Opinião
Marques Mendes: Regionalização sem referendo seria “golpe de Estado palaciano"
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. Marques Mendes fala sobre Greta Thunberg, a regionalização, o futuro da direita e as eleições no Reino Unido entre outros temas.
GRETA THUNBERG EM LISBOA
- Está na moda criticar Greta Thunberg. Essa tendência voltou esta semana. Já aqui disse que acho o seu discurso demasiado radical e algo fundamentalista. Mas compreendo-a – tem 16 anos e nesta idade todos tivemos uma "costela" mais irreverente e radical. Não vem mal ao mundo.
- Posto isto, a verdade é que ela conseguiu em pouco tempo o que muitos líderes mundiais – como, por exemplo, Al Gore – e muitas ONG (por exemplo, Greenpeace) não conseguiram: mobilizar as populações, em especial os jovens, para o drama das mudanças climáticas. Ninguém lhe fica indiferente. E isto não tem preço. É uma mais-valia brutal.
- O que já acho inaceitável é o comportamento de uma parte dos políticos face à jovem activista sueca:
- Há meses, na ONU, vimos Chefes de Estado e de Governo a aplaudirem-na quando estavam a ser criticados, num exercício de pura hipocrisia;
- Esta semana, vimos o Ministro do Ambiente português a prestar contas à jovem sueca como se ela fosse uma autoridade. Como se ela fosse uma Alta Comissária da ONU para o clima.
- Isto é ridículo. A prova de que alguns políticos não se dão ao respeito.
- Esperemos, agora, que a Cimeira de Madrid, que termina para a semana, tenha resultados e não apenas intenções.
O CONTRASTE RANGEL/BERARDO
Dois casos gravíssimos, dois comportamentos diferentes:
- Juiz Rui Rangel – Suspeito da prática de infracções muito graves que o comprometem a ele e à justiça. O Conselho Superior da Magistratura não teve meias tintas: demitiu-o de funções. É uma decisão exemplar: pela coragem.
- A coragem de não pactuar com comportamentos desviantes;
- A coragem de cortar o mal pela raiz;
- A coragem de defender a imagem e o prestígio da justiça.
- Comendador Joe Berardo – Na sequência de uma "denúncia", e bem, de José Miguel Júdice, foi-lhe instaurado um processo disciplinar com vista a retirar-lhe a condecoração. Agora, vem-se a saber, terá apenas uma admoestação.
- Não se consegue perceber esta frouxidão.
- O Grupo Berardo deve milhões à Banca e não paga!
- Berardo vai ao Parlamento e goza com o "pagode", dizendo que nada deve!
- A seguir, brinca com o Estado, os deputados e o erário público sem um pingo de vergonha, indignando a generalidade dos portugueses.
- Tem um comportamento ético absolutamente censurável.
- Mesmo assim, leva apenas uma repreensão, mantém a condecoração e fica tudo na mesma. Como se fosse um poço de virtudes.
- É assim que o Estado não se dá ao respeito. Depois não se admirem que os Andrés Venturas da vida vão crescendo nas sondagens. A verdade é que é destes comportamentos que os populismos se alimentam.
REGIÕES EM REFERENDO?
- Alguns autarcas, entre os quais Rui Moreira e Fernando Medina, admitiram esta semana a hipótese de haver regionalização sem referendo. Mudando a Constituição. Não quero pessoalizar a questão mas acho isto gravíssimo. Seria uma espécie de "golpe de estado palaciano".
Eu bem sei que a ambição de alguns políticos é a de governarem sem povo! Porque o povo às vezes é uma maçada e um incómodo. Não vota nem aprova o que os políticos desejam. É por isso que muitos políticos gostam de ir para Bruxelas. Lá, no PE ou na CE, governa-se sem povo. É mais fácil!
- Mas atenção! Ironia à parte, isto seria gravíssimo. Há 21 anos o povo chumbou a regionalização em referendo. Então agora revogava-se a vontade do povo sem o ouvir? Sem fazer um novo referendo? Legislando nas suas costas? Salvaguardadas as devidas diferenças – porque uma coisa é a ditadura , outra é a democracia – isto faz lembrar Salazar nos anos 50 do século passado. Aflito com o "furacão" Humberto Delgado nas eleições presidenciais de 1958, mudou a Constituição para que a eleição do PR deixasse de ser feita por sufrágio directo dos portugueses.
- Posto isto, acho que esta discussão agora é pura manobra de diversão. Não vai haver regionalização nesta legislatura.
- Ao PS este debate dá jeito. É uma manobra de diversão. Enquanto se discute se há ou não regionalização, não se discute o que dói – o estado da saúde, por exemplo.
- Quanto ao PCP é o mesmo. Avança com uma proposta para um novo referendo em 2021. Sabendo que essa proposta será chumbada. Para depois dizer: nós queríamos, os outros não deixaram! Outra manobra.
DEBATE ENTRE CANDIDATOS DO PSD
- Rui Rio foi o que teve a prestação mais fraca. Estava nervoso e irritado. Até a sua linguagem corporal mostrava incómodo. Parecia em situação de desespero. Puxou muito pelas questiúnculas internas, o que não é bom para a sua imagem. Teve um momento de tontaria que foi a questão da maçonaria. Manifestamente não lhe correu bem o debate e ele percebeu isso.
- Pinto Luz foi o que esteve melhor. Era a novidade do debate e surpreendeu. Foi o mais duro e acutilante com Rio. Foi determinado no discurso. Foi claro no pensamento. Levava a lição bem estudada e causou uma boa impressão.
- Luís Montenegro esteve bem e certeiro, embora sem surpreender. Mas foi o grande beneficiário deste debate: é que, sendo esta eleição sobretudo um confronto Rio/Montenegro, quanto mais Rio for desgastado melhor para Montenegro. E Rio saiu desgastado.
- Finalmente, esta eleição está a passar um pouco ao lado dos portugueses. Mas há uma pessoa, que não é do PSD, que está especialmente interessada e atenta: o PM. É que, para o futuro de António Costa, para o Governo durar ou não durar 4 anos e para a aprovação dos seus orçamentos, faz toda a diferença do mundo saber se o líder é Rio ou Montenegro. É uma questão objectiva. Com Montenegro, pelas posições que adoptou, a vida do Governo será mais difícil. Com Rio pode ser diferente, porque não descarta, por princípio, acordos com o Governo ou até viabilização de orçamentos.
- Orçamento de 2020 – Por falar em orçamento, algumas novidades deste próximo: investimento público – prioridades são o reforço na saúde, habitação e forças de segurança; descongelamento de carreiras – aumento da despesa em 500 ME; parte fiscal – poucas alterações no IRS e prioridade às medidas para empresas que sejam acordadas na concertação; IVA da electricidade – não haverá mudanças de fundo mas o Governo vai abrir discussão com a CE para permitir variar a taxa do IVA por escalão de consumo.
O FUTURO DA DIREITA
- O novo líder do PSD, seja ele qual for, vai confrontar-se com um problema novo no centro e na direita em Portugal – o problema da ingovernabilidade. Trata-se de ganhar eleições e não ter forma de constituir governo. É um problema novo, sério e estrutural.
- Até agora, o centro e a direita têm governado de duas formas: ou por maiorias absolutas do PSD; ou através de coligações PSD/CDS.
- As maiorias absolutas são excepcionais e quase irrepetíveis;
- As coligações do PSD com o CDS vão ser cada vez mais difíceis. Primeiro, porque o CDS está num processo de esvaziamento que é muito perigoso para a democracia; depois, porque o Chega de André Ventura está num processo de crescimento, muito à custa do esvaziamento do CDS.
- Só que governar em coligação com o CDS é algo de natural; governar em coligação com o Chega é impossível.
- Durante anos em Portugal era mais fácil formar governos estáveis à direita que à esquerda. À esquerda do PS havia um muro. O PS não tinha parceiro para governar. Esse muro caiu há 4 anos.
Agora, o muro que estava à esquerda pode levantar-se à direita. O PSD corre o risco de ganhar eleições mas continuar na oposição, por falta de parceiro para governar. Isto não é bom para a democracia. Enfraquece a alternância democrática.
ELEIÇÕES NO RU
- Todas as sondagens dão maioria absoluta a Boris Johnson. A média dá 43% aos Conservadores, 32% aos Trabalhistas e 13% aos Liberais-democratas (os únicos que são claramente contra o Brexit). Com o sistema eleitoral maioritário, o mais provável é uma maioria absoluta confortável.
- Os grandes trunfos de Boris para vencer folgadamente:
- Primeiro trunfo: o líder trabalhista. Nunca foi capaz de assumir uma posição clara contra o Brexit e apresentou um programa muito radical (cheio de nacionalizações);
- Segundo trunfo: o cansaço com o Brexit. Os britânicos estão fartos do Brexit. Querem um ponto final. E a verdade é que Boris conseguiu um acordo em Bruxelas e uma aprovação em Londres. Apresentou resultados.
- Consequências futuras
- Escócia – Se o Partido Nacionalista Escocês (SNP) tiver uma boa vitória na Escócia, aí pode começar o castelo de cartas: o RU sai da UE e a Escócia sai do RU, depois de realizar um referendo pela independência.
- Irlanda do Norte – O resultado na Irlanda do Norte pode ser o segundo passo para a desintegração do RU – ou através da junção das duas Irlandas ou através da Independência da Irlanda do Norte, com adesão à UE como a Escócia.
- Brexit – Concretizar-se-á, assim, a 31 de Janeiro. O novo problema vem a seguir: novo acordo de comércio entre UE e RU.
- Numa palavra: estamos no início de duas modificações estruturais: uma UE mais pequena; um RU mais fraco (com a sua desintegração).