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Luís Marques Mendes 11 de Abril de 2021 às 21:09

"Inteligência de Costa salvou PS de ativo tóxico" que é Sócrates

No seu habitual comentário semanal na SIC Notícias, Marques Mendes analisa a decisão do juiz Ivo Rosa relativamente à Operação Marquês, a vacinação contra a covid e o que esperar da nova fase do desconfinamento.

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CASO SÓCRATES – ABALO NA POLÍTICA



1. Há duas semanas fiz aqui uma previsão: esta decisão seria um abalo na política ou na justiça. Afinal, foram as duas ao mesmo tempo. Comecemos pela política – houve um abalo na política. Houve um Tribunal que, preto no branco, considerou que o país teve em funções durante anos um PM corrupto, que se deixou comprar e subornar. Gravíssimo para a democracia.



2. Juridicamente José Sócrates teve uma meia vitória. Uma parte importante dos crimes de que era acusado caiu. Pelo menos, para já, porque esta decisão é provisória. Mas, politicamente, teve uma derrota colossal. Só com muito descaramento é que pode cantar vitória. Politicamente ele foi derrotado.

· Primeiro, não queria ir a julgamento e esperava não ir a julgamento. A prova é que até tinha, em segredo, um livro preparado para sair agora. Mas vai mesmo ser julgado por lavagem de dinheiro e pode até ser condenado a prisão efectiva;

· Segundo, quanto aos crimes de corrupção ainda falta saber se o Tribunal da Relação não vai reverter a decisão de Ivo Rosa.

· Finalmente, e mais grave – o Juiz de que Sócrates mais gosta – considerou que o ex-PM é corrupto, que foi corrompido, que recebeu ilicitamente dinheiro para fazer favorecimentos. Acabou a narrativa dos empréstimos e do bom amigo samaritano. Ele foi mesmo corrompido. Juridicamente até pode não ser julgado. Mas politicamente está definitivamente condenado.



3. Há quem diga que o PS vai sofrer com isto. Que Sócrates se vai vingar. Não creio no sucesso dessa vingança. Há muitos anos que António Costa isolou Sócrates, fez em volta dele um cordão sanitário e evitou males maiores. A inteligência do PM salvou o PS deste activo tóxico. Todas as críticas que Sócrates faça ao PS só beneficiam o partido. Significa que está do lado certo.


CASO SÓCRATES – IMAGEM DA JUSTIÇA


1. A justiça também sai abalada com esta decisão. O cidadão comum não a compreende. Claro que a justiça não tem de ir a votos. Mas quando o cidadão não a compreende, gera-se descrença e desconfiança. Há mensagens preocupantes que passam desta decisão para a sociedade:

a) Primeira: a ideia de impunidade. A ideia de que fortes e poderosos se safam sempre. Segundo Ivo Rosa, houve corrupção, houve corruptos, houve circulação fraudulenta de milhões de euros, mas ninguém será julgado por corrupção. Nem Sócrates, nem Salgado, nem ninguém. É difícil entender isto. Não se tratava de condenar ou absolver ninguém. Tratava-se apenas disto: de permitir que a acusação de corrupção seguisse para julgamento. Mesmo que a prova não seja sólida. É aí, em julgamento, com três juízes a decidir, ouvindo as provas de um lado e do outro que o Tribunal condena ou absolve. E três juízes a decidir dão mais garantias que apenas um.

b) Segunda: a ideia de que Ivo Rosa destruiu uma acusação que estava respaldada por tribunais superiores. É natural que em instrução as acusações sejam modificadas ou reajustadas. O que não é normal é uma acusação ser literalmente destruída. Destruída a 80% ou 90%. Ainda por cima numa investigação que teve mais de uma dezena de decisões favoráveis do Tribunal da Relação de Lisboa. Que foi vista por mais de duas dezenas de Juízes Desembargadores. Alguém compreende isto?

c) Terceiro: a suspeita de que com os critérios de Ivo Rosa nunca ninguém é condenado por corrupção. Vejamos: para Ivo Rosa, José Sócrates é corrupto. Mas, segundo ele, não foi corrompido pelo Grupo Lena, nem por Ricardo Salgado, nem pelos investidores de Vale do Lobo. Foi corrompido, diz o Juiz, pelo seu amigo Carlos Santos Silva. O mesmo amigo que nas escutas telefónicas funcionava não de corruptor mas de "testa de ferro" de Sócrates. Parece brincadeira. Mas pior é isto: foi corrompido mas não será julgado. Isto parece uma rábula de Ricardo Araújo Pereira. É corrupto? É. Vai ser julgado? Não. Há corrupção? Há. Vai ser julgada? Não.

d) Quarto: a santa ingenuidade das provas. No caso TGV, o Juiz Ivo Rosa diz: os Ministros Mário Lino e António Mendonça e o Presidente do Júri do Concurso dizem que Sócrates nunca os pressionou. Logo, não há corrupção. Deve estar a brincar connosco. Alguém acredita que os Ministros e as pessoas por si nomeadas iriam confessar que foram pressionadas por ele? No caso da PT, fazendo tábua rasa de depoimento de Paulo Azevedo, da Sonae, diz: a decisão da golden share foi tomada pelos Ministros, não pelo PM. Deve estar novamente a brincar connosco. Alguma vez no Governo Sócrates alguma questão importante era decidida sem ouvir o PM? Este Juiz ou é ingénuo, ou faz-se de ingénuo, ou vive num mundo à parte. Em qualquer um dos casos um homem assim é um perigo à solta.

e) Finalmente, os erros no crime de fraude fiscal: primeiro, um erro jurídico. Por lei, rendimentos lícitos e ilícitos, todos pagam impostos; segundo, um incitamento à desobediência da lei; terceiro, um insulto aos contribuintes cumpridores. Quando têm uma falha, tudo lhes cai em cima.



2. É assim que se dá cabo da imagem da Justiça. Juridicamente, esta decisão é provisoria. Falta o Tribunal da Relação analisar e até pode reverter tudo. Do ponto de vista da opinião pública, a justiça já sofreu uma forte machadada.




O PRESENTE E FUTURO DA JUSTIÇA



1. No presente há muita gente que sai mal nisto tudo.

a) Primeiro, o Ministério Público (MP): teve mérito e coragem na investigação. Mas pode ter deitado muito a perder com o Monstro que é este Megaprocesso. Megaprocessos são bons para o impacto mediático. Mas são maus para o efectivo combate à corrupção. Este é um vício enorme do nosso MP.

b) Segundo, o Presidente do STJ e do CSM que esta semana, a dois dias da decisão, veio fazer duras críticas ao Juiz Ivo Rosa. Uma crítica retroactiva, dizendo que a instrução foi longa de mais. Uma crítica por antecipação, afirmando que a instrução não é um pré-julgamento.

· O Presidente do STJ tem razão nestas duas críticas. Percebe-se que ele já percebia o que ia acontecer e que quis limitar os danos. Mas dizer o que disse a 48 horas da decisão é puro oportunismo.

c) Terceiro, Ivo Rosa. Agora, já não por causa da decisão. Mas pela forma que usou. Ivo Rosa passou uma parte importante da sua comunicação a fazer autênticos ajustes de contas com o MP. Chamou-lhe várias vezes incompetente. Parecia que o criminoso era Rosário Teixeira. Isto não se faz.



2. Quanto ao futuro, há, pelo menos, duas decisões importantes a ponderar:

a) Primeiro: tem que acabar esta ideia desgraçada de que no TICÃO há um Juiz Amigo do MP e um Juiz adversário do MP. Um Juiz não tem que ser amigo ou adversário de ninguém. Tem que ser Juiz. Isto só se resolve com mais juízes neste tribunal e não apenas estes dois senhores;

b) Segundo: é preciso voltar a reflectir sobre a necessidade de uma lei que venha punir o enriquecimento ilícito. Este caso "ressuscita" o tema. Podemos discutir como deve ser a lei. Mas não a devemos pôr de parte. Há gente na política que enriquece injustificadamente e não pode ficar impune. Até para defender os que são sérios.



PROCESSO DE VACINAÇÃO

1. Más notícias e boas notícias. Comecemos pelas más:

a) A desconfiança nas vacinas. Já tínhamos um problema de escassez de vacinas. Agora, passámos a ter também um problema de desconfiança nas vacinas. Sobretudo na vacina da AstraZeneca. Uma semana é má para os mais idosos. Outra semana é má para os mais jovens. Ninguém compreende este catavento técnico e de comunicação.

b) A descoordenação na UE – A UE continua a dar uma péssima imagem de si própria. Em matéria de vacinas não consegue ter uma posição comum. É cada um para seu lado. Falta liderança no projecto europeu.

c) O processo da vacinação na UE é um desastre. Vejamos:

· Nos EUA – 53 % da população está inoculada;

· No Reino Unido já vai em 57% da população;

· Na UE apenas 20%.



2. Boas notícias

a) A nova vacina da Janssen está a chegar. Chega já na próxima semana a Portugal. São: 86 mil doses este mês de Abril; 1,250 milhões até ao fim de Junho; 4,5 milhões até ao fim do ano.

b) Lares da Terceira Idade: tivemos esta semana a primeira semana desde há um ano em que não houve uma única morte nos nossos lares de terceira idade. Mérito das instituições, dos testes e, sobretudo, da vacinação.

c) Visitas aos idosos em lares. Há uma semana alertei para este tema e critiquei a Ministra Ana Mendes Godinho. Esta semana é obrigatório elogiá-la. Não por compensação mas por justiça.

· Primeiro: a Ministra mandou a Segurança Social escrever a todos os lares informando que não devem impedir as visitas de familiares e amigos aos respectivos idosos;

· Segundo: a Ministra informou-me que a DGS vai facilitar a saída dos idosos para visitas ao exterior. Muito bem. São duas boas notícias.

O DESCONFINAMENTO – VAMOS RECUAR?


1. O estado da arte – o desconfinamento que tivemos esta semana:

a) Alívio e facilitismo – As pessoas aliviaram, o que é natural: e começaram a facilitar, na noite e nas esplanadas, o que não é aceitável;

b) É ainda cedo para avaliar. Mas uma coisa é certa: a situação está a piorar, ainda que ligeiramente:

· O número de novos infetados está a subir, embora o número de internados e de doentes em UCI continue a baixar;

· O célebre Rt está há já vários dias acima de 1.


2. O que vai acontecer na próxima semana? O desconfinamento vai continuar, vai recuar ou vai parar?

a) Vai ser declarado mais um estado de emergência, até ao fim de Abril;

b) A terceira fase de desconfinamento, prevista para dia 19, vai continuar;

c) Mas, segundo apurei, é muito provável que o Governo venha a decretar confinamentos locais. Confinamentos em vários concelhos onde a situação é mais grave. Ou seja, mais uma fase de desconfinamento nacional, ao mesmo tempo que o início da fase de confinamentos locais.
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