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06 de Março de 2022 às 21:48

No médio e longo prazo, esta guerra vai ser uma tragédia para Putin

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o estado da guerra, o isolamento de Putin, as consequências económicas, entre outros temas.

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O ESTADO DA GUERRA

  1. No plano militar, ao fim de semana e meia de guerra, há uma enorme surpresa: os russos falharam até agora todas as previsões. Previram uma guerra rápida e não aconteceu; previram a rendição do Governo e a tomada do poder em poucos dias e não sucedeu. Não previram tamanha resistência dos Ucranianos e ela ultrapassou todas as expectativas.

Estas fragilidades Russas não se vêm apenas no teatro das operações. Vêem-se também na retórica. Só faz ameaças nucleares quem no campo das armas convencionais não está a ter o sucesso desejado. Só faz avisos á NATO quanto á não intervenção no espaço aéreo da Ucrânia quem no terreno está a sentir dificuldades. Manifestamente, as coisas não correm bem á Rússia.

  1. Posto isto, é bom que não haja grandes ilusões quanto ao futuro. Militarmente falando, é muito difícil a Ucrânia ganhar esta guerra. É David contra Golias. A desproporção de forças é brutal e a resistência tem limites. Acresce que se a Rússia sentir dificuldades para assegurar a vitória, Putin, em desespero de causa, fará na Ucrânia o que fez na Chechénia ou na Síria: intensifica a destruição, usando armas ainda mais violentas e destrutivas. Putin, do ponto de vista da manutenção do seu poder na Rússia, não pode perder esta guerra. É injusto e imoral. Mas é, infelizmente, o que é.
  2. Mas há um preço que Putin vai pagar na Ucrânia: ele pode ganhar militarmente a guerra, mas dentro da Ucrânia será sempre uma vitória com sabor a derrota. A partir desta invasão, o que há na Ucrânia são duas coisas: ódio à Rússia e reforço do nacionalismo. Desta forma, nem se verga um povo nem se acaba com uma nação. Este é o maior erro de Putin. O espírito de nação vai sair reforçado na Ucrânia.

 

ISOLAMENTO DE PUTIN

  1. Putin pode ganhar no plano militar. Politicamente, já perdeu esta guerra. Perdeu no imediato e vai perder no médio e longo prazo. No imediato cavou o seu isolamento internacional. No espaço de uma semana, o Presidente russo conseguiu pôr toda a gente contra si e destruiu vários tabus históricos. Vejamos:
    • ONU: em 181 Países só 4 votaram ao lado da Rússia
    • Suíça quebrou neutralidade histórica e congelou bens russos.
    • Finlândia, antes neutral, enviou armas para a Ucrânia.
    • Suécia e Finlândia admitem entrar na NATO.
    • A Alemanha "revolucionou" o seu orçamento militar.
    • A UE pela primeira vez forneceu armas a país terceiro.
    • A Turquia impediu embarcações russas no Bósforo (inédito desde 1945).
    • FIFA e UEFA excluíram a Rússia (Mundial e Champions).
  1. No médio e longo prazo, esta guerra vai ser uma tragédia para Putin:
    • No plano económico, Putin vai deixar a Rússia num estado lastimável. Já se fala num Plano Marshall para a economia russa.
    • No plano energético, Putin também vai falhar. A Europa vai diversificar os seus fornecedores de energia. A Rússia, apesar de ter clientes alternativos, vai perder o importante mercado europeu.
    • No plano da NATO, Putin vai perder em toda a linha. Não queria a expansão da NATO. E queria-a longe da Rússia. Vai ter a NATO mais perto e mais forte, com a provável entrada da Suécia e da Finlândia.
    • No plano da UE a sua estratégia é outro fracasso. Ele queria dividir a EU. A UE não só não se dividiu como pode ter ganho nesta crise o estatuto de nova potência internacional. Só nesta semana mais três países pediram a adesão à UE: Ucrânia, Geórgia e Moldávia.
    • No plano bilateral, vai perder a Alemanha como seu interlocutor relevante. O novo Chanceler Alemão rompeu com Putin. Em suma: Putin cavou o seu isolamento e faz da Rússia um pária internacional.

RISCO DE GUERRA MUNDIAL NUCLEAR? 

  1. Putin está há uma semana a "ameaçar" com uma guerra nuclear. Alguns observadores admitem que um Putin isolado e humilhado faça essa loucura. É verdade que o risco existe, mas esta "ameaça" soa a pressão e intimidação.
    • Vejamos o "estado da arte": há nove países no mundo com armas nucleares; num total de 13.080 ogivas nucleares; sendo que 90% estão nas mãos de Russos e Norte-Americanos; os Russos têm ligeiramente mais; as dos EUA são tecnologicamente mais avançadas.
  1. Posto isto, importa refletir:
    • Usar armas nucleares na Ucrânia seria um desastre total. Elas liquidariam os Ucranianos mas também os Russos que lá estão ou que estão próximo.
    • Usar armas nucleares contra o Ocidente seria o suicídio colectivo. Levaria à destruição do planeta. Os EUA reagiriam e não ficaria pedra sobre pedra.
    • Em boa verdade, estas armas não são para serem usadas. São armas de dissuasão. Existem para dissuadir os outros de as usarem. Uma guerra nuclear não se inicia, porque nunca pode ser ganha por ninguém.
  1. Em qualquer caso, o risco existe sempre. Porque nas guerras há escaladas, irracionalidades, erros de cálculo, incidentes. Daí os cuidados da NATO.
    • Não aceita a criação de uma zona de exclusão aérea para não ter de abater aviões russos que desobedeçam e legitimar tentações nucleares.
    • O próprio Biden, quando Putin ameaçou com o nuclear, "não mordeu o isco". Desconversou e não reagiu. Todo o cuidado é pouco.

AS CONSEQUÊNCIAS ECONÓMICAS

  1. Depois da Ucrânia, completamente devastada, o caso sério é a Rússia. As sanções do Ocidente começaram a produzir efeitos sérios:
    • Alguns oligarcas russos começaram a criticar a guerra.
    • Grandes empresas estrangeiras e várias multinacionais "romperam" comercialmente com a Rússia.
    • Numa semana, o rublo desvalorizou 30%, a taxa de juro mais do que duplicou e o risco de uma hiperinflação passou a ser real.
    • O JPMorgan fez já uma previsão brutal: a de o PIB russo cair 35% no segundo trimestre e de o país ter uma recessão de 7% neste ano.
  1. Na Europa, o caso sério de efeito boomerang será a Zona Euro:
    • A previsão do Instituto de Investigação Económica e Social do RU é que o PIB da Zona Euro recue 1 pp em 2022 e 1,5 pp em 2023.
    • Os problemas sérios são os preços da energia e dos cereais e a inflação.
    • No entretanto, a UE já está a estudar duas questões: adiar por mais um ano a aplicação das regras do Pacto de Estabilidade; e alargar os prazos de aplicação dos fundos estruturais.
  1. No caso de Portugal, há que distinguir entre o não problema e o problema real:
    • O não problema são as relações comerciais de Portugal com a Ucrânia e a Rússia. São pouco relevantes. As exportações para a Ucrânia foram, em 2021, de apenas 35,8 milhões de euros; e para a Rússia 178 milhões (no conjunto, 0,33% do total das nossas exportações).
    • O problema português está, sobretudo, na diminuição de exportações para outros países, em consequência do abrandamento económico; e na subida dos preços da energia, contaminando a vida económica.

 

SANÇÕES E NEGOCIAÇÕES DE PAZ

  1. Em matéria de sanções, há uma curiosidade a assinalar e uma critica a fazer.
  • A curiosidade tem a ver com a gás russo. Nem a UE impõe sanções à Rússia em matéria de energia, nem a Rússia retalia, fechando a "torneira" do gás à Europa. O que mostra bem como ambas estão dependentes: a UE da energia russa; os russos dos euros da Europa.
  • A critica respeita á decisão da UE de proibir alguns media Russos de operarem no espaço europeu. No melhor pano cai a nódoa. Esta censura é inadmissível. Mesmo em tempo de guerra, uma democracia tem de ser diferente da ditadura. Em matéria de liberdade de expressão a UE não pode ser igual á Rússia. É esta a superioridade moral das democracias.
  1. Negociações entre Ucrânia e Rússia – Só há duas boas notícias: o acordo para a criação de corredores humanitários; e o acordo para novas reuniões.
  • Tudo o resto é extremismo e radicalidade, sendo certo que nenhuma das partes vai conseguir realizar a totalidade dos seus objetivos.
  • Quanto mais tempo demorar um acordo, pior. Sobretudo para os civis. Uns sofrem por causa da guerra. Outros sofrem pela asfixia económica.
  1. Em qualquer caso, há uma necessidade imperiosa: um mediador credível. Há quatro candidatos possíveis: Israel, que tem uma boa relação com ambas as partes e está particularmente activo; a Índia, que está discreta, mas pode ter um papel importante; a Turquia, que gostaria de mediar um acordo, mas tem anticorpos consideráveis; e a China que é a China. 

 

OS EFEITOS POLÍTICO-PARTIDÁRIOS

  1. A primeira curiosidade tem a ver com vários partidos da extrema-direita europeia: antes da guerra, eram grandes aliados de Putin e recebiam da Rússia grande parte do seu financiamento. Agora, já começaram a afastar-se. Perceberam que estão a perder em dois tabuleiros: o do financiamento e o da popularidade. Nem vão receber mais um euro da Rússia e correm o risco de perderem votos. Veremos já nas Presidenciais francesas.
  2. A segunda questão tem a ver com o PCP e a sua inacreditável posição, uma vez mais reafirmada no Parlamento Europeu:
    • Claro que o PCP tem todo o direito a ter a posição que tem. Tal como nós temos todo o direito a criticá-lo. Não vale a pena fazer-se de vítima.
    • Para os que reclamam surpresa quanto à posição do PCP, basta recordar o obsoleto automatismo do seu raciocínio histórico: onde há EUA e NATO, o PCP está sempre do lado contrário. Mesmo que o contrário seja a irracionalidade e a irresponsabilidade.
    • Diz o PCP que esta é uma posição de coragem. Eu acho que é antes uma posição de cegueira e miopia política. Quando há uma agressão, há sempre um agressor e um agredido. O dever de um partido responsável é condenar o agressor e apoiar o agredido. Fazer o contrário não é ser corajoso. É ser míope.
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