Opinião
Marques Mendes: Costa Silva não é o ministro da Economia que as empresas mais precisam neste momento
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o novo ano letivo, a polémica dos reformados e o plano de apoio às empresas, entre outros temas.
O NOVO ANO LETIVO
- O ano letivo abre com duas anormalidades: a primeira é que cerca de 60 mil alunos não têm professores a, pelo menos, uma disciplina. A segunda é que o Ministro acha a situação tolerável e normal. Segundo disse, tudo até podia ser ainda pior. Esta insensibilidade do Ministro faz impressão. Gostava de saber se João Costa pensaria o mesmo caso tivesse um filho nessa situação!
- A situação é séria, na diminuição do número de alunos e de professores.
- Número de alunos. Em 2010 tínhamos 2 milhões de alunos em todos o ensino, publico e privado. No último ano letivo, o número baixou para 1570. E se olharmos para as matrículas no primeiro ano de escolaridade, vemos que a tendência de redução continua e é muito preocupante.
- Número de professores. Em 2010, tínhamos cerca de 180 mil professores. No passado ano letivo, o número total baixou para 150 mil. Em grande medida por causa das aposentações. E, segundo as previsões, até 2030 vamos precisar de 34 mil novos docentes.
- Assim, perante três problemas que não são novos, pergunta-se:
- Natalidade: um problema central do nosso País. Governo e partidos continuam a assobiar para o lado. Porque não um acordo de regime?
- Aposentações: o Governo está há 7 anos no poder. Sabe quantos professores se vão aposentar e quando se vão aposentar. O que fez para gerir a situação, evitando um "buraco"? Aparentemente, nada.
- Falta de professores: ser professor deixou de ser atrativo: os salários no início de carreira são baixos; o estatuto social do professor degradou-se; um professor não tem estabilidade. Passa a vida a andar de terra em terra, com a casa às costas. Só agora, finalmente, o governo começa a olhar para o tema. Porquê 7 anos perdidos?
- Mas nem tudo é mau. Neste início de ano letivo, o Ministro teve a coragem de reconhecer o grande centralismo do ME e quer transferir para as escolas competências na contratação de professores. Uma medida na direção certa.
A POLÉMICA DOS REFORMADOS
A entrevista desta semana do PM, na parte relativa aos reformados, suscita três questões pertinentes:
- Primeiro: a questão social. Os pensionistas vão perder rendimento a partir de 2024, face às expectativas legais que tinham. A base de atualização das pensões vai ser mais baixa do que a lei previa. O PM confirmou esta realidade. Não é um corte em sentido literal. É um corte face às expectativas. Os reformados pensavam receber mais. Vão receber menos do que pensavam.
- Segundo: a questão da sustentabilidade. É agora o argumento para explicar a situação. O PM até pode ter alguma razão. Mas as pessoas desconfiam. Soa a desculpa de última hora. Primeiro, porque nunca antes o governo levantou qualquer questão de sustentabilidade da Segurança Social; depois, porque ainda em junho, na CNN, o PM garantia que ia cumprir integralmente a lei das pensões e não avisou para qualquer problema de sustentabilidade.
- Terceiro: a questão política. Há em torno desta questão um manifesto mal-estar nos sectores afectos ao Governo e ao Partido Socialista. Um dos exemplos mais recentes é o do ex-Ministro das Finanças do PS, Teixeira dos Santos, que disse esta semana expressamente o seguinte:
"A comunicação do PM foi desastrada e desastrosa. Não foi clara. Deixou uma incerteza enorme para 2024. Está a pagar um preço político."
Descontado algum ajuste de contas entre os dois, nota-se mal-estar nos apoiantes do Governo. Afinal, os pensionistas são a sua grande base de apoio!
PLANO DE APOIO ÀS EMPRESAS
- Este plano é o reconhecimento de que o Governo tem Ministro das Finanças, mas tem pouco Ministro da Economia. Tem Ministro das Finanças, porque se vê em todos os planos, das famílias e das empresas, a preocupação com o défice e a dívida. E bem. Mas tem pouco Ministro da Economia. Não se vê neste plano uma preocupação eficaz com as empresas. Falta esse equilíbrio. Costa Silva é um excelente conselheiro. Mas falta-lhe conhecimento do ambiente das empresas, visão prática e peso político. Não é o Ministro da Economia que as empresas mais precisam neste momento.
- Por isso, este plano é muito igual ao das famílias.
- Tem alguns apoios reforçados às empresas mais consumidoras de gás, o que é positivo. Só que é um apoio muito insuficiente. Até o PM reconhece.
- Tal como o plano de apoio às famílias, também este plano tem um truque: ele não vale 1,4 mil milhões de euros. Apenas metade desse valor. Cerca de 700 milhões. A outra metade são empréstimos.
- Tem um erro e um risco. O erro é que as empresas neste momento não precisam de mais endividamento, mas sim de apoio a fundo perdido ou redução de impostos. O risco é que este processo seja muito burocrático e os apoios demorem a chegar às empresas.
- E há precedentes graves: em junho o governo anunciou apoios de milhões de euros á recapitalização de várias empresas. Estamos em setembro e nenhum contrato foi ainda assinado.
- Finalmente, a injustiça. Só com uma empresa, a TAP, o Estado gasta 5 vezes mais. Para salvar bancos da falência são ainda mais milhões.
GOVERNO – PORQUÊ TANTO DESGASTE?
- Tudo parece correr mal ao Governo. E as sondagens exibem desgaste sério. Em poucos meses são demasiadas polémicas desgastantes: a crise do aeroporto; o caos nas urgências; a contestação a uma decisão de Fernando Medina; a saída da Ministra da Saúde; a polémica dos reformados. Por que é que o governo se está desgastar a um ritmo tão acentuado?
- Há, a meu ver, quatro razões principais que explicam este desgaste:
- Primeiro: mudou o paradigma da acção governativa. O Governo habituou o país a distribuir rendimentos. A dar dinheiro às famílias, aos reformados, aos funcionários públicos. Agora, tudo mudou. Agora, ou o Governo não tem nada para dar ou fica a sensação de que, mesmo quando dá, está a dar muito pouco. Isto gera grandes frustrações.
- Segundo: reforçou-se a oposição ao Governo. Até agora o Governo não tinha oposição. À esquerda, BE e PCP eram parceiros. À direita o PSD não fazia oposição. Agora, tudo mudou. Os parceiros de ontem são adversários de hoje. E o PSD faz, finalmente, oposição.
- Terceiro: a tradicional habilidade do PM começa a virar-se contra si próprio. Antes falava-se da habilidade do PM como um elogio. O PM é muito hábil! Agora fala-se da habilidade do PM em sentido pejorativo. Diz-se que é habilidoso, no sentido de que é equívoco, pouco direto e pouco frontal. Justa ou injustamente, é a perceção pública. E não é boa.
- Finalmente: a maioria absoluta. Tem grandes vantagens. Mas também gera problemas sérios: sobranceria, arrogância, descolagem da realidade. Nada disto se resolve com mais um SE ou um diretor de comunicação!
O NOVO "CHEFE" DO SNS
- Num tempo em que só surgem críticas ao Governo, há finalmente uma decisão governativa que merce ser elogiada: a escolha de Fernando Araújo para CEO do SNS. É uma excelente decisão. O novo Ministro da Saúde começou bem. Começou com o pé direito. Posso ter muitas dúvidas quanto à bondade da nova estrutura. Mas não tenho dúvidas que o novo Chefe do SNS é bem escolhido. Vejamos:
- O SNS precisa de melhorar a sua organização. E Fernando Araújo é um gestor com provas dadas em matéria de organização e gestão.
- O SNS precisa de liderança e motivação. E Fernando araújo já mostrou que tem capacidade de liderança e de motivação dos profissionais de saúde.
- Fernando Araújo pode vir a ser, na prática, o verdadeiro Ministro da Saúde.
- Mesmo assim, convém não embandeirar em arco: a CE do SNS é um novo serviço, mas não é qualquer reforma estrutural. Só por si não garante nenhum benefício aos utentes do SNS. Fernando Araújo é uma boa escolha, mas não é um D. Sebastião. É preciso apresentar resultados. De boas intenções está o país cheio.
- Pelo caminho, é preciso: pensar o SNS estrategicamente, por causa da pressão demográfica que cada vez mais vai enfrentar; estancar a saída de médicos para o privado, tornando as carreiras médicas atractivas; garantir o acesso em tempo útil ao SNS e reforçar a sua sustentabilidade.
O ESTADO DA UE
Ursula Von Der Leyen fez esta semana o discurso de Estado da União. Foi o melhor discurso até hoje feito pela Presidente da Comissão Europeia. Ela falou como uma verdadeira líder; falou com a mensagem certa no tempo certo; e falou com visão estratégica.
- Falou como uma verdadeira líder. Com autoridade e coragem. E ela é, de facto, nos dias de hoje, a líder do projecto europeu. O rosto mais forte da UE. Quer o Chanceler Scholz, quer o Presidente Macron estão bastante fragilizados e focados nos seus problemas internos.
- Falou com a mensagem certa no tempo certo. Uma mensagem de claro apoio à Ucrânia no momento em que ela é mais necessária. Quando as dificuldades económicas na UE aumentam e a tentativa de recuar no apoio á Ucrânia é um risco; quando Putin está politicamente fragilizado e militarmente humilhado; quando a Ucrânia está a reequilibrar a guerra.
- Falou com visão estratégica. Se a Ucrânia perder a guerra, é a Europa que perde. Todos nós, Europeus, passamos a ficar sob pressão e chantagem de novas invasões por parte da Rússia. Isto implica sacrifícios? Claro que sim. Tudo tem um preço. Neste caso, os sacrifícios que fazemos são o preço a pagar pela liberdade, pela democracia e pela paz.