Opinião
Marques Mendes: "No MP não há só magistrados competentes. Também há muita incompetência"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a operação Influencer, os efeitos da crise na economia, a sucessão no PS e os desafios do PSD, entre outros temas.
EFEITOS DA CRISE NA ECONOMIA
O país não parou com a crise. Mas a crise pode ter efeitos na economia. Vejamos:
- Primeiro: o que se mantém e o que é adiado. É adiada a privatização da TAP e a escolha do local do novo aeroporto. O concurso para a linha da alta velocidade ainda pode estar em dúvida se transita ou não para o próximo governo. Mas há outras questões que não tiveram qualquer alteração, designadamente: as negociações com os médicos, que devem avançar; e a execução do PRR que não está em situação brilhante.
- PRR – Para já duas marcas negativas.
- Primeiro, na filosofia: no ranking dos beneficiários do PRR, os maiores e os principais são entidades públicas. A primeira entidade privada beneficiária surge em 15º lugar. E é uma entidade pouco privada (CEIA). Ou seja: há Estado a mais e empresas a menos.
- Segundo, na execução: ao fim de mais de um ano, a taxa de execução do PRR é de apenas 18%. Cerca de 20% dos investimentos estão em estado preocupante e 3,5% em estado crítico.
- IUC – Caiu o aumento do IUC. A boa notícia é que caiu uma medida injusta. A má notícia é que a forma como caiu é o cúmulo do descaramento político. A medida não caiu perante os 400 mil cidadãos que pediram a sua abolição; nem perante as várias manifestações populares. Caiu apenas por causa das eleições. Para o PS não perder votos. Isto é a descredibilização total da política. É o oportunismo político em todo o seu esplendor.
- Investimento estrangeiro: depois de tudo quanto sucedeu, o País que se prepare para uma retração do investimento estrangeiro. Não há milagres.
- Finalmente, uma boa notícia. A Moodys subiu o rating de Portugal, apesar da crise. Esta é mesmo uma excelente notícia.
INFLUENCER: GOLPE DO MP?
- Neste processo, há para já, três certezas:
- A primeira é que o MP teve uma derrota nas medidas de coação. Mas isto é o funcionamento da Justiça. O MP propõe e o Juiz decide. Umas vezes concordando com o MP. Outras vezes, não.
- A segunda é que, para já, caíram os indícios de corrupção, mas não os de tráfico de influências. O que não é irrelevante. Foi por tráfico de influências que Armando Vara foi condenado a prisão efetiva.
- A terceira é que o governo se anda a vitimizar. Quer passar a ideia que é vítima da justiça. Não é convicção. É táctica política.
- Um dos disparates que se insinuam, a favor da vitimização, é que tudo isto foi uma cabala, um golpe e uma perseguição política. Isto é o delírio total.
- O MP é uma estrutura hierarquizada em que no topo está a PGR. E quem é que escolheu a PGR, a mais alta responsável do MP? António Costa. O PR nomeou-a, mas a escolha foi do PM. Por isso, a pergunta é: então a PGR escolhida pelo PM ia fazer um golpe contra PM? Lucília Gago, escolhida por António Costa, ia perseguir António Costa? Alguém acredita nesta tontaria? Haja bom senso.
- O que há aqui não é cabala. São erros. Primeiro, são erros políticos. Os erros políticos que levaram á demissão do PM têm a ver com as ligações perigosas de António Costa a amigos e colaboradores altamente promíscuos. Se o PM se tivesse rodeado melhor, seria PM por muito mais tempo. António Costa só pode queixar-se de si próprio.
- Depois, erros do MP. No MP não há só magistrados competentes. Também há muita incompetência. Não é agenda política. É falta de competência. A começar na PGR, que não tem capacidade de liderança. Como sempre tenho dito. Há cinco anos "correram" com Joana Marques Vidal. Agora é o que se vê. Na justiça os erros pagam-se.
A SUCESSÃO NO PS
- Estalou o verniz na eleição interna do PS com as violentas declarações que PNS fez hoje contra JLC. A campanha estava morna. Agora vai aquecer. Três ilações:
- PNS continua a ser claramente o favorito. Tem mais apoio no aparelho do partido. Mas JLC surpreendeu esta semana com vários apoios de peso. Sobretudo senadores do partido. O que significa que esta eleição não é um passeio para PNS.
- São duas campanhas muito contrastantes. PNS corre pela ala mais de esquerda do partido. Ele é o grande defensor de uma nova geringonça. Mais do que António Costa. JLC representa a ala mais moderada e aposta em mostrar que tem melhor imagem para PM que PNS. Que tem mais peso nos eleitores. E parece que vão surgir sondagens a dizerem isso mesmo e até alguns novos apoios que podem surpreender.
- Finalmente, PNS esta declaração de PNS é uma arma de dois gumes. Para dentro do partido é mobilizadora. Para fora contraria o esforço que PNS estava a fazer para "moderar" a sua imagem. As declarações de hoje recolocam PNS no seu "habitat" natural – o homem da geringonça, que não quer nada com o centro político.
- A grande perplexidade deste processo radica em Francisco Assis. Como é que Assis, que sempre foi contra a geringonça, apoia o único candidato à liderança que defende a geringonça e que até pretende reeditá-la? Parece uma contradição. Mas há uma explicação: este é um bom "negócio" para ambos.
- Bom para PNS, que está preocupado com a sua imagem radical e tenta ganhar uma imagem de moderação. Assis dá-lhe essa caução.
- Bom para Francisco Assis, que ganha apoio para uma sua ambição legitima: ser candidato a PR. Com António Costa tal ambição era impossível de concretizar. A relação entre Costa e Assis não é brilhante. Agora, com PNS tudo é diferente. Assis pode ser candidato presidencial apoiado pelo PS em 2026, se Pedro Nuno Santos for líder do PS.
AS CONTRADIÇÕES DE CENTENO
- Esta semana, Mário Centeno foi igual ao que costuma ser: um homem competente, mas com uma relação difícil com a verdade. Com muita facilidade, diz uma coisa e o seu contrário. Já foi assim, no passado, com o ex-Presidente da CGD António Domingues. Fez-lhe promessas para ele aceitar o cargo. Depois, confrontado com a pressão, desmentiu as promessas que fez. A verdade com Centeno anda sempre aos trambolhões. Vejamos o último ziguezague:
- No dia 12 de novembro disse ao FT: "Recebi um convite do PR e do PM para considerar a possibilidade de liderar o governo" Menos de 24 horas depois, no dia 13, desmentiu-se a si próprio, dizendo: "É inequívoco que o PR não me convidou para chefiar o governo".
- O Governador do Banco de Portugal legitimou a mentira. Disse uma mentira, foi desautorizado pelo PR e desmentiu-se logo a seguir. Sem dar uma explicação para tamanho ziguezague.
- Centeno não se demite nem vai ser demitido. Mas está duplamente fragilizado. Está fragilizado pelo lado da política: com toda a ambição que tem, colocou-se a jeito para a polémica, quando António Costa o sondou para ser candidato a PM; e está fragilizado pelo lado da supervisão: quando o Governador do BP precisa de ser defendido pelos banqueiros, está tudo dito. O apoio dos banqueiros não lhe dá força. Dá-lhe dependência. Passa a ser o Governador dos banqueiros. E esta não é uma imagem que dê força a ninguém.
OS DESAFIOS DO PSD
- O PSD tem no próximo sábado um momento importante: o seu Congresso. Antes desta crise, seria um Congresso banal e sem história. Depois da crise, ganhou enorme importância. Ou este Congresso é um forte momento de viragem ou vai ser tudo mais difícil no futuro.
- O PSD anda deslumbrado com a ideia de que a vitória está garantida. Porque não ter António Costa como adversário torna tudo mais fácil; e porque ter como opositor PNS é como lhe tivesse saído o Euromilhões. Tudo isto é verdade. Mas eu gostaria de recordar três realidades perigosas:
- Primeiro, o PSD pode ganhar as eleições. Mas esta vitória nem está garantida nem são favas contadas. Recordo que há 21 anos, numa crise semelhante, nascida da demissão do PM António Guterres, a vitória do PSD, que parecia muito fácil à partida, aconteceu por uma "unha negra". Ferro Rodrigues esteve quase a ganhar. E não havia o Chega.
- Segundo, o Chega é o grande risco do PSD. Está muito alto nas sondagens. Em sondagens já divulgadas e outras ainda não divulgadas. Enquanto o PSD fizer o discurso politicamente "descontraído" que anda a fazer, o Chega não baixará. E sem o Chega baixar, o PSD terá muita dificuldade em ganhar.
- Terceiro, o facto de a IL ter recusado uma coligação eleitoral pode ser um suicídio para a IL mas pode também ser fatal para uma vitória do centro-direita. É bom que o PSD pense em tudo isto antes que seja tarde de mais.
ESPANHA, EUA E GUERRA
- Em Espanha aconteceu esta semana um dos erros mais graves que se podem cometer em política: Pedro Sanchéz, para se manter no poder, "vendeu a alma ao diabo". O negócio que fez com os separatistas espanhóis vai ter, entre outras, três consequências sérias: primeiro, vai gerar uma crise social séria, dividindo a Espanha ao meio; segundo, vai dar uma força nunca vista aos independentistas; terceiro, vai irritar os tribunais, por causa da aplicação da lei da amnistia; pode ser o primeiro passo para quebrar a unidade da Espanha.
A divisão não é apenas entre esquerda e direita. É mesmo dentro da própria esquerda. Até Filipe Gonzalez, histórico socialista e antigo Presidente do Governo de Espanha, alertou para a irresponsabilidade de tudo isto. São más notícias para a Espanha, para a Europa e para Portugal. É preciso não esquecer que a Espanha é o nosso principal parceiro comercial.
- Uma boa notícia na frente externa foi o encontro nos EUA entre o Presidente Biden e o Presidente Xi Jinping. Uma visita que permite desanuviar o ambiente internacional; que pode impedir que um incidente militar redunde num conflito grave; e que pode evitar uma nova Guerra Fria. Claro que não há conteúdo concreto e palpável deste encontro. Mas há o mais relevante: o diálogo entre os EUA e a China foi reatado. Enquanto durar é um bom sinal de esperança.
- No Médio Oriente, continua a catástrofe. A operação militar está na fase mais complexa e intensa; e a situação humanitária é dramática. Mas há, ao menos, uma notícia esperançosa: o PM da Qatar anunciou que está iminente um acordo para libertação de reféns e para algumas pausas humanitárias. São sinais positivos que podem permitir evitar uma maior escalada na guerra.