Opinião
Marques Mendes: “Há muitas coisas estranhas" no caso EDP
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre a pandemia, o caso EDP e o novo ano escolar, entre outros temas.
A PANDEMIA NO MUNDO
- Primeiro apontamento – Total de casos no mundo: cerca de 12 milhões e 600 mil. Com três conclusões evidentes: liderança clara dos EUA, que tem ¼ dos casos de todo o mundo (o que pode custar a reeleição de Trump); apenas dois países europeus no Top Mundial (Espanha e Reino Unido); e a constatação de que a pandemia está para durar, como tem sublinhado a OMS.
- Segundo apontamento – Total de óbitos: 564 mil. Com dois destaques óbvios: primeiro, os EUA e o Brasil com a clara liderança ao nível dos óbitos; segundo, quatro países europeus no Top 10 mundial (Reino Unido, Itália, França e Espanha).
- Terceiro apontamento – Novos casos na UE/100 habitantes nos últimos 14 dias (o critério adoptado pala UE em relação a países terceiros). Uma novidade: o Luxemburgo passou a ser o pior país da UE neste critério, relegando a Suécia para segundo lugar; depois, uma constatação: Portugal continua na terceira pior posição (47 casos nos últimos 14 dias por 100 mil habitantes, contra apenas 17 casos que é a média da UE). É esta situação que continua a minar a imagem de Portugal no mundo.
- Quarto apontamento – O PM português mudou de atitude. Depois de ter andado semanas a desvalorizar a situação nacional, António Costa resolveu agora ir para o terreno liderar as operações nos 5 concelhos da AML mais preocupantes. O PM percebeu finalmente:
- Que a má imagem internacional do país é um desastre;
- Que só se muda a má imagem quando os novos casos baixarem;
- Foi tarde (um mês e meio de atraso). Mas antes tarde do que nunca.
NOVO SURTO EM OUTUBRO?
- Segundo o Expresso, os epidemiologistas alertam para um novo surto em Outubro e a DGS prepara um plano de ataque. Fazem bem. Continuamos sem vacina, a pandemia mantém-se forte e um novo surto é bem provável.
Em qualquer caso, a prioridade neste momento deve ser outra: resolver o problema que existe na Grande Lisboa e que é responsável pela má imagem do país no exterior. Há ainda muito a fazer:
- Primeiro quadro: a média de novos casos por dia continua a ser muito alta (339 casos). Estabilizámos num planalto muito alto. Sem baixar estes valores, os outros países continuarão a "fechar-nos" portas.
- Segundo quadro: novos casos por região. Uma confirmação perigosa e uma novidade preocupante: a confirmação é que a Grande Lisboa continua a ser o problema (78% dos novos casos); a novidade é que a Região Norte está há 3 semanas consecutivas a crescer em novos casos (já vai em 14%).
- Entretanto, terminaram as célebres reuniões do Infarmed. Direi três coisas:
- Primeiro: no início foram uma excelente ideia. Por isso as elogiei.
- Segundo: nas últimas sessões deixaram de ter utilidade, como afirmou, e bem, Rui Rio. Passaram a ser demasiado descritivas, pouco focadas e faltou a dimensão de aconselhamento técnico aos decisores políticos.
- Terceiro: se eu decidisse, retomava estas reuniões em Setembro, com um novo modelo.
- Cada reunião seria focada num ou dois temas em concreto, para não dispersar a reflexão.
- A preocupação central seria a de os peritos fazerem aconselhamento ao Governo – formulando sugestões e recomendações.
- Permitiria que os órgãos de comunicação social assistissem às reuniões porque tal me parece de interesse público.
OS DELFINS DO PM
- Os delfins de António Costa andam especialmente activos. Na semana passada foi Fernando Medina a criticar as autoridades de saúde e indirectamente o Governo. Esta semana é Pedro Nuno Santos a divergir publicamente do próprio PM, em matéria de presidenciais e orçamento.
Conclusão: a "guerra" da sucessão de António Costa já começou. Cada um quer marcar posições e fazer prova de vida para suceder ao PM.
- No caso de Pedro Nuno Santos, as suas declarações suscitam três problemas:
- Primeiro problema: é legítimo que PNS tenha a ambição de suceder a António Costa e dê sinais nesse sentido. Como fez no último Congresso do PS. Mas já é questionável que um Ministro venha publicamente divergir do seu PM. Isto só vai envenenar a relação entre um e outro.
- Segundo problema: da primeira vez, no Congresso do PS, Costa não gostou. Agora, só pode ter ficado irritado. Por uma razão simples: é que a "guerra" da sucessão mina a autoridade do PM. Um PM que as pessoas acham que está de saída deixa de ser respeitado como era antes.
- Terceiro problema: mesmo com a relação envenenada, Costa e PNS estão condenados a conviver até ao fim. O Ministro não pode sair e o PM não o pode tirar. Mesmo em clima de "paz podre", têm de trabalhar em conjunto.
- É por tudo isto que Carlos César veio avisar que o PM está pronto para fazer um terceiro mandato e que os candidatos à sucessão têm de aguardar. O objectivo é tentar pôr ordem na casa. Mas vai ser difícil. O grande problema futuro de Costa não é a pandemia nem a crise económica. É a sua sucessão e a perda de autoridade que isso acarreta.
O FIM DOS DEBATES QUINZENAIS COM O PM
- No espaço de uma semana, Rui Rio teve uma boa e uma má ideia. Boa a ideia de rever a Comissão de Ética da AR para os deputados não se julgarem a si próprios. Má a ideia de acabar com os debates quinzenais com o PM, que foram até hoje consensuais e importantes no escrutínio do Governo.
- Acabar com eles é uma ideia desastrosa, do PS e do PSD.
- Primeiro: a ideia de que acabar com estes debates é fundamental porque o PM tem de trabalhar é um disparate monumental. Primeiro, porque em democracia um debate no Parlamento é trabalho. Trabalho político. Segundo, e mais importante, é que um Governo, qualquer que ele seja, trabalha tanto melhor quanto mais for fiscalizado pela oposição e quanto mais for espicaçado pelo Parlamento.
- Segundo: a ideia de que estes debates são um espaço de chicana política é outro disparate. Primeiro, porque na maioria das vezes não é verdade. Depois, se estão muito preocupados com isso têm um bom remédio – acabem com a chicana política, levem para o Parlamento assuntos importantes e façam perguntas sobre os temas que interessam ao povo.
- Terceiro: esta ideia do PS e do PSD é um abuso. Uma espécie de abuso de posição dominante. Acabar com estes debates é mau para o Parlamento, para a oposição e para o escrutínio do Governo. Mas é sobretudo uma violência sobre os pequenos partidos. Eles são os que mais perdem. Já têm menos palco. A partir de agora, têm menos direitos e menos oportunidades. Nada disto não é bom para a democracia.
MEXIA SUSPENSO DA EDP
- Mexia e Manso Neto foram suspensos dos seus cargos na EDP. Não me compete acusar ou defender os dois gestores. Nem avaliar a decisão do juiz. Isso cabe aos tribunais.
- Politicamente falando, o meu princípio é este: pessoas condenadas nos tribunais, através de uma sentença de condenação, muito bem. Pessoas condenadas na praça pública através de medidas de coação, muito mal. Neste sentido, esta decisão não é nem equilibrada nem proporcional. "Decreta" a morte cívica e profissional de duas pessoas sem terem sido sequer acusadas ou condenadas; acresce que há coisas muito estranhas neste caso:
- Primeiro: diz-se que este caso é muito sério. Mas então por que é que ao fim de 8 anos de investigação ainda nem sequer deduziram uma acusação? É muito estranho!
- Segundo: há três anos que Mexia e Manso Neto são arguidos, com uma medida de coação – termo de identidade e residência. Assim sendo, pergunta-se: o que surgiu agora de tão substancialmente grave que justifique passar do 8 para o 80? Muito estranho!
- Terceiro: nesta investigação já houve três juízes de instrução – Ivo Rosa, Ana Peres, Conceição Moreno. Carlos Alexandre é o quarto. Por que é que com os juízes anteriores o MP não viu necessidade de mudar as medidas de coação? Porquê só agora com o Juiz Carlos Alexandre? Muito estranho!
- Quarto: diz-se que estas medidas são necessárias para evitar o perigo de fuga e de perturbação da investigação. Pergunta-se: mas então alguém acredita que se os arguidos não fugiram durante estes três anos iam fugir agora? E se queriam perturbar a investigação não a tinham perturbado já ao longo destes três anos? É tudo muito estranho!
- Em conclusão: se o MP acha que Mexia e Manso Neto são culpados, então que faça uma acusação e os leve a julgamento. O que não se pode aceitar é o que ainda recentemente surgiu com o ex-Director do SEF – chegou a estar em prisão domiciliária, para se dar a ideia de que era um perigoso criminoso, e depois acabou absolvido. No entretanto, liquidaram-lhe a carreira.
NOVO ANO ESCOLAR
- O Ministro da Educação é normalmente muito criticado. Desta vez não me parece que seja muito justo fazê-lo. No ano lectivo que está a terminar, especialmente atípico e difícil, conseguiu preservar o essencial:
- Primeiro: preservou os exames e evitou o desastre que seriam as passagens administrativas.
- Segundo: garantiu aulas para todos, mesmo à distância, através da Telescola. Não é a solução ideal. Mas era a alternativa possível..
- Entretanto, quanto ao próximo ano lectivo, o essencial vai na direcção certa:
- Primeiro: a prioridade são as aulas presenciais, e bem, (Plano A), embora estejam preparadas as soluções alternativas necessárias (Planos B e C).
- Segundo: a aposta na recuperação das aprendizagens do ano lectivo anterior é uma boa novidade. Uma novidade importante que ajuda a combater as desigualdades sociais.
- Terceiro: mais tempo de aulas, seja pela redução das férias da Páscoa, seja por alargamento do tempo lectivo no final do ano é uma decisão certa. Quebrou-se um tabu (o das férias) em favor de mais tempo de aprendizagem.
- Quarto: um reforço de meios nas escolas. Sobretudo em dois domínios: no domínio da agenda digital (um investimento adicional de 400 milhões de euros); e no reforço das tutorias (os chamados professores-tutores para ajudarem os alunos em dificuldades), com uma boa novidade – quem reprovou este ano passa a ter um tutor no próximo ano.