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Opinião
30 de Outubro de 2022 às 21:28

Se a IL quiser "copiar" o Chega arrisca que lhe aconteça o que se passou com o CDS

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os casos de justiça envolvendo políticos, a mudança de liderança na Iniciativa Liberal e o debate do OE 2023, entre outros temas.

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POLÍTICOS NA JUSTIÇA

 

1.     Numa semana tivemos notícias de vários casos de políticos a contas com a justiça: primeiro, investigações do MP em relação a Medina e outros ex-autarcas de Lisboa; depois, investigações do MP sobre políticos do PS e PSD; terceiro, um inquérito em relação ao Secretário de Estado Miguel Alves; quarto, o Presidente da Câmara Municipal de Montalegre detido pela PJ e obrigado a renunciar ao cargo; finalmente, Isaltino Morais acusado do crime de prevaricação.

 

2.     Apesar de diferentes, todos têm algo em comum: minam a imagem dos políticos. A imagem já não é boa. Assim, fica pior. Com a agravante da generalização. Para a opinião pública fica a sensação de que os políticos não são pessoas sérias e confiáveis. Isto é muito negativo para a democracia e não é verdade. Há políticos sérios e políticos que o não são. Como em todas as actividades. Há que separar o trigo do joio: ter mão pesada para quem prevarica; mas não meter tudo no mesmo saco.

 

3.     Posto isto, há que particularizar:

·     Primeiro: há um secretário de Estado suspeito de favorecimento e de má gestão de dinheiros públicos. Ele tem de dar uma explicação. Se continuasse autarca, devia uma explicação aos seus munícipes. Sendo governante, deve uma explicação ao país. Um secretário de Estado sob suspeita e sem se explicar não é um exemplo recomendável. Nem para o próprio, que se está a auto-incriminar. Nem para o primeiro-ministro que devia obrigá-lo a dar explicações.

 

·     Segundo: não é admissível o tempo que o Ministério Público leva a investigar. Em democracia ninguém está acima da lei. Nem sequer os políticos. Mas não é aceitável que uma investigação permaneça quatro, cinco, seis ou mais anos em aberto. De duas, uma: ou há provas e acusa-se em tempo útil; ou não há provas e arquiva-se. Queimar em lume brando não é solução digna e democrática.

INFLAÇÃO E CUSTO DE VIDA

 

1.     A inflação continua a subir: já está em 10,2%. O BCE e os governos não estão a conseguir combatê-la. No caso português, com um dado adicional: chovem as críticas aos apoios dados. Há estrangeiros e pessoas que não precisam a receber o apoio de 125€; há reformados bancários que não recebem nem meia pensão nem o apoio de 125€; há pessoas que não têm rendimentos e mesmo assim não recebem os 125€. Nada disto é normal. O Estado devia ter um "guichê" online para esclarecer com rapidez todas estas questões.

 

2.     A inflação tem especial impacto na energia. Vejamos a situação:

a)     Energia para consumo doméstico: analisando um exemplo típico (consumo anual de 1700 kWh, com uma potência contratada de 3,45 kVa) constatam-se aumentos muito elevados:

·     EDP Comercial (o maior fornecedor) – De janeiro a outubro, a factura cresceu 31%;

·     GALP (já com o efeito Mibel) – De janeiro a outubro, a factura subiu 58%. O efeito Mibel agravou a factura em 33%.

·     Iberdrola (já com efeito Mibel) – De janeiro a outubro, a factura subiu 54%. O efeito Mibel agravou a factura em 36%.

·     Afinal, onde está a passagem para o mercado regulado? O mecanismo ibérico de electricidade agrava assim tanto a factura? Afinal, Nuno Ribeiro da Silva tinha razão? É o que parece.

b)     Factura energética das empresas: os aumentos ainda são maiores. Vejamos o exemplo concreto de uma PME (omite-se o nome por razões óbvias):

·      Segundo a factura de 2021, esta empresa gastava 49,189,02€/mês em energia. Um ano depois, em setembro de 2022, a factura mensal passou para 235.133,30€. Um aumento de 378%. Com um brutal efeito Mibel.

·      Pergunta-se: afinal onde é que está o efeito de tantas medidas que o governo anunciou? Milhões e milhões anunciados! Assim, as PMEs vão ter dificuldade em vencer a crise.

BCE E CRÉDITO À HABITAÇÃO

 

1.     Foi o caso da semana. Não tanto pela decisão do BCE de subir a taxa de juro. Já se esperava. Está nos 2% e provavelmente vai chegar aos 4%. A surpresa foi a de alguns líderes nacionais criticarem o BCE. Foi o caso de António Costa. E lá fora também a Senhora Meloni, nova primeira-ministra de Itália.  Estranha convergência! Faz-me impressão é a "surpresa" dos dirigentes nacionais.

·     Primeiro, porque o BCE está a cumprir a sua missão: reduzir a inflação para 2% e defender a estabilidade do Euro. E quem confiou esta missão ao BCE? Foram os líderes nacionais.

·     Depois, porque o BCE está a fazer o que já antes começaram a fazer a Reserva Federal dos EUA e outros Bancos Centrais, como o do Reino Unido. É a terapia habitual. Qual a surpresa?

·     A razão é outra e não é muito séria: quando as coisas correm bem, os dirigentes nacionais dizem que o mérito é todo seu; quando há dificuldades, acusam a Europa, Bruxelas e Frankfurt.

 

2.     Quanto ao impacto no crédito à habitação há que salientar três aspectos:

·     Governo, bancos e Banco de Portugal desdramatizam a situação. Dizem que não será tão grave quanto no passado: o valor médio dos contratos é baixo (63 mil euros) e a prestação média não chega aos 300€ mensais. Apenas 10% dos empréstimos têm prestação acima de 460 euros.

·     Tenho as maiores dúvidas que as pessoas, confrontadas com aumentos de 50% ou 60% das suas prestações aos bancos, fiquem sensibilizadas com esta explicação. É que estes aumentos vêm a seguir aos aumentos da alimentação, da energia e da perda real dos salários. Tudo isto em conjunto é assustador para as famílias. O governo não percebe?

·     Acresce que 82% dos contratos são à taxa variável. E nunca se viu a Banca ou o BdP a incentivar as pessoas à solução da taxa fixa, bem mais prudente. A responsabilidade moral da banca e do BdP é grande.

DEBATE DO ORÇAMENTO

 

1.     Primeiro, o Orçamento. É um documento com três características essenciais: no plano financeiro, (redução do défice e da dívida) é um Orçamento prudente e positivo; no plano económico, é um Orçamento sem ambição; no plano social, é bem-intencionado, mas vai tornar-se insuficiente e precisar de ser reforçado no futuro, se a situação se agravar, o que é muito provável.

 

2.     Agora, o debate. Neste particular, destacaria dois aspectos:

a)     Cada um exibiu os seus trunfos políticos. Do lado do Governo, o acordo de concertação social; o acordo com a função pública; as contas certas. São, todos eles, trunfos importantes e positivos; o PSD, que é líder da oposição, também esteve bem: não questionou a estratégia financeira, o que seria uma incoerência; concentrou as suas críticas no plano da economia e do agravamento da pobreza, o que é mais correcto.

b)     Falta, todavia, o essencial: falar verdade ao país. O Governo e as várias oposições estão com dificuldade em falar verdade aos Portugueses. O Governo fala de aumentos de rendimentos em 2023, quando sabe bem que a generalidade dos portugueses vai perder poder de compra no próximo ano. As oposições, por seu lado, exigem um Orçamento mais expansionista, quando sabem bem que a guerra, a inflação e o excesso da dívida não permitem grande espaço de manobra.

De uns e de outros – Governo e oposições – talvez fosse recomendável um pouco mais de rigor e um pouco menos de demagogia.

 

NOVO LÍDER DA IL

 

1.     Tudo o que se está a passar com a IL é muito estranho e muito arriscado.

·     Primeiro: é tudo muito estranho. João Cotrim Figueiredo tem sido um bom líder. O líder partidário mais marcante na última campanha eleitoral. Marcou muitos pontos nos debates. E conseguiu um grande resultado para a IL. Sair agora, quando ainda nem sequer passou um ano sobre as eleições legislativas, é politicamente incompreensível. A não ser que as verdadeiras razões sejam pessoais e não políticas.

·     Segundo: é tudo muito arriscado. Não se constrói um líder com facilidade. Não estão em causa as qualidades políticas de Rui Rocha ou de Carla Castro. Seguramente que são pessoas capazes. Mas, para a afirmação de um líder, é muito importante a legitimidade das eleições. O que Cotrim Figueiredo tinha. E os seus potenciais sucessores não têm.

·     Terceiro: se, para ser popular, a IL quiser "copiar" o CHEGA, corre o sério risco de lhe vir a suceder no futuro o que sucedeu no passado recente ao CDS. Oxalá não suceda. Mas o risco é muito grande.

 

2.     Vi muita gente "surpreendida" com os ataques do primeiro-ministro à IL. Não vejo onde esteja a surpresa. O primeiro-ministro não dá ponto sem nó. Quando tem de fazer um OE "à direita" precisa de na retórica dar um toque de esquerda!

 

 

ELEIÇÕES NO BRASIL

 

1.     Primeiro apontamento: o último debate televisivo foi de uma pobreza franciscana. Na linha dos anteriores. De um lado e do outro, nenhuma ideia sobre o futuro do Brasil. Insultos, muitos: "mentiroso", "bandido", "corrupto". Foram as acusações de parte a parte. Eles não debatem, insultam-se! Afinal, os debates na Europa e concretamente em Portugal podem ser politicamente pobres. Mas, comparados com estes, são de grande nível.

 

2.     Segundo apontamento: segundo as últimas sondagens, Lula vencerá a eleição. Mas, tendo em conta as falhas rotundas das sondagens na primeira volta, tudo pode acontecer. Uma coisa é certa: para muitos brasileiros, mesmo não sendo de esquerda, Lula é o mal menor. Mal, mas menor! Tem sobre si o fantasma da corrupção. Mas Bolsonaro tem mais fantasmas: a corrupção, a pandemia, a economia e a impreparação pessoal e política.

 

3.     Terceiro apontamento: perdendo a eleição, Bolsonaro vai seguir certamente o exemplo de Trump e não vai reconhecer os resultados. Mas não terá grande sucesso: primeiro, no Brasil, ao contrário dos EUA, quem "valida" a eleição é o STF e não o Congresso; depois, pode haver manifestações de rua, mas os militares não se vão envolver nesta polémica; finalmente, não terá grande autoridade junto da opinião pública: a verdade é que, na primeira volta, com o mesmo sistema eleitoral, Bolsonaro alcançou grande vantagem na eleição dos Senadores e Governadores. Ou seja: não é credível acusar o sistema eleitoral quando se perde e defendê-lo quando se ganha.

 

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