Opinião
Marques Mendes: o grande elogio feito ao PCP é um incómodo para os comunistas
As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. O comentador político fala sobre António Costa e o ataque ao BE, a crise económica à vista, o despacho sobre os jovens transgénero e os fogos na Amazónia, entre outros assuntos
COSTA E O ATAQUE AO BE
- A entrevista do PM ao Expresso é um verdadeiro manual eleitoral. E, dentro deste manual, a ideia central é a da maioria absoluta. Nunca se viu António Costa tão empenhado numa maioria absoluta.
- Onde se vê este empenhamento? Em dois pontos, que são novidade absoluta:
- Primeiro: quando faz a dramatização da crise económica internacional. É inteligente. No fundo está a dizer: podemos ter uma crise económica à escala mundial. E Portugal não ficará imune. Por isso, só um governo forte pode responder a essa crise. Não acrescentemos, pois, instabilidade à instabilidade que já vem do exterior. É a primeira vez que o PM usa este argumento. E usa-o porque sabe que uma boa parte da população é sensível ao argumento da estabilidade e da segurança económica. Assusta-se com a crise. Trata-se de "pescar" voto útil para a maioria.
- Segundo: quando ataca forte e feio o Bloco de Esquerda. Este é o ataque mais forte que o PM alguma vez fez ao Bloco. Mas, de tão exagerado, não me parece uma crítica nem eficaz nem muito inteligente. Porquê este ataque? Primeiro, porque sabe que o BE está forte; depois, porque sabe que um BE forte pode impedir a maioria absoluta; finalmente, porque sabe que a direita odeia o Bloco e assusta-se com um BE forte. Logo, tentar captar aí voto útil.
Percebe-se a ideia de fazer do BE o adversário principal. Mas tem dois problemas: o primeiro é que o maior óbice à maioria absoluta não vem do Bloco, vem sim do facto de, depois de Sócrates, uma parte grande do país ter medo de uma maioria absoluta; o segundo problema é que este ataque dá motivos ao BE para se fazer de vítima. Marisa Matias explorou bem essa vitimização.
- Nota final: o grande elogio feito ao PCP é um incómodo para o PCP. Parece que o PCP é o MDP/CDE do PS. Seguramente que não foi essa a intenção. Mas o resultado final não ajuda!
COSTA APOIA MARCELO?
- Na mesma entrevista, António Costa remete para uma avaliação a fazer mais tarde uma decisão sobre o apoio do PS a uma recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Isto depois de altas figuras do PS (como Ferro Rodrigues, Jorge Coelho e Vieira da Silva, entre outras) já terem declarado apoio ao Presidente.
- Acho normal que o líder do PS diga o que disse. Está apenas a ser politicamente correcto. E a fazer-se de forte numa matéria em que está frágil. Mas tudo isto é "música celestial". Na prática, o PS não tem alternativa que não seja apoiar a recandidatura de Marcelo.
- Primeiro: se tivesse uma candidatura própria, era um favor que o PS fazia ao actual Presidente. Dava-lhe a oportunidade de esmagar eleitoralmente.
- Segundo: era uma derrota que o PS infligia a si próprio, fragilizando-se a fragilizando a sua governação. Ter uma derrota nas Presidenciais depois de uma vitória nas Legislativas seria um monumental tiro no pé.
- Terceiro: dir-se-á, porém, que isto ainda depende de negociações. Impossível. Estas questões não dependem de negociações. Presidente que se preze não negoceia com partidos. Marcelo não o fez na primeira eleição. Muito menos o fará na reeleição. Resta ao PS fazer com Marcelo em 2021 o que o PSD fez com Soares há 30 anos – apoiá-lo para não sair de rastos. E sem negociações.
CRISE ECONÓMICA À VISTA?
- Numa matéria o PM tem razão. Na economia, há más notícias - só se fala de recessão.
- Na Europa: a Zona Euro está em claro abrandamento económico e a situação pode ainda piorar, porque a Alemanha corre o sério risco de entrar em recessão nos próximos meses.
- Nos EUA: também nos EUA se voltou a falar de recessão. Pela primeira vez desde a crise do subprime em 2007, houve uma inversão das taxas de juro da dívida pública (mais altas as taxas de curto prazo que as de longo prazo).
- Na China: a produção industrial em Julho teve uma queda enorme em relação a Junho. É o pior resultado dos últimos 17 anos. Não augura nada de bom.
- Na política, a situação é semelhante. Há muita incerteza no horizonte. E os investidores não gostam de incertezas.
- Na Europa – Incerteza em Itália, por causa da queda do governo decretada por Salvini; incerteza no Reino Unido, por causa do Brexit; incerteza em Espanha (com o risco de novas eleições em Novembro); incerteza na Alemanha (com o risco de SPD abandonar a coligação de governo).
- Fora da Europa – Há, sobretudo, a grande incerteza decorrente da guerra comercial entre os EUA e a China. Guerra comercial que pode chegar também à UE. Trump já ameaçou. Vivemos tempos preocupantes.
- Preparemo-nos para ter um ano de 2020 bem pior do que este de 2019. Para já a economia portuguesa resiste. Cresceu no 2º trimestre acima da média europeia. Mas é impossível não sofrer os efeitos deste mau clima internacional – afinal, somos uma economia altamente endividada, muito aberta e dependente do exterior.
O PARECER DA PGR
- No princípio de Agosto, vieram a público casos de governantes sob a alçada da lei das incompatibilidades. Na sequência disso, o PM pediu um parecer ao CC da PGR por causa da interpretação da lei. Agora, na entrevista ao Expresso, diz que pode não homologar tal parecer. É o pior momento da entrevista.
- Juridicamente ele tem esse direito – o direito de homologar ou não homologar o parecer. Politicamente é um exercício de completa desfaçatez. Um tique de arrogância, sobranceria e autoritarismo inadmissíveis. Recordemos os factos:
- A lei diz que, nas situações detectadas, os governantes devem demitir-se ou ser demitidos;
- O Governo diz que essa interpretação é um absurdo e que, por isso, pede um parecer a um árbitro isento e independente como a PGR;
- Agora, diz que, se o árbitro não lhe der razão, não cumpre a sua decisão.
- Isto é de uma desfaçatez sem limites. É a teoria do quero, posso e mando. Faz lembrar os que se arvoram em donos da bola. Se estão a perder o jogo, agarram na bola, abandonam o jogo e não respeitam ninguém.
- Com uma agravante – Há uma semana, o PM homologou um parecer da PGR sobre a greve, porque lhe dava jeito. Agora, prepara-se para não homologar este parecer, se o conteúdo não lhe convier. Esta é uma forma de instrumentalizar o CC da PGR.
- Para que a desfaçatez seja completa, só falta mesmo que o parecer da CC da PGR chegue apenas depois das eleições para não causar incómodo ao Governo.
O DESPACHO SOBRE OS JOVENS TRANSGÉNERO
- Sinceramente, acho que há um enorme exagero de parte a parte – da esquerda e da direita. Começo por dizer que esta matéria não precisava de qualquer despacho. Os directores de escolas, em articulação com os pais e encarregados de educação, facilmente resolveriam estas questões. Com sensibilidade, com bom senso e ao abrigo da autonomia escolar. Como já têm vindo a resolver, mesmo antes do despacho. O intervencionismo estatal era dispensável.
- Havendo despacho, eu diria o seguinte: a intenção até pode ser louvável – proteger uma minoria de jovens ou crianças que estão em processo de alteração de identidade de género. Mas tem uma falha grave: é um despacho precipitado, feito no tempo errado. Só um governante insensato se lembraria de fazer um despacho destes a um mês do início das aulas, sem qualquer debate público prévio, e ainda por cima em período eleitoral. É incendiar o ambiente escolar e político.
- Mesmo assim, querer fazer deste despacho um caso nacional – como fizeram o CDS primeiro e o PSD a seguir – diz bem do estado a que chegou a oposição em Portugal. Este radicalismo ideológico não faz qualquer sentido. Depois admirem-se que o PS tenha maioria absoluta.
OS FOGOS NA AMAZÓNIA
- Estes fogos são um verdadeiro pesadelo para a humanidade. Afinal, a Amazónia é uma espécie de pulmão do mundo.
- Claro que fogos sempre existiram. O problema é que agora Bolsonaro não ajuda. Nem pelo que faz nem pelas boçalidades que diz. Neste quadro, a pressão internacional sobre o Brasil para defender a Amazónia faz todo o sentido. E começa a fazer sentido. O discurso de Bolsonaro anteontem já foi diferente do tradicional.
- É bom que os líderes europeus e mundiais se preocupem. Mas sem hipocrisias. O que a França e a Irlanda estão a fazer é um exercício de pura hipocrisia.
- França e Irlanda ameaçam não ratificar o acordo UE/Mercosul se o Brasil não tomar medidas de defesa da Amazónia.
- Isto não é preocupação ambiental. É pura hipocrisia. O que a França e a Irlanda estão a fazer é tentar encontrar um novo pretexto para defenderem os seus criadores de gado, que são um dos maiores focos de produção de CO2 na Europa e uma das maiores distorções da PAC.
- Querem, na prática, invocar o pretexto ambiental para bloquearem um acordo – UE/Mercosul – que não serve os interesses dos seus sectores agro-pecuários.