Opinião
Marques Mendes: bancos deviam ponderar congelamento temporário do valor da prestação da casa
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre as condições de vida dos portugueses, o estado da Saúde e a "trapalhada" do SIS, entre outros temas.
AS CONDIÇÕES DE VIDA DOS PORTUGUESES
- O país político passou dois dias a discutir a "politiquice" da mudança de Presidente da CPI da TAP. Um "caso" de mercearia política. Tinha sido mais útil discutir os dados que o INE divulgou e que provam três realidades sérias: que estamos a perder emprego qualificado; que continuamos a exportar os nossos talentos; que tudo isto sucede pelos baixos salários que praticamos.
- É quase "criminoso" que, no Governo e na oposição, se passe ao lado destas questões. Vejamos os dados:
- O emprego qualificado: segundo o INE, o emprego qualificado está a cair. Teve no 1º trimestre de 2023 a maior queda desde 2011. Uma queda de 6,1% (são menos 105 mil empregos de pessoas com o ensino superior). Significa que os melhores saem de Portugal e que perde em especialização a nossa economia.
- As altas qualificações: segundo um estudo do Público, cinco das nossas Universidades têm dos melhores mestrados financeiros do mundo. É o ranking do FT que o diz. Por ano, formam cerca de 800 diplomados. Mais de metade sai do país por falta de bons salários em Portugal.
- Os salários: segundo o INE, prossegue a "saga" dos baixos salários e da perda de rendimento. No 1º trimestre de 2023, os salários brutos, em média, cresceram 7,4%. Como a inflação foi de 8%, houve uma perda de rendimento de 0,6%. O salário médio líquido está praticamente nos mil euros. Uma "mancha" que nos envergonha. Daí a emigração.
- Finalmente, o crédito à habitação. Segundo o Banco de Portugal, houve no 1º trimestre de 2023 mais 40% de amortizações que em igual período de 2022. E nos novos empréstimos, 35% do crédito concedido é na base de taxas fixas ou mistas. Em qualquer caso, a preocupação com a subida da prestação da casa é cada vez maior. Razão pela qual os bancos deviam ponderar.
- Um congelamento temporário do valor da prestação da casa (uma espécie de período de carência); ou um diferimento para mais tarde dos juros dos empréstimos. A CGD está, felizmente, nesse caminho.
O ESTADO DA SAÚDE
- Fez ontem sete meses que foi nomeado o CEO do SNS. Sete meses depois, como estamos, desde logo em dois indicadores essenciais: Listas de espera e médicos de família? Em matéria de listas de espera, a situação não é brilhante:
- Os cinco piores casos, nas listas de espera para consultas, são todos em capitais de distrito: Hospital da Guarda (cardiologia); Hospital de Évora (cirurgia de obesidade); Hospital de Faro (ginecologia); Hospital de Braga (cirurgia maxilo-facial); e Hospital de Leiria (neurologia). Todos ultrapassam o tempo máximo de espera para 1ª consulta (150 dias).
- O tempo máximo de espera para cirurgia é de 180 dias. Mas há hospitais que ultrapassam significativamente este limite. Os piores casos são: Hospital D. Estefânia (ortopedia); Viseu (urologia); Braga (estomatologia); Setúbal (obesidade); Lamego (cirurgia plástica).
- Na Grande Lisboa e no Grande Porto há contrastes sérios: o Hospital de S. João, o 2º maior do país, tem números excelentes; já no Hospital de Santa Maria, o maior do país, a situação não é tão boa: em ortopedia, ultrapassa-se largamente o tempo máximo de espera. O que mostra que o Norte está melhor que a Grande Lisboa e que o problema não são os médicos, mas sim a falta de boa gestão e organização.
- Nos médicos de família, o panorama é "assustador". O número de utentes sem médico de família aumentou 124%, entre 2019 e 2023. Há quase 1,7 milhões de portugueses sem médico de família. Este dado é especialmente grave para os idosos. Felizmente que hoje se vive mais tempo. A esperança média de vida aos 65 anos é hoje de 19 anos. O que leva a que a pressão dos idosos sobre os serviços de saúde seja maior. A falta de médicos de família só agrava a situação.
- Finalmente, um apelo ao Governo e aos partidos: olhem a sério para o apelo de vários investigadores para "implementar em Portugal o modelo Belga de Terapia Fágica, uma resposta sustentável á ameaça das bactérias resistentes aos antibióticos". Um problema sério, com solução á vista, trabalhada também por investigadores portugueses. Não há tempo a perder.
A TRAPALHADA DO SIS
- Primeiro apontamento: a falta de coerência e transparência. Tudo nesta questão foi público: foi público que o SIS interveio; que foi a casa do ex-assessor; que foi à porta da sua casa que recolheu o famoso computador. Se tudo é público, pergunta-se: por que é que as explicações dos dirigentes do SIS não são também públicas? O país tem o direito a conhecer a verdade.
- Segundo apontamento: as contradições. O Governo diz que pediu a intervenção do SIS porque havia um crime em curso. Os dirigentes do SIS e a Comissão de Fiscalização dizem que intervieram justamente porque não havia crime. Estas contradições só agravam as suspeitas de um acto irregular.
- Terceiro apontamento: a explicação que falta. A maioria dos especialistas diz que a atuação do SIS é ilegal. O SIS, porém, acha tudo legal. Falta então explicar ao País esta coisa simples: se a atuação foi legal, qual é a norma da lei que a permitiu? Em que artigo e alínea da lei se basearam para fazer esta intervenção? Ou respondem com clareza ou reforça-se a suspeita.
- Quarto apontamento: a verdade inconveniente. Tão simples quanto isto: houve um Ministro que abusou do seu poder. E houve um serviço do Estado que fez o que é habitual em Portugal: agradar ao poder. É assim com todos os serviços. Adoram agradar aos governos. O problema é que com o SIS é muito mais grave.
- Último apontamento: a partir de agora, está criada uma suspeita. Uma suspeita séria. Suspeita em relação ao que se passou. Suspeita em relação à repetição destes casos no futuro. Ora, o SIS não pode viver sob suspeita. Em função de tudo isto, impõe-se que a Secretária-Geral do SIRP coloque o seu lugar à disposição. Ela é a responsável por um sistema que devia ser insuspeito e que deixou de ser.
O NOVO DESAFIO DO PSD
- A vida política nacional mudou com o conflito Costa/Marcelo. Mudou e acelerou. Esta mudança não complicou, apenas, a vida ao Governo. Trouxe, também, uma nova exigência ao PSD. A partir de agora, não chega confiar no demérito do Governo. É preciso também investir no seu próprio mérito.
- Nesta primeira fase de oposição, o PSD tem-se concentrado essencialmente em reagir. Reagir aos "casos e casinhos" do Governo. Agora, tem de passar a outra fase. Á fase de agir. De ter a sua própria agenda. De colocar o País a discutir os seus temas. De criar um novo estatuto. Já não apenas de oposição, mas de alternativa. A vida política acelerou. O PSD tem de acelerar também.
- O PSD tem de falar mais para as pessoas e mais dos problemas das pessoas. Tem de falar mais dos salários, do emprego, do crédito à habitação, do custo de vida, da saúde, dos impostos, das reformas a fazer. Dos problemas reais dos Portugueses. Os "casos e casinhos" desgastam o Governo, mas beneficiam mais o Chega que o PSD.
- O PSD tem de apresentar propostas. Como fez no Pontal com o plano sobre o custo de vida. Ou sobre a habitação. É certo que o Governo "roubou" ao PSD o tema das contas certas. Mas há outras causas. Desde logo, a causa fiscal: o PSD já devia ter pronta uma proposta ambiciosa de redução de impostos. Se o PSD se atrasa, o Governo "rouba-lhe" também essa "bandeira".
- Montenegro fez bem em "cortar" com o Chega e aproximar-se da IL. Mas não basta para ganhar. Até por uma razão que é nova: até agora, havia uma lógica de vasos comunicantes na vida política nacional: os eleitores que se desiludiam do PS passavam para o PSD. E vice-versa. Agora, com a chegada do Chega deixou de ser assim. Os votos dispersam-se e isso penaliza o PSD. O desafio é mais exigente.
FUMAR OU NÃO FUMAR?
- Na polémica que se gerou com as novas medidas anunciadas, há questões a que sou especialmente sensível: a promoção de uma vida saudável; a proibição de fumar em locais fechados; a proibição de fumar em locais públicos onde possam ser afetados os não fumadores. É o princípio de que a liberdade de uns termina onde começa a liberdade dos outros.
- Já quanto à restrição abrupta de locais de compra de tabaco, acho que estamos perante um fundamentalismo inaceitável, um disparate sem nome e um risco sério:
- É de um fundamentalismo inaceitável passar, de repente, de 50 mil postos de venda de tabaco para 4 mil. Um exagero. Se o objetivo é proibir mesmo o consumo do tabaco, o melhor é assumi-lo. Matam a liberdade do fumador, mas, ao menos, são mais transparentes e menos hipócritas.
- Depois, é um disparate sem nome, não se poder comprar tabaco em áreas de serviço, cafés ou restaurantes.
- Então, o que faz um cidadão na ilha do Pico? Tem de se meter num barco para ir comprar tabaco à ilha do lado?
- E um cidadão de Freixo de Espada à Cinta? Tem de fazer centenas de quilómetros para ir comprar tabaco ao Aeroporto do Porto?
- E um cidadão que, à noite, quer fumar em sua casa e não tem tabaco? Por que é que não pode comprá-lo numa área de serviço, num café ou num restaurante? É tudo um disparate.
- Finalmente, há um risco sério em perspetiva: quando se proíbe em demasia, surge o comércio ilícito. A venda na rua à socapa e à margem da lei. Em França, o comércio ilegal chega já hoje aos 35%. É isso que queremos? Não me parece uma grande ideia.
AS ELEIÇÕES NA TURQUIA
- São eleições de uma importância capital. É a primeira vez, depois de duas décadas de poder, que o Presidente Erdogan pode perder. O seu desgaste é enorme: pela degradação política, pelo mau estado da economia e pela deficiente assistência á população no terramoto recentemente ocorrido. A probabilidade de um resultado muito renhido é também o reflexo de um país profundamente dividido: Istambul vota na oposição e boa parte da Turquia, sobretudo zonas menos urbanas, vota em Erdogan. Para além da incógnita do resultado, há outra grande dúvida: será que, em caso de derrota, Erdogan reconhecerá os resultados? Não é seguro. O risco de confrontos é, por isso, um risco real.
- Se há algumas dúvidas, há também algumas certezas. A certeza de que, ganhe quem ganhar, a Turquia não perderá a sua posição de charneira entre o Ocidente e o Oriente. Mas, caso Erdogan perca a eleição, ocorrerão algumas mudanças e sinais importantes:
- Primeiro, com a vitória do opositor de Erdogan haverá uma maior aproximação da Turquia ao Ocidente. Uma maior aproximação à UE e também uma maior abertura à entrada da Suécia na NATO.
- Segundo, uma eventual derrota de Erdogan, depois da derrota de Bolsonaro no Brasil, será a derrota de uma deriva autoritária e populista e o triunfo dos ideais liberais e democráticos, o que não é irrelevante para o mundo em geral, em especial a um ano de eleições nos EUA.
- Terceiro, quanto à Ucrânia, uma mudança no poder levaria a termos no futuro uma Turquia mais alinhada com o resto da NATO, o que, evidentemente, não seria uma boa notícia para a Rússia e para o Presidente Putin.