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18 de Dezembro de 2022 às 20:56

Plano de Costa de sair para cargo europeu está praticamente "furado"

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o novo apoio do Governo às famílias, a a entrevista de António Costa, o escândalo no Parlamento Europeu entre outros temas.

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NOVO APOIO ÀS FAMÍLIAS

1. O novo apoio de 240 euros às famílias mais vulneráveis é uma medida indiscutivelmente positiva. Basta pensar no pesadelo do cabaz alimentar para as famílias mais pobres para ter a certeza de que esta é uma ajuda bem-vinda.

Segundo a DECO Proteste, o cabaz alimentar básico, com 63 produtos essenciais, aumentou em mais de 19% desde o início da guerra. Ou seja, continua praticamente no dobro da inflação global. E há vários produtos alimentares que tiveram mesmo aumentos exorbitantes.

2. Esta medida não é um favor do Governo. É um acto da mais elementar justiça. Isto só acontece porque o Estado está com os cofres cheios. Cofres cheios porque a inflação garante mais receita fiscal ao Estado. Logo, se o Estado tem um "lucro excessivo" é justo que o partilhe com as famílias. Vejamos:

Até outubro, a receita fiscal do Estado estava 4,5 mil milhões de euros acima do previsto pelo Governo; a receita do IVA estava quase 1,6 mil milhões acima do previsto; e em outubro o Estado não tinha défice. Tinha um excedente orçamental de 2,5 mil milhões de euros. São dados da execução do OE até outubro, os últimos conhecidos. Ou seja: todos perdem com a inflação, menos os cofres do Estado.

Perante estes números, a questão que devia colocar-se era outra: se o Estado está com uma folga orçamental tão grande por que é que o Governo só dá um apoio de 240 milhões? Por que não aproveitou esta folga excessiva para dar um aumento extra aos funcionários públicos? Ou para uma redução temporária de impostos, designadamente o IVA da alimentação, que penaliza os mais pobres? Ou para uma nova ajuda extraordinária aos pensionistas mais pobres?

Afinal, como se vê, a crise é para todos, menos para os cofres do Estado.

A ENTREVISTA DE ANTÓNIO COSTA

1. Com esta entrevista à Visão, o PM teve um objetivo claro: reganhar a iniciativa política, depois de oito meses que correram manifestamente mal ao Governo. E manda a verdade que se diga que António Costa fez um esforço nesse sentido. O esforço são as novidades que entendeu dar: o anúncio do novo apoio extraordinário; uma maior redução do défice; um crescimento do PIB ligeiramente superior ao previsto. São, todas elas, novidades positivas.

2. Onde o PM não foi feliz foi no tom que usou. Apareceu na entrevista, como noutras declarações que fez esta semana, num tom irritado. Irritado com a IL, a quem criticou numa linguagem que não é própria de um PM. Irritado com jornalistas e comentadores, a propósito das polémicas do Ggverno, como se fossem eles a inventar a demissão de Marta Temido ou de Miguel Alves. Irritado, noutra declaração, com Carlos Moedas, a quem teve que pedir desculpa. Um PM irritado foi a imagem desta semana.

Isto não é normal, sobretudo num PM que acaba de ter uma maioria absoluta e que está ainda no início do mandato. Claro que tem 7 anos atrás de si e isso pesa. Mas não é suficiente para justificar tanta irritação.

Acho que há outra explicação. António Costa tinha há muito tempo um plano para a sua vida política futura: sair em 2024 para um cargo europeu. Ora, esse plano está praticamente "furado". A maioria absoluta, primeiro, e o PR a seguir, praticamente inviabilizaram essa saída. A não ser que o PM queira correr o risco de abrir uma crise política, o que não é provável. Ora, isto cria frustração, desconforto e irritação em António Costa. É um problema mal resolvido.

Irritação por não poder ir para Bruxelas ocupar um cargo de que gosta e onde podia fazer um bom lugar. Irritação por ter de fazer mais 4 anos de Governo. Já não tem a paciência, a autoridade e a energia que tinha. E sabe que vai ter mais problemas nos próximos quatro anos do que teve nos últimos sete.

CORRUPÇÃO NO PE

1. Um suborno é sempre uma vergonha. Mas aqui tem a agravante de vir de deputados que ganham excelentes salários; que estão cheios de privilégios e mordomias; que têm todo o apoio possível e imaginário; e sobretudo que é suposto serem um exemplo de integridade. Gente que se comporta assim é mesmo gente sem carácter. Não é, felizmente, a maioria. Mas é uma minoria que compromete a imagem do PE e da UE.

2. Agora, o lado positivo:

Primeiro, a justiça funcionou. Investigou, descobriu e prendeu. E assim se prova, de novo, que ninguém está acima da lei. Sejam juízes, procuradores, deputados, ministros ou primeiros-ministros.

Segundo, a Presidente do PE e a Presidente da CE foram determinadas. Não tiveram papas na língua. Na condenação e no compromisso de novas reformas a favor da transparência.

Terceiro, perante este caso ninguém se pôs com a lengalenga que existe em Portugal: à justiça o que é da justiça. Nada disso. Todos agiram como deve ser: condenando o comportamento e afastando a deputada, sem contemplações. Espero que esta clareza sirva de lição para Portugal.

3. Falando de Portugal, temos entre nós um mau exemplo, que só favorece a corrupção: em 2019 foi criada a Entidade da Transparência; esta entidade vai fiscalizar as declarações de rendimentos dos políticos; é um órgão que depende exclusivamente do TC; parece que a sede vai ser em Coimbra; mas há 3 anos que está no papel. Pergunta-se: como é possível? Isto não é normal. É quase escandaloso. Depois, queixem-se da corrupção! O TC devia dar uma explicação.

ACUSAÇÃO A MANUEL PINHO

1. Ainda que muito tardia, acabou de ser deduzida acusação em processo-crime contra o ex-ministro Manuel Pinho. Deixemos a parte judicial para o MP e para os tribunais. Concentremo-nos na ética e na política.

2. Há um facto político que o ex-ministro Manuel Pinho tem o dever de explicar publicamente: por que é que enquanto esteve no Governo recebia cerca de 15 mil euros por mês do Grupo Espírito Santo? Qual era o motivo desse pagamento que lhe era feito mensalmente pelo grupo de Ricardo Salgado? Qual a razão desta anormalidade? Um ex-ministro tem a obrigação de explicar. Tendo sido ministro tem especiais responsabilidades perante o país.

3. Tudo isto é muito suspeito. E muito mais suspeito se torna pelo facto de Manuel Pinho não dar uma explicação. O ex-ministro pode até ter muitas razões de queixa do MP. Desde logo pela demora brutal das investigações. Mas, enquanto não der uma explicação convincente acerca dos recebimentos que auferiu de Ricardo Salgado enquanto era ministro, qualquer declaração que faça não tem um mínimo de credibilidade.

MANIFESTAÇÕES DE PROFESSORES

1. Houve ontem uma grande manifestação de professores. Compreende-se esta grande mobilização. Os professores estão cansados e fartos. Fartos de salários baixos. Fartos da instabilidade na carreira (casa às costas). Fartos, sobretudo, da degradação do seu estatuto. Antigamente os professores eram prestigiados, reconhecidos, tinham autoridade, dentro e fora da escola. Hoje, isto não acontece. E tem de voltar a suceder. Este é o grande desafio quer do Governo, quer da sociedade. Temos de voltar a prestigiar a classe dos professores. A carreira de professor tem de voltara a ser atrativa e socialmente reconhecida.

2. Esta é uma tarefa de toda a sociedade. Mas é também do Governo. E não ajuda nada à causa da educação um ministro que aparece a falar dos professores de forma crispada e irritada, a insultar os dirigentes sindicais. Um ministro deve ser fator de convergência, não de desunião.

BALANÇO DO ANO

1. Acontecimento Internacional do Ano: a guerra da Ucrânia. Uma calamidade. Começou por ser uma guerra de David contra Golias, claramente favorável à Rússia. Hoje há um grande equilíbrio, com ligeira vantagem para a Ucrânia.

2. Figura Internacional do Ano: Volodymyr Zelensky. Antes da guerra era um ilustre desconhecido. Com a guerra mostrou a sua coragem e o seu notável talento político e de comunicação.

3. Acontecimento Nacional do Ano: o fim da geringonça. Serviu no início para levar o PS ao poder; serviu no final para "arruinar" eleitoralmente PCP e BE. Mas não deixou qualquer marca forte na governação.

4. Figura Nacional do Ano: António Costa. Ganhou inesperadamente uma maioria absoluta. A segunda na história do PS. Se completar o mandato, vai bater o recorde de longevidade do PM Cavaco Silva. Falta saber que marca deixa no país.

5. Acontecimento económico do ano: o regresso da inflação, que beneficia o Estado, mas é um pesadelo para as famílias e para os trabalhadores.

6. Sociedade – Os factos do Ano: o fim da Máscara e a Pedofilia na Igreja.
• Durante dois anos vivemos na dependência da máscara. O fim da sua obrigatoriedade foi um alívio.
• Pedofilia na Igreja: foi um grande tema em 2022. A Igreja começou bem, ao criar uma Comissão Independente de Investigação. Depois, andou aos avanços e recuos. Manchou desnecessariamente a sua imagem.

7. Figura do Desporto do Ano: Cristiano Ronaldo. Este foi o "annus horribilis" de Ronaldo. O atleta mais discutido este ano. Nem sempre pelas boas razões. Esperamos que Ronaldo tenha fora do campo, para terminar a carreira, tanto talento quanto tem dentro de campo.
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