Opinião
Marques Mendes: Nova prestação social custará 450 milhões e abrange 170 mil pessoas
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre as novidades do Orçamento para 2021, a substituição no Tribunal de Contas e o estado da pandemia, entre outros temas.
NOVIDADES DO ORÇAMENTO PARA 2021
- Este será um Orçamento de transição – transição entre a recessão de 2020 e a recuperação futura. Principais novidades, em primeira mão (para além das já divulgadas quanto ao SMN e á retenção na fonte):
- Crescimento do PIB – A previsão do Governo é de um crescimento de 5,4% em 2021 (contra uma previsão de queda de 8,5% este ano).
- Défice público – A previsão do Governo é de um défice de 4,3% do PIB em 2021 (contra uma previsão de 7,3% este ano).
- Investimento público – Terá um crescimento de 22%.
- Nova prestação social – Custará cerca de 450 milhões de euros. Aplicar-se-á a todos quantos hoje estão abaixo do limiar da pobreza (502 euros). O universo a abranger é de cerca de 170 mil pessoas.
- Aumento do subsídio de desemprego – Hoje o valor mínimo é de cerca de 439€. Passará para 502€ (o valor que fixa o limiar da pobreza). Será uma mudança definitiva.
- Aumento extraordinário de 10€ nas pensões.
- Micro e PME – Isenção do agravamento das taxas de tributação autónoma( viaturas e ajudas de custo) para as empresas com prejuízos em 2020 e 2021, com vista a aumentar a sua liquidez
- Novo Banco – Confirma-se que não haverá empréstimo do Estado.
- Conclusões políticas
- Será um Orçamento com uma forte carga social. É muito difícil a esquerda chumbá-lo. Abster-se ainda se percebe. Votar contra é difícil. Estaria a aliar-se à direita. Faria lembrar o PEC4.
- Provavelmente, toda a esquerda vai viabilizar:
- Quanto ao PCP confirma-se a abstenção que antecipei na semana passada. Alguns duvidaram. Mas basta ver os discursos do PCP nas duas últimas semanas; o "namoro" pegado entre PM e PCP na AR; e o facto de já ninguém falar na crise, para se perceber tudo.
- O PAN exige que haja uma taxa para as máscaras descartáveis. Em teoria a ideia pode estar certa. Mas, nesta altura da pandemia, aplicar uma taxa às máscaras é uma violência para as pessoas.
- O BE já teve vários ganhos, desde logo no NB. Mas ainda quer duas coisas impossíveis: primeiro, que não se cumpra o contrato com o NB; segundo, que se revogue toda a lei laboral do tempo da troika (isso seria abrir uma guerra com Bruxelas que podia comprometer os próprios fundos financeiros de recuperação).
A SUBSTITUIÇÃO NO TRIBUNAL DE CONTAS
Nesta questão, há três problemas sérios: um erro, uma mentira e uma imprudência.
- O erro é a substituição de Vítor Caldeira. Em vez de ter sido substituído devia ter sido reconduzido. Porque fez um mandato excelente, reconhecido por toda a gente, incluindo o Presidente da República. Ora, um bom princípio democrático e republicano é o do reconhecimento do mérito – quem faz um bom mandato é reconduzido; quem não faz bom mandato é substituído.
- A mentira é esta: o que sucedeu não foi uma substituição, foi uma retaliação. Não foi uma mudança, foi uma vingança. Igual à da ex-PGR.
- Joana Marques Vidal saiu porque desagradou ao Governo, sobretudo nas investigações de Manuel Vicente e de Tancos. Vítor Caldeira sai porque foi crítico de decisões do Governo e o Governo não lhe perdoou.
- Como não houve coragem para assumir a verdade, inventou-se uma segunda mentira – foi dizer que nestes cargos só há lugar a um mandato. Uma mentira pegada. Na Constituição prevê-se mandato único, é verdade. Mas é só para o Tribunal Constitucional. Nunca para o Tribunal de Contas ou a PGR. A prova é que Oliveira Martins, já depois da revisão de 1997, fez não 1, não 2 mas 3 mandatos.
- A imprudência é esta: tratar ao mesmo tempo da mudança das regras da contratação pública e da substituição do Presidente do Tribunal de Contas é uma imprudência e uma insensatez. Mudar tudo – as regras e o seu fiscalizador – é um cocktail explosivo. Justa ou injustamente, a percepção pública é esta: querem controlar, querem mandar sem adequada fiscalização.
- Se o objectivo era ajudar o CHEGA, conseguiram. Esta polémica é alimento para o Chega. Um bónus. É o único beneficiário.
ONDE PÁRA A OPOSIÇÃO?
- O que sucedeu no caso do TC prova que não vivemos um tempo normal. Vivemos uma entorse democrática. Porquê? Porque não há oposição. Vejamos só os exemplos desta semana:
- Negociação e decisão do OE – faz-se à esquerda, com PCP e BE;
- Negociação e decisão de questões essenciais (Tribunal de Contas, Contratação Pública, CCDR) – faz-se à direita com o PSD.
- Duas conclusões a tirar:
- Primeira: se o Governo se entende ora à esquerda, ora à sua direita, e os partidos se dispõem a isso, aos olhos dos cidadãos fica a percepção de que não há oposição. Isto é uma entorse democrática. Quem discorda do Governo é representado por quem? A democracia pressupõe Governo e oposição.
- Segunda: isto é grave porque beneficia os extremos. No caso vertente, o grande beneficiário é o Chega. O seu crescimento eleitoral não é feito à custa das propostas absurdas que apresenta. É feito à custa da falta de oposição por parte de quem a devia fazer. Depois não se queixem!
- Os erros sucedem-se também por omissão. Vejamos: o PSD apresentou no passado dia 5 de Outubro a sua proposta de aplicação de fundos europeus.
- É um excelente documento, preparado por Joaquim Miranda Sarmento e sua equipe do CEN. Tem cabeça, tronco e membros – bons objectivos, bons desafios, boas propostas de governance.
- Algum português se lembra deste plano? Praticamente nenhum. Foi abordado nalgum programa de comentário político? Julgo que não. E porquê? Porque foi apresentado no dia 5 de Outubro. E, como é óbvio, no dia 5 de Outubro não teve visibilidade. Nesta data, o que conta sempre é o discurso do PR. Tudo o resto fica ofuscado.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Primeiro, os factos e os números:
- Tivemos a pior semana de sempre em número de infetados. Mais grave mesmo que a pior semana da primeira vaga, em Abril;
- O número de internados e de óbitos, felizmente, ainda está bem aquém dos piores números e das piores semanas da primeira vaga;
- Mesmo assim, o crescimento do número de internados está a seguir um ritmo perigoso. No último mês o número de infetados duplicou.
- Segundo, as conclusões e tirar:
- Primeira: a situação está a agravar-se. É que, ao contrário de Março, o país está a funcionar. Não está confinado. Logo, o risco de transmissão é maior.
- Segundo: as actuais infecções são mais benignas. Incidem mais sobre os jovens. É verdade. Mas rapidamente vão chegar aos pais e avós. Logo, aos mais velhos e vulneráveis. Não haja ilusões.
- Terceiro: o Governo anunciou a tomada de nocas medidas. Faz sentido. A ruptura do SNS é sempre um risco. Mas atenção: como não podemos voltar para casa, nada dispensa o nosso contributo. Se os cidadãos continuam a facilitar, está tudo perdido. Hoje 67% das infecções vêm de festividades particulares. E situam-se sobretudo na Grande Lisboa e no Grande Porto.
- Finalmente: o governo devia seguir muitas das orientações sugeridas por Pedro Pitta Barros, num excelente artigo no Expresso de ontem.
AS ELEIÇÕES NOS EUA
- Primeiro apontamento: a pandemia voltou a ser o tema forte da campanha eleitoral americana. Isso é fatal para Trump. É o seu ponto fraco. Os americanos acham que ele foi um desastre a gerir a pandemia. E as sondagens confirmam-no. A desvantagem de Trump agravou-se.
- Segundo apontamento: o efeito simpatia não se verificou. Alguns achavam que, uma vez doente e internado, poderia haver um efeito de simpatia em relação a Trump. Tal não ocorreu. Não me surpreende. O efeito simpatia, nestas situações, só existe quando o protagonista é, ele próprio, um exemplo de simpatia. Foi o caso de Jerónimo de Sousa quando, há anos, num debate na TV, perdeu a voz. Com Trump é diferente. Ele suscita aversão e não simpatia.
- Terceiro apontamento: Joe Biden foi inteligente. Perante a doença de Trump, mudou um pouco o discurso. Tornou-o mais abrangente e menos abrasivo. Para fomentar a unidade nacional. Para evitar a vitimização de Trump.
- Último apontamento: Biden tem melhores sondagens – quer a nível nacional, quer em estados decisivos como Ohio, Pensilvânia, Florida, Arizona, Michigan. Trump ainda pode invertê-las. Não é impossível. Mas, se não conseguir "tirar um coelho da cartola", criar um facto novo e extraordinário, vai ser muito difícil Trump vencer a eleição.