Opinião
O leilão de promessas quase pornográfico
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Luís Marques Mendes fala sobre o clima de campanha que já se assiste, das conclusões sobre o novo aeroporto de Lisboa e da polémica com as gémeas brasileiras que envolve o Presidente da República.
PISA – QUEDA BRUTAL
- Portugal teve esta semana a pior notícia em matéria de educação desde 2006: o desempenho dos alunos portugueses de 15 anos, avaliados no PISA/2022 é uma desilusão. Houve quedas brutais a Matemática, Leitura e Ciências. Como dizem os especialistas, é como se, em termos de aprendizagens, os alunos de 15 anos, em 2022 tivessem menos um ano letivo que os seus colegas de 2018.
- A pandemia é a grande causa deste insucesso. Todos os países caíram no ranking. Mas há também causas nacionais. A prova é que Portugal caiu mais do que a generalidade dos países da OCDE.
- Matemática: a queda média da OCDE é de 15 pontos face a 2018. Em Portugal, a queda é de 21 pontos.
- Leitura: a queda média da OCDE é de 10 pontos face a 2018. Em Portugal, a queda é de 15 pontos.
- Ciências: a queda média da OCDE é de 2 pontos face a 2018. Em Portugal, a queda é de 7 pontos.
- É preciso perceber bem a razão pela qual tudo isto sucede:
- A queda dos indicadores de Portugal não começou na pandemia. Já vem de trás. Vem do PISA/2018; do TIMSS2019 (Matemática e Ciência); e vem do PIRLS de 2021 (Leitura).
- A degradação da escola explica muita coisa. A falta de professores, as qualificações inadequadas de professores, a falta de apoio extra aos alunos.
- O facilitismo no ensino, traduzido em várias medidas, designadamente a abolição de alguns exames, agrava a situação.
- Aqui está um problema sério para o próximo governo enfrentar.
A CAMBALHOTA DO MINISTRO
- Perceber os sinais do PISA e começar a mudar as políticas erradas tem de ser a primeira grande prioridade do próximo governo. Mas desse futuro governo já não pode fazer parte o atual ministro. Mesmo que o PS ganhe as eleições. Ele perdeu esta semana toda a credibilidade para governar.
- Durante 2 anos andou a dizer que era impossível recuperar na íntegra o tempo de congelamento da carreira dos professores. Que era uma despesa permanente, impossível de suportar. Por isso, tivemos um ano inteiro de greves e degradação das escolas.
- Esta semana, acompanhando as posições de Pedro Nuno Santos, veio dar o dito pelo não dito: afinal já é a favor da recuperação integral do tempo de serviço dos professores. Uma cambalhota inacreditável.
- Isto é a política do vale tudo. Sem coerência e sem um pingo de vergonha.
- Sem coerência. A coerência deste ministro é agradar ao chefe. Antes, o chefe era o primeiro-ministro. Agora, o seu novo chefe é Pedro Nuno Santos. Como os seus chefes têm opiniões diferentes, ele adapta-se. É o vale tudo.
- Sem pingo de vergonha. Um ministro assim não tem convicções. Ou, se tem, troca-as por conveniências. A sua grande conveniência é agradar ao poder. É assim que se degrada a credibilidade dos políticos.
NOVO AEROPORTO
- O relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) parece-me previsível, com um grande mérito e algumas fragilidades.
- Um relatório previsível. Manter transitoriamente o Aeroporto da Portela não tem novidade. Apontar como solução previsível Alcochete também não. Era a tendência dos estudos anteriores e da maior parte dos membros da Comissão.
- Um relatório cheio de mérito. Este relatório acelerou a decisão sobre o novo aeroporto. A partir de agora, o próximo governo não tem desculpas para não decidir. E, se não tomar uma decisão em dois meses, será politicamente crucificado.
- Um relatório com algumas fragilidades. Primeiro, não há um cronograma para as acessibilidades ao novo aeroporto. Uma fragilidade. Segundo, falta saber quanto custa a nova ponte sobre o Tejo e quem a paga. Outra fragilidade. Terceiro, do investimento total de 8 mil milhões de euros, estimado para o novo aeroporto, donde vem o dinheiro? Do Estado, dos Fundos Europeus, das taxas aeroportuárias? E em que proporção? Nova fragilidade. Ouvindo a presidente da CTI a falar de um aeroporto que se paga a si próprio, parece-me ver, com tanto facilitismo, José Sócrates a falar dos 10 estádios de futebol para o Euro 2004. Era tudo financeiramente fácil e barato. No final, foi o que se viu.
- Finalmente, uma previsão: ou me engano muito ou o aeroporto da Portela não vai ser uma solução transitória. Vamos ter um aeroporto novo, complementar da Portela, sem dúvida. Mas a Portela vai manter-se durante décadas e décadas. A Portela é uma mais-valia para Lisboa e nenhum governo no futuro vai ter coragem de acabar com esse aeroporto. A solução dual não vai ser temporária. Vai ser definitiva.
AS GÉMEAS LUSO-BRASILEIRAS
- Comecemos pela questão do tratamento a estas duas crianças. Há duas perguntas essenciais. As regras clínicas foram observadas ou não? Houve ou não alguém que foi "mais papista que o Papa" e que violou as regras clínicas para agradar ao poder? A resposta a estas duas questões é essencial para se perceber se houve um tratamento de favor. É urgente esclarecer. No entretanto, há uma falha incompreensível: o silêncio do ex-diretor clínico do Santa Maria. Ele já devia ter dado uma explicação pública. É o único que sabe tudo e que conhece tudo. O seu silêncio é incompreensível.
- A seguir, a intervenção do PR: houve ou não uma cunha? Acho que houve cunha da parte do filho do PR. Acho que não houve cunha da parte do PR.
- O filho do PR teve um comportamento inaceitável. Tentou meter uma cunha ao pai. Sendo filho do PR, devia ter-se abstido de qualquer intervenção. Não podia nem devia comprometer a imagem do PR.
- O PR não meteu qualquer cunha. Essa pode não ser a perceção pública. Mas é a realidade. Claro que Marcelo podia ter arquivado o caso. Para evitar más interpretações. E, se voltasse atrás, eu acho que o teria feito. Mesmo assim, não arquivando, não meteu qualquer cunha: tratou o filho como qualquer cidadão, enviando a documentação para o PM, como faz em todos os casos. Milhares de casos. Nem mais, nem menos.
- Meter uma cunha é fazer um pedido. Ora Marcelo não fez qualquer pedido. Nem ao primeiro-ministro. Nem ao Ministério da Saúde. Nem ao Hospital. Quem o fez foi o filho. Ora, da mesma forma que nenhum filho pode ser responsabilizado pelos comportamentos incorretos de um pai, também um pai, mesmo PR, não pode ser responsabilizado pelos comportamentos imprudentes de um filho adulto e com vida própria.
- Terceiro, a dimensão política. Mesmo não havendo cunha do PR, a perceção pública da situação desgasta-o e fragiliza-o. É óbvio e evidente. Apesar de tudo isto ser muito injusto para Marcelo. As suas maiores qualidades pessoais são a generosidade e a integridade. Marcelo adora ajudar os outros, sobretudo os mais fracos. E é uma pessoa absolutamente impoluta: incapaz de fretes, favores, amiguismos e compadrios. A política, às vezes, é injusta.
- Finalmente, as crianças. Investigar tudo, faz sentido. Mas é preciso também um minino de atenção às crianças beneficiadas com este tratamento. É que já são algumas dezenas. E não apenas estas duas.
AS ELEIÇÕES: NO PAÍS E NO PS
- A campanha para as eleições de 10 de março está a transformar-se num leilão de promessas quase pornográfico. É ver quem dá mais e promete mais. É nos impostos; é nas prestações sociais; é no tempo de serviço dos professores. Isto é grave porque pode comprometer as contas do Estado.
- É preciso pôr cobro a este abuso, seja em relação ao PS ou ao PSD. Primeiro, o país deve exigir que, por cada promessa feita, os partidos expliquem quanto custa e como se paga. Segundo, os jornalistas devem ser implacáveis a exigir estas explicações. Terceiro, a UTAO devia, perante cada promessa, fazer as contas e divulgá-las publicamente.
- Da campanha interna no PS, que termina esta semana, há conclusões a tirar:
- A primeira é que esta campanha beneficiou o PS. Deu uma boa imagem do partido. Uma imagem de mobilização e participação.
- A segunda é que fica a perceção de que Pedro Nuno Santos começou com larga vantagem, continua com vantagem, mas viu diminuir a sua vantagem inicial.
- A terceira é que José Luís Carneiro surpreendeu. Pela coragem da candidatura. Pelas intervenções que fez. Pelo número de apoios que alcançou. E em matéria de apoios ainda podem surgir nesta semana final de campanha alguns apoios surpreendentes. Fora da caixa.
- Finalmente, os Açores. Como não há duas sem três, além das eleições legislativas de março e das Europeias em junho, também vamos ter eleições antecipadas nos Açores. Já no início de fevereiro.
O FUTURO DE COSTA
- António Costa foi exonerado esta semana pelo PR. No fim da próxima semana deixará de ser líder do PS. E em abril sairá em definitivo de S. Bento. O que vai fazer António Costa, a seguir? Quais são os seus objetivos?
- Eu julgo que ele tem dois grandes objetivos imediatos:
- Primeiro, António Costa quer ajudar o PS a ganhar as eleições de 10 de março. Seja quem for o líder eleito do PS, ele tem todo o interesse na vitória. E não é apenas por ser militante do PS e primeiro-ministro. É que, se o PS perder as eleições, os socialistas vão culpar António Costa pela derrota: foi ele que se demitiu; foi ele que abriu uma crise política; foi ele que não se rodeou bem; foi ele que ajudou a "entregar o ouro ao bandido".
- Depois, em julho, António Costa vai fazer tudo para rumar a Bruxelas e cumprir o grande sonho da sua vida dos últimos anos: ser Presidente do Conselho Europeu. A ambição tornou-se mais difícil por causa do processo judicial em curso. Mas não é impossível. Daí as preocupações dos seus próximos, no sentido de que o processo judicial seja acelerado. A grande razão chama-se Bruxelas.