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24 de Julho de 2022 às 21:26

Marques Mendes: "A temperatura política vai subir. O Governo estava parado. Vai passar a ter mais iniciativa"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre novos apoios sociais, o debate do Estado da nação, a evolução da guerra, a subida de taxas de juro pelo BCE, entre outros temas.

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NOVOS APOIOS SOCIAIS


Há três semanas chamei aqui a atenção para várias queixas das Misericórdias e Instituições Particulares de Solidariedade Social
. Hoje há boas notícias sobre o assunto. Governo, Misericórdias e IPSS chegaram a acordo sobre três matérias essenciais. Comecemos pelas duas que ainda não são públicas:

1. Apoios especiais às Misericórdias e IPSS
(por causa da inflação):
  • Um apoio de €18 por utente/mês para Lares de Idosos e Deficientes.
  • Um apoio de €6,60 por utente/mês para Centros de Dia e Apoio Domiciliário.
  • É uma medida a aplicar excepcionalmente este ano (de Julho a Dezembro de 2022).
  • Custo para o Estado: 18 Milhões de euros.
2. Aumento da comparticipação às Misericórdias e IPSS:
  • Lares de Idosos: valor por utente/mês passa de €433 para €470 (+8,5%).
  • Centros de Dia: valor por utente/mês passa de €125 para €140 (+12%).
  • Novos valores são retroativos a 1 de Janeiro de 2022.

3. A terceira boa notícia, seguramente a mais importante de todas, é a gratuitidade das creches. A Segurança Social passa a pagar às instituições €460/criança/mês. Até agora, o apoio era de €293. Ou seja: as famílias deixam de ter qualquer custo. O Estado substitui-se às famílias nos pagamentos que estas faziam.

  • É um passo socialmente importante, sobretudo para as famílias mais vulneráveis. E um bom incentivo ao fomento da natalidade.
  • É pena que esta medida não seja aplicável também, desde já, às creches do sector privado. Esperemos que isso suceda no futuro. Todas as creches são importantes, no sector público, social e privado.

 

A SUBIDA DAS TAXAS DE JURO

  1. O BCE subiu finalmente as taxas de juros. Há três coisas que parecem evidentes: a primeira é que acabou o tempo do dinheiro barato; a segunda é que o BCE agiu de forma tardia; a terceira é que esta é apenas a primeira subida de taxas de juro. Outras vão suceder no futuro.
  2. Aplicada esta mudança à vida das pessoas e das empresas, eu diria: é um certo drama para as pessoas. Não tanto para as empresas. As pessoas vão sentir um peso muito maior que as empresas por força desta mudança nas taxas de juro. Vejamos dois exemplos:

Crédito à habitação: empréstimo de 125.000€ a 30 anos:
  • Prestação em Janeiro de 22: €383,27
  • Prestação em Julho de 22: €454,87 (+€71,60)
  • Prestação estimada em Dezembro de 22: €509,77 (+126,50)
Crédito às empresas: empréstimo de 500.000€ a 5 anos:
  • Prestação em Janeiro de 22: €8.914
  • Prestação em Julho de 22: €9.067,79 (+€153,79)
  • Prestação estimada em Dezembro de 22: €9.273,37 (+€359,37)
  1. Por que é que as pessoas passarão a ser mais "penalizadas" que as empresas? Uma das razoes essenciais tem a ver com a Euribor: até agora, os particulares beneficiaram de uma Euribor negativa. As empresas não. Nunca tiveram Euribor negativa. Logo, o impacto passa agora a ser maior nos particulares que nas empresas. Quem antes mais beneficiou da descida da Euribor é quem agora mais penalizado é com a sua subida. 

 

ESTADO DA NAÇÃO

 

  1. Foi um debate globalmente pobre. Mais do mesmo. Com uma boa surpresa: a intervenção do Ministro do Ambiente e Energia, Duarte Cordeiro. Uma intervenção sobre o combate às alterações climáticas bem fundamentada, bem estruturada, com objectivos e com ambição. É um dos melhores Ministros.
  2. Fora esta excepção, há dois debates a considerar: o debate dentro do Parlamento, só para o país político; e o debate cá para fora, para o país real.
  3. O debate dentro da AR (para o país político), correu bem ao Governo. Como eu tinha previsto no domingo passado. Por força das regras do debate e pela habilidade do PM. Goste-se ou não de António Costa, ele é o seguro de vida do Governo. Quando ele sair, o PS vai-se ver aflito para ganhar eleições.
  4. Fora da AR (para o país real), o debate não disse nada a ninguém. Foi um debate irrelevante para a generalidade dos portugueses.
  • As questões que mais interessam às pessoas não tiveram qualquer resposta nova e concreta: a carestia de vida; os salários e pensões; o aumento do crédito à habitação; a saúde; o estado da guerra; uma eventual recessão. Uma pobreza franciscana!
  • Mesmo o ataque que o PM fez ao líder parlamentar do PSD, sobre um livro deste, não diz nada aos portugueses. Pode ajudar á guerrilha política. Mas não diz nada ao país. Como diz o próprio PM, só é tema para a bolha política e mediática.

 

PS A CAIR NAS SONDAGENS

 

  1. Várias sondagens eleitorais, com tendência semelhante: a queda do PS e uma subida ligeira do PSD. Algo que é explicável à luz de três razões:
  • Primeira: o contexto externo e a subida da inflação. Afecta todos os governos. Em Portugal e na Europa.
  • Segunda: o contexto interno. O Governo começou mal o seu mandato. Com duas crises (na saúde e no aeroporto) e sem iniciativa política.
  • Terceira: a forma positiva como correu o Congresso do PSD.
  1. Esta situação não é de molde a fazer a oposição embandeirar em arco. Mas é suficiente para gerar preocupação no Partido Socialista. O PS tudo fará para evitar que se consolide esta tendência. Assim, é muito provável que em setembro aconteçam duas coisas:
  • Primeiro, um apoio bem robusto às famílias mais pobres e às empresas mais frágeis. É preciso estancar a contestação que vai germinando.  
  • Segundo, é muito provável o Governo faça já em setembro um apoio intercalar ou antecipado das pensões de reforma, não deixando tudo para 2023. Os pensionistas são uma fatia poderosa do eleitorado.
  1. Uma coisa é certa: a temperatura política vai subir. O Governo estava parado. Vai passar a ter mais iniciativa. Exemplo: três Conselhos de Ministros numa única semana. O PSD está diferente. Quer mesmo ser oposição. Basta ver o contraste entre Luís Montenegro e Rui Rio no primeiro encontro com António Costa. Há 4 anos, depois da primeira reunião com o PM, Rio anunciou dois acordos com o Governo. Quis sublinhar a convergência. Agora, quatro anos depois, Montenegro nem declarações públicas fez, contrariando o cenário que o PM montara. Nada disto sucede por acaso. É uma estratégia diferente. Montenegro quer cultivar uma imagem de oposição, sublinhando diferenças e não convergências.

 

O ESTADO DA GUERRA

  1. Primeiro destaque: 5 meses de guerra. O balanço:
  • No plano militar, a guerra está num impasse e para durar.
  • No plano político, o Ocidente começa a entrar em desespero.
  • No plano mediático, a mensagem de Zelensky perde força.
  • Nas atitudes, a Rússia continua imoral: ataque a Odessa é intolerável.
  • Nos princípios, é preciso realçar: a liberdade tem um custo.
  1. Segundo destaque: a demissão de "espiões" russos, decidida por Zelensky.
  • A decisão de Zelensky é perigosa.
  • Se os demitidos eram "espiões", é uma falha grave de Zelensky.
  • Não se pode ter em altos cargos pessoas não confiáveis (PGR).
  • Se não eram "espiões", estas demissões geram instabilidade no Estado.
  • Em qualquer caso, são um mau sinal.
  1. Terceiro destaque: queda de Draghi beneficia Putin.
  • Draghi: um dos líderes da UE que mais apoiavam a Ucrânia.
  • Os partidos que o derrubaram são todos pró Putin.
  • Verdadeiras razões da crise: sanções à Rússia, apoio à Ucrânia.
  • Há um risco sério: a vitória da extrema-direita.
  • Além da turbulência financeira e redução do apoio à Ucrânia

 

RÚSSIA ATACA ABRUNHOSA

 

  1. O ataque que a Embaixada russa fez a Pedro Abrunhosa é absolutamente inqualificável.
  • Inqualificável no plano dos princípios. A embaixada russa está mal-habituada. Está habituada à censura e à ditadura. Habituada a que se mande para a prisão quem discorda ou bate o pé. Convive pessimamente com a liberdade. Seja a liberdade de opinião ou de criação artística.
  • Inqualificável também no plano do comportamento. Os Russos têm o direito de não gostar de Abrunhosa. Das suas músicas, do seu estilo, da sua intervenção. Mas não têm o direito de o ameaçar ou condicionar. Em democracia, a liberdade respeita-se. Não se tolhe nem se condiciona.
  1. O que mais impressiona nesta posição russa é o seu desplante. Abrunhosa é também um músico de intervenção. Já compôs várias músicas polémicas em momentos sensíveis da vida nacional: no cavaquismo, na Troika, a propósito da intervenção no Iraque, entre outros. É coerente. Nunca nenhum governo o ameaçou ou tentou condicionar. Foi preciso chegar a Embaixada russa para tentar pôr em causa a sua liberdade. Isto é o máximo do desplante. Defender a liberdade contra os que a querem liquidar é um dos grandes desafios desta guerra. Pode ter custos e exigir sacrifícios, mas o desafio é nobre e vale a pena.
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