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18 de Outubro de 2020 às 21:25

Marques Mendes: Este "não é um orçamento à Sócrates"

As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o Orçamento, o estado da pandemia e a polémica com a app stayaway covid, entre outros temas.

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STAYAWAY COVID OBRIGATÓRIA?

 

  1. Sempre fui grande defensor da criação desta app. Mas sempre fui e sou muito claro – ela só faz sentido se for de utilização voluntária. A ideia de a tornar obrigatória seria um absurdo completo.

    a) 
    O primeiro absurdoSeria sempre uma obrigatoriedade parcial. Só para alguns. Como esta app não dá para todos os telemóveis e nem todos os portugueses têm telemóvel, passávamos a ter uma lei inédita – uma lei a consagrar portugueses de primeira e de segunda. Um absurdo.

    b) O segundo absurdo
    A fiscalização. Então os polícias iam verificar os telemóveis das pessoas? Saber se tinham descarregado a app? Saber se tinham os códigos colocados? Consultar as listas de infetados? Invadindo a privacidade e a intimidade das pessoas? E passavam a poder entrar nas escolas e nas empresas para fiscalizarem estudantes, professores e trabalhadores? Isto seria inaceitável, impraticável, ineficaz e improprio de um Estado de Direito.

    c) O absurdo final
    Teríamos uma lei que era impossível fazer cumprir. Não há coisa pior para a autoridade democrática do Estado do que fazer leis que não se cumprem.

 

  1. Posto isto, há que dizer, para sermos justos:

    a) O abanão que o PM quis dar com esta polémica surtiu efeito. O número de descarregamentos da APP subiu exponencialmente nos últimos dias. Já há quase 2 milhões e 280 mil descarregamentos; mais de 700 códigos descarregados; quase 300 códigos inseridos. Temos cerca de 6,2 milhões de telemóveis com capacidade de usar a APP – cerca de 37% já têm a aplicação. Já não é precisa a lei. Basta continuar com campanhas de sensibilização.

 

 

 

O ESTADO DA PANDEMIA

 

  1. Os números não mentema situação está a agravar-se; o número de infetados cresceu exponencialmente; o número de internados está a aumentar; não há situação de descontrole mas corremos o risco de para lá caminhar.

 

  1. O Governo anunciou durante a semana algumas medidas. A sensação que fica é esta: o Governo não sabe bem o que fazer; anda a correr atrás do prejuízo. As medidas adoptadas ou são tardias ou são insuficientes.
  • Tardia, a exigência do uso de máscara na rua. Desde Agosto que os especialistas o recomendam.

  • Insuficientes, todas as outras. Nem 8 nem 80. Nem o confinamento geral de Março nem a ligeireza de agora. É preciso agir a montante, fazendo, se necessário, confinamentos cirúrgicos nas localidades mais afectadas (como foi feito nas freguesias de Lisboa). E agir a jusante, cuidando de ter hospitais públicos, privados, sociais e de campanha preparados para a pandemia. Sem preconceitos.

 

  1. É ou não necessário o estado de emergência? PR e Governo decidirão. Mas há três coisas preocupantes: a primeira é a desorientação que vai por aí. Vejamos este exemplo: no início da semana estávamos em estado de contingência; a meio da semana passámos ao estado de calamidade; no fim de semana já se pré-anuncia o estado de emergência. Tanta mudança e tanto frenesi em tão poucos dias só demonstra desorientação. Só serve para gerar instabilidade, insegurança e pânico nas pessoas. Parem para pensar e reflectir. É preciso serenidade e não precipitação. 

    A segunda coisa preocupante é o discurso oficial. Passa a vida a mudar. Umas vezes a prioridade é a saúde. Outras vezes é a economia. Num dia, os portugueses são notáveis. Noutro dia são relaxados. Num momento os agrupamentos são para 20 pessoas. Depois mudam para 10 ou 5. Uma confusão. Finalmente, o tempo para decidir. Levamos duas ou três semanas de vantagem em relação à Europa. Se não houver rapidez a decidir, perdemos a vantagem que temos.

 

  1. Idosos nos lares – Uma notícia que, não sendo o ideal, é boa. Hoje, os idosos nos lares só podem ter uma visita por semana. O Governo vai anunciar que, no futuro, podem ter mais do que uma. Passa a depender de cada instituição. Desde que não haja surto no lar ou problema epidémico forte no concelho.

 

 

AS ESCOLHAS DO ORÇAMENTO

 

  1. É um orçamento de incerteza. Incerteza fundada em três vertentes:
  • Na evolução da pandemia. Se a pandemia se agravar e se houver novas restrições, as previsões de crescimento podem ficar comprometidas;

  • Na evolução do crescimento na Europa e no mundo. Estamos muito dependentes da forma como os outros países crescem. E, neste particular, muita atenção a Espanha – além da crise sanitária e económica, há no horizonte um risco sério de crise política em Espanha.

  • Na bazuca de Bruxelas. Quando chegam os milhões a Portugal? Ninguém sabe. E há riscos no horizonte: a questão dos fundos próprios da UE tem de ser ratificada em 27 países, passa por 30 parlamentos nacionais (alguns têm duas Câmaras) e em certos países exige-se maioria qualificada. Se há uma falha, falha tudo.

 

  1. Não é um orçamento à Sócrates. Boa notícia. O ex-PM, em 2009, perante a crise de então, resolveu abrir desenfreadamente os cordões à bolsa. Gastou o que tinha e o que não tinha. Passado um ano estava próximo da bancarrota. António Costa segue caminho diferente – fez um OE que, como diz Helena Garrido, é de um expansionismo prudente. É cuidadoso no défice, na dívida, no saldo estrutural, no aumento da despesa. Significa que Costa não é Sócrates.

 

  1. É um orçamento com forte carga social. Outra boa notícia. Pode discutir-se se algumas destas medidas sociais são financeiramente sustentáveis. Pode perceber-se que o objectivo é sobretudo agradar à esquerda. Mas não pode deixar de se reconhecer que esta "investida" social é positiva. Fomenta a coesão social, combate a exclusão e estimula a procura.

 

  1. É um orçamento sem política económica. É a decepção deste OE. O grande buraco é a economia e são as empresas. Não há aposta na capitalização das empresas, no fomento das exportações, na competitividade empresarial. Não há o que é estruturante e que cria riqueza. Não sei se Siza Vieira tem tanto peso político como dizem. A verdade é que o Ministro da Economia está completamente ausente deste orçamento. O que é mau.

 

  1. É um OE sem solidariedade regional. Madeira e Açores tiveram de contrair empréstimos para financiarem os custos da pandemia nas Regiões. Precisavam do aval do Estado. O Estado faltou com a sua solidariedade. Inadmissível.

 

 QUEM APROVA O ORÇAMENTO?

 

  1. Com um tão forte pendor social, este OE é feito com três objectivos:

    a) Conquistar o voto dos partidos à esquerda
    ;

    b) Ajudar o Governo caso haja crise e eleições antecipadas
    ;

    c) Dar um empurrão ao PS nas autárquicas (o aumento extraordinário das pensões em Agosto tem esse efeito claro)

    d) Em suma: se a esquerda não aprovasse este OE cometia suicídio político. Porque acrescentava crise política à crise sanitária e económica. Porque seria punida pela crise política mais impopular de sempre. Porque votar ao lado da direita um OE socialmente tão avançado é um exercício impopular.

 

  1. Posto isto, eu diria

    a) Depois da "reviravolta" que o PCP deu há duas semanas, o OE será viabilizado. Pelo menos com a abstenção do PCP e do PAN

    b) Com o BE tudo pode acontecer: a relação entre o BE e o Governo é cada vez mais difícil, no plano político e pessoal. Primeiro, porque Governo e BE não se gostam um ao outro; depois, porque o Bloco não gosta do privilégio que o Governo dá ao PCP: terceiro, porque antes da "reviravolta" do PCP o Bloco tinha um poder enorme e agora perdeu influência.

    c) Matematicamente o voto do BE não é indispensável, disse há dias o SE Duarte Cordeiro. É verdade. Mas politicamente faz toda a diferença. Se o BE chumbar o OE, vai pagar o preço de votar com a direita um orçamento com forte carga social. Mas o Governo também paga um preço – o preço de provavelmente daqui a um ano ter uma crise política. Dificilmente o PCP viabiliza mais um OE. E dificilmente o Bloco volta atrás daqui a um ano.

 

  1. Finalmente, preparemo-nos para ter no debate da especialidade várias coligações negativas. Todos querem mais despesa pública. O défice vai inevitavelmente aumentar.

 

A BAZUCA DE BRUXELAS

 

  1. O país está de pernas para o ar. Está tudo virado do avesso.

    a) Primeiro: discute-se a espuma dos dias – a app Stayaway Covid. E não se discute o importante – o plano para aplicar 13 mil milhões de euros
    . O plano foi entregue em Bruxelas, mas os portugueses não fazem ideia do que lá está.

    b) Segundo: temos 13 mil milhões para gastar nos próximos seis anos. Abrange investimentos em quase todos os ministérios. Menos o Ministério da Defesa. Depois vai ver-se o documento e não há nada de concreto. Nem metas, nem calendários, nem indicadores a atingir. São só generalidades. Não são erradas mas são generalidades.

    c) Terceiro: quais são em concreto os investimentos que vão ser feitos? Alguns exemplos: as listas de espera nos hospitais vão diminuir? Quando? Ninguém sabe. As unidades de cuidados continuados vão aumentar em quanto? Ninguém sabe. As exportações vão crescer? Ninguém sabe. Só há um número concreto. Só um. Na habitação. O Governo prevê construir 25.762 novas habitações em 187 municípios de Portugal.

 

  1. Ficam duas sensações, ambas negativas

    a) A primeira é a sensação de que a generalidade dos ministérios não fez o seu trabalho de casa. Logo, não há um plano de acção.

    b) A segundo é que ninguém quer assumir responsabilidades de fazer escolhas. Logo, ficamos por um plano de ideias gerais. Não é o melhor começo!!
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