Opinião
Marques Mendes: Falta coragem para dizer a verdade aos portugueses sobre o Novo Banco
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o Avante, o julgamento de Rui Pinto e o Novo Banco, entre outros temas.
FESTA DO AVANTE
- Os meus destaques desta Festa: primeiro, aparentemente o cumprimento das regras sanitárias impostas; segundo, menos público do que o PCP esperaria; terceiro, um discurso assertivo de Jerónimo de Sousa- muito ideológico, fortemente mobilizador da sua militância e com um vasto caderno de encargos a pensar no debate do OE.
- O que fica , todavia, para a história é que o PCP cometeu um erro enorme. Não percebeu que o país ia reagir mal. E tinha obrigação de ter percebido. Os portugueses já tinham dado um sinal de irritação no 1º de Maio. Era óbvio que agora iria ser pior. Como é que o PCP não percebeu isto?
- E o que mais desgastou o PCP não foram as críticas dos partidos, dos comentadores ou dos media. Foram as reacções populares – as pessoas do povo que apareceram nas televisões a dizer que até gostam da Festa do Avante, mas que este ano ela não devia realizar-se. Isto é que desgasta o PCP. É uma ruptura com a sua base de apoio.
- O PCP diz que houve uma grande campanha contra si. Em parte, tem razão. Só que o PCP é que deu azo a essa campanha. Colocou-se a jeito. Deu pretextos para ser criticado. Decididamente, o PCP nos últimos anos está a cometer demasiados erros. Já foi assim com a geringonça. Agora é com a Festa do Avante. Atenção ao desgaste que tudo isto lhe pode trazer nas eleições autárquicas.
- Entretanto, ficámos a perceber que Jerónimo de Sousa vai suceder a Jerónimo de Sousa como líder do PCP. Foi o próprio a anunciar a sua disponibilidade. Pode fazer alguma impressão, face à sua idade, à longevidade da sua liderança e à dificuldade de renovação. Uma coisa é certa: Jerónimo de Sousa é uma mais-valia para o PCP. Pela sua simpatia, pelo seu exemplo, pela sua postura, pela sua energia. Acrescenta valor em vez de reduzir. É um facto objectivo.
O JULGAMENTO DE RUI PINTO
Este julgamento é essencial para apurar várias questões importantes:
- Primeira questão: Rui Pinto é um herói, um vilão ou as duas coisas ao mesmo tempo? É óbvio que ele teve um papel importante na investigação do Football Leaks ou do Luanda Leaks. Mesmo que os métodos sejam censuráveis.
- Mas será que se pode considerar um herói alguém que assalta os emails de outras pessoas e tenta extorquir dinheiro a uma empresa em troca da não divulgação de informação?
- E será que pode considerar-se que está a fazer serviço público e a combater a corrupção alguém que assalta os emails da PGR e do Juiz Carlos Alexandre? Só falta alegar em sua defesa que estava a certificar-se de que os magistrados combatem mesmo a corrupção em Portugal!!
- Segunda questão: o comportamento das autoridades judiciais. Fica a sensação de que algumas das nossas autoridades (MP e PJ) mudaram de opinião. Antes foram de uma violência brutal com Rui Pinto, através de uma prisão preventiva claramente exagerada. Agora parece que são condescendentes com Rui Pinto.
- Por que é que mudaram de opinião? Trocaram princípios por conveniências? Os fins justificam todos os meios? Convinha explicar.
- E, já agora: mesmo que a acção de um pirata informático possa ter interesse público, como se garante que amiúde não usa a informação que obtém para ameaçar, chantagear e vender informação?
- Terceira questão: o futuro. É público que Rui Pinto e as autoridades fizeram um acordo. Que ele agora está a colaborar com a justiça. Muito bem. Mas a pergunta que se impõe fazer é esta:
- Será que é agora, finalmente, que as nossas autoridades de investigação vão atacar a corrupção que reina no mundo do futebol?
- A história mostra-nos que um dirigente de futebol só é preso depois de deixar de ser dirigente. Esta impunidade vai acabar?
COMBATE À CORRUPÇÃO
- O Governo vai colocar em discussão pública a partir de amanhã o seu Plano de Acção para o combate à corrupção. A primeira coisa que há a fazer é felicitar a Ministra da Justiça. O plano pode ser tardio e ainda muito genérico. Mas é um plano necessário.
- Quanto ao Plano: há bons sinais; algumas dúvidas; duas sugestões úteis.
- Bons sinais:
- O combate aos megaprocessos e à morosidade;
- A ideia de punir mais eficazmente as pessoas colectivas;
- A ideia de agravar as sanções acessórias no exercício de funções públicas;
- A ideia muito inovadora que pessoalmente defendo há anos – proibir as candidaturas ou nomeações de políticos condenados por crimes especialmente graves.
- Uma dúvida séria: a aproximação à "delação premiada". É uma das grandes inovações deste plano mas é ainda muito genérica. Vai gerar polémica. Eu diria: entre o sistema actual e a delação premiada há que encontrar um meio-termo que garanta um combate mais eficaz à corrupção; sem, todavia, nos fazer abdicar de valores e princípios essenciais.
- Duas sugestões: a necessidade de consenso e de reforço de meios.
- Primeiro, o combate à corrupção não precisa só de novas leis. Precisa de mais meios materiais para investigar.
- Segundo, o consenso nesta área é essencial. Consenso político e consenso entre os agentes da justiça. Nestas matérias não podemos passar o tempo a mudar de regras.
A AUDITORIA AO NOVO BANCO
- Há duas coisas inacreditáveis neste caso:
- Primeiro: o facto de esta auditoria ainda não ter sido divulgada. O MF, o BP, o NB e o Fundo de Resolução já se pronunciaram. Mas o país não a conhece. Isto é inacreditável. Esta auditoria foi exigida pelo PR e pela AR. E agora fica na gaveta? Esta concepção salazarenta, de secretismo, opacidade e falta de transparência, tem de ser banida de Portugal.
- Segundo: o desconforto dos partidos. Nenhum está satisfeito. Uns queriam que a auditoria culpasse a administração do NB; outros queriam que a responsabilidade fosse imputada à Resolução do BES e ao Governo Passos Coelho; outros queriam que a culpa fosse atribuída à venda feita por Costa e Centeno. Afinal, ao que parece, a auditoria diz que o principal responsável pelas perdas não é nenhum desses: é o BES e é Ricardo Salgado. E os partidos não gostaram.
- Mas então não foram os partidos que pediram esta auditoria? Não foi o Governo que escolheu a Deloitte para a fazer? Não é um facto que nenhum partido protestou pela escolha? Queriam um fato à medida? Deviam ter mais pudor!
- O que falta aos partidos é coragem para dizerem a verdade aos portugueses. E o essencial da verdade, a meu ver, é este: a Resolução do BES, como agora se vê, teve falhas e insuficiências mas não havia alternativa viável; a venda do NB do BES foi uma má solução, mas as alternativas eram piores; quer a falência quer a nacionalização teriam custos maiores.
- Finalmente, o futuro. Neste quadro de radicalismo anti Novo Banco, como é que o Governo vai inscrever no próximo OE os 700 ou 800 milhões de euros necessários para emprestar ao FR para este "meter" no NB? E eu respondo: não vai. Segundo apurei, o Governo prepara-se para não inscrever no OE para 2021 qualquer verba destinada a emprestar ao FR para este injectar no NB. A decisão final está praticamente tomada. O FR vai ter de se "financiar" ou através da banca estrangeira ou, o mais provável, através de uma linha de financiamento da UE. É mais uma novidade deste processo.
O ESTADO DA PANDEMIA EM PORTUGAL
- Primeiro facto: uma má semana em termos de novos infetados (uma média diária de 356 novos casos). Das piores semanas de sempre. Estamos a subir em novos casos desde há cinco semanas. Uma tendência perigosa.
- Segundo facto: uma relação com a UE que também está a piorar. Já fomos o 13º pior da UE. Agora baixámos para a 10ª posição. Ainda estamos abaixo da média da UE mas já muito próximos (41 casos por 100 mil habitantes em Portugal contra 44 casos da média europeia).
- Terceiro facto: durante meses, a distância entre Lisboa e Vale do Tejo e a Região Norte era enorme. A situação mudou. Hoje estão praticamente a par uma da outra (na última semana, 47% de novos casos para LVT contra 42% na Região Norte). Ou seja: LVT a melhorar, o Norte a piorar.
- Em conclusão: ainda é difícil perceber as reais causas deste súbito agravamento, mas duas coisas são claras:
- Corremos o risco sério de voltar a entrar na "lista negra" do RU;
- É de bom senso evitar ajuntamentos arriscados (caso do público nos jogos de futebol. Ainda não é tempo de fazer a mudança).
NOVO ANO LECTIVO
- Dentro de uma semana abre o novo ano lectivo com aulas presenciais. É um risco, mas um risco que tem de ser corrido. Há aqui duas questões essenciais:
- Primeiro, o papel dos professores e dos directores de escola é mais importante do que nunca. Está a ser importante na preparação das aulas e vai ser importante ao longo do ano. Eles são tão essenciais para o sucesso do novo ano lectivo como médicos e enfermeiros foram na primeira fase da pandemia para evitar o colapso do SNS.
- Segundo, a maior dificuldade a enfrentar não é logística, administrativa ou sanitária. É o pânico. Se, perante um caso de infecção numa escola, entrarmos em pânico e em histeria – a escola, o país e a comunicação social – tudo vai ser mais difícil. Combater o pânico é tão importante quanto garantir o distanciamento social.
- Entretanto, o ano lectivo começa com uma polémica delicada com dois alunos de uma escola em Famalicão que não participaram na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e foram chumbados.
- Este caso não foi tratado, de parte a parte (família e ME) com a sensatez que se impunha. As vítimas são dois jovens de mérito.
- A acção do SE da Educação só piorou as coisas. A escola tinha decidido, apesar de tudo, que os jovens transitavam de ano; o SE deu um despacho que levou a escola a alterar a sua decisão. Logo, foi o SE que indirectamente mandou "chumbar" os alunos. A meu ver, mal. Devia prevalecer a autonomia de decisão da escola.
- Na sequência deste caso, surgiram dois Manifestos a defender coisas distintas sobre a disciplina. A minha opinião é esta: primeiro, acho que esta disciplina deve ser obrigatória e não opcional. As escolas também têm responsabilidade na educação para a cidadania. Segundo, nalgumas situações e matérias, devidamente tipificadas e fundamentadas, pode fazer sentido existir o direito á objeção de consciência.