento": o efeito "trickle down" permite que o seu capital possa servir os outros. Simplificando muito, o autor explora o efeito natalício na sociedade contemporânea tomando o Natal como estação festiva sem conotações religiosas nem mesmo espirituais. Esquece uma mensagem importante de Dickens: Scrooge muda a partir "de dentro", quando visitado pelos espíritos do Natal. O ponto não é despiciendo: a mudança real não pode ser imposta; tem de ser assumida como uma vontade interior.

 

A segunda sugestão é totalmente diferente - oposta mesmo. Trata-se da nova biografia de Hitler por Volker Ullrich. Depois de Kershaw, precisamos de uma nova biografia de Hitler? A resposta é afirmativa. Há novos arquivos e é sempre importante revisitar os monstros à luz das mudanças na sociedade. Mesmo para um otimista, 2017 comporta sombras. O espectro do extremismo esvoaça. No livro, Ullrich refere a trégua de Natal: no Natal de 1914, soldados alemães e ingleses começaram a sair das trincheiras e a desenhar um cessar-fogo espontâneo. Trocaram presentes, fizeram votos de saúde aos seus inimigos de ontem e de amanhã, fumaram e jogaram futebol. O praça Adolfo terá achado o episódio inadmissível. O futuro Fuhrer mostrou que o Natal não é apenas quando um homem quer, mas quando os outros homens deixam. De outra forma: os líderes que escolhemos moldam o Natal a que temos direito.   

 

O período entre Natal e Ano Novo é bom para parar e pensar. Mas o que conta é o que se faz com esses pensamentos entre o Ano Novo e o Natal seguinte. Bom Natal aos leitores do Negócios.  

 

Para continuar a explorar este assunto:

 

Dickens, C. (2016). "Um cântico de Natal". Lisboa: Relógio d'Água.

 

Hancock, P. (2016). "A Christmas Carol: A reflection on organization, society, and the socioeconomics of the festive season". Academy of Management Review, 41, 755-765.    

 

Ullrich, V. (2016). "Hitler: A biography, Volume I". Ascent, 1889-1939. London: The Bodley Head. 

 

Professor na Nova School of Business and Economics

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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