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Luís Marques Mendes 22 de Outubro de 2023 às 21:44

Governo devia recuar na "burrice" do IUC

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o agravamento do IUC para os carros com mais anos, das negociações do Governo com os médicos, da privatização da TAP e da situação no Médio Oriente, entre outros temas.

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 A FALTA DE MÉDICOS

 

  1. Há quem diga que há falta de médicos em Portugal. Há quem diga que há médicos suficientes, só que estão mal distribuídos. Há quem diga, finalmente, que há interesses corporativos que levam a que haja poucas vagas nas Faculdades de Medicina. Este parece ser um tema tabu. E, todavia, há realidades incontornáveis, que não podem deixar de ser discutidas:
  • O Ministro da Saúde decidiu recentemente contratar médicos vindos do estrangeiro. Logo, reconhece que há falta de médicos em Portugal.
  • Os médicos são obrigados por lei a fazer horas extraordinárias. Pelo menos 150 horas anuais. Uma obrigação que não existe em qualquer outra profissão. É o Estado a reconhecer que há falta de médicos.
  • Claro que, nos últimos anos, o número de licenciados em Medicina aumentou. E, em consequência, o número de médicos. Só que estes aumentos são insuficientes. Doutra forma, não se recorria à contratação no exterior e a um exagero de horas extraordinárias.
  • Acresce que só nesta década haverá 5 mil médicos a aposentar-se. Um problema adicional.
  • Assim, pergunta-se: não será mesmo necessário abrir mais vagas nas Faculdades de Medicina? Não será melhor fazê-lo do que estar a importar médicos do estrangeiro? Porquê tanta resistência?

 

  1. Falando de saúde, é impossível não falar de investimento público na saúde. Desde que António Costa é primeiro-ministro o resultado é impressionante: houve promessas a mais e investimento a menos. De 1996 a 2022 nunca a taxa de execução de investimentos na saúde chegou sequer aos 60%. E em 2022 ficou mesmo nuns medíocres 37%. Será que esta realidade vai mudar?

 

  1. Salve-se no meio destas dúvidas uma boa perspetiva: vai haver acordo entre Governo e médicos na questão salarial. O Governo está a abrir os cordões à bolsa e os sindicatos não quererão desperdiçar a oportunidade.

A POLÉMICA DO IUC

 

  1. O PSD desqualificou-se ao fazer graçolas com o OE. O Governo criou um "quisto" com a "burrice" do IUC, que até divide os próprios deputados socialistas. Mais do que o valor, o que está em causa é o princípio.
  • Se o objetivo é ajudar o ambiente, não é por agravar o IUC que o ambiente vai melhorar. As pessoas não mudam de carro para prejudicar o ambiente. Não mudam de carro porque não têm dinheiro.
  • Claro que o Governo diz que o aumento é pequeno. Embora a vários anos seja uma brutalidade. Mas se o aumento é pequeno e não gera grande receita, mais uma razão para o Governo o retirar e deixar de incomodar as pessoas com mais impostos.
  • Este aumento do IUC só serve para agravar uma má tendência. Já somos o 7.º país da UE com mais impostos sobre circulação automóvel. Nos impostos estamos sempre nos lugares altos da tabela.
  • Pior do que tudo: o Estado é um mau exemplo. Metade da frota automóvel do Estado tem mais de 16 anos. São carros antigos e muito poluentes. Mas o Estado não a renova. Prefere agravar impostos. Bem prega Frei Tomás: olha para o que ele diz, não para o que ele faz.

 

  1. Falando de impostos, na mesma semana da polémica do IUC, uma importante instituição – a Tax Foundation – divulgou dados importantes sobre IRC e IRS. Dado comum: Portugal sempre mal classificado no domínio fiscal.
  • Em matéria de IRC, temos o 2.º mais alto de toda a OCDE (31,5%). Nos países que crescem mais do que nós, as taxas de IRC não ultrapassam os 20%. Uma explicação para os nossos crescimentos medíocres.
  • No IRS, a taxa máxima (53%) é das mais altas. À nossa frente só alguns países bem mais ricos. Onde os salários são bem maiores que os nossos.

 

 OS SEM-ABRIGO

 

  1. Na semana do Dia Internacional da Pobreza, o caso foram os sem-abrigo. Apesar de todas as promessas, o número de pessoas sem-abrigo aumentou de 2018 a 2022: um aumento de 78%. Uma realidade socialmente vergonhosa.
  • Acabar com os sem-abrigo é provavelmente impossível. Nenhuma cidade do mundo o conseguiu. Mas aquilo que nos deve envergonhar é que nada de estrutural e relevante tem sido feito para reduzir o número de pessoas sem-abrigo. Só retórica.
  • As instituições sociais, com a Cáritas à cabeça, têm feito o que podem para minorar o problema. O Governo e as autarquias locais não têm feito praticamente nada. A maior falha é que não se aproveitou sequer o PRR para criar uma solução específica para os sem-abrigo. Podia e devia ter sido feito. Mais uma prova de que os sem-abrigo não são, infelizmente, uma prioridade.

 

  1. Na pobreza temos hoje cerca de um milhão e setecentos mil pessoas. Com rendimentos que não chegam sequer aos 600 euros. Uma situação preocupante. A única boa exceção está centrada no aumento de pensões.
  • Apesar das crises da pandemia e da inflação, as pensões mais baixas no período 2000/2024 têm um aumento acumulado de 22%. No mesmo período, a inflação acumulada é de 17,5%. Os pensionistas veem garantida assim a melhoria do seu poder de compra.
  • Para cada pensionista, com pensões muito baixas, todo o aumento é muito pequeno e insuficiente. Mas, ao menos, tem havido aumento real de rendimento face à inflação.

 

 

 

A VENDA DA TAP

 

  1. Regressaram esta semana os debates quinzenais com o primeiro-ministro. E regressaram com uma curiosidade: pela primeira vez num debate parlamentar, o primeiro-ministro sentiu-se embaraçado. Foi por causa da TAP e foi por iniciativa do PSD.
  • Miranda Sarmento perguntou por que é que António Costa mudou de opinião quanto à privatização da TAP? O primeiro-ministro ficou embaraçado e desconversou.
  • Miranda Sarmento voltou a perguntar: quem é que estava certo quanto à exigência ou não de Bruxelas para privatizar a TAP? O primeiro-ministros ou Pedro Nuno Santos? O primeiro-ministro voltou a mostrar embaraço e até algum receio do seu ex-ministro. A TAP foi o caso do debate. O resto foi mais do mesmo.

 

  1. A privatização da TAP é finalmente uma boa notícia. Primeiro, porque a Companhia precisa de crescer e só com um acionista privado o pode fazer. O Estado está legalmente impedido de injetar dinheiro na TAP. Segundo, porque uma TAP nas mãos de uma Lufthansa ou de uma Air France pode ser bem mais forte e competitiva do que hoje. Só que a Lufthansa ou a Air France só compram se em causa estiver a maioria do capital da TAP. Se não for a maioria nem sequer concorrem à privatização.

 

  1. Só que aquilo que é bom para o País- a privatização maioritária da TAP- vai ser até ao fim uma dor de cabeça para o governo. Primeiro, pelos vários ziguezagues e mudanças de posição; depois, porque vários deputados do PS são contra a venda da maioria do capital e até podem eventualmente votar contra na AR (Alexandra Leitão e Pedro Nuno Santos à cabeça); depois, porque uma venda com um valor abaixo do valor que o Estado injetou na Companhia será mais um embaraço para o Governo. Quem semeia ventos colhe tempestades.

 

 

A GUERRA NO MÉDIO ORIENTE

 

  1. Comecemos pelos factos; depois os riscos e conclusões:
  • Factos positivos, mas muito insuficientes: a libertação pelo Hamas de duas reféns norte-americanas; a abertura de um corredor humanitário, com a ajuda de António Guterres; a cimeira de paz no Egipto, louvável nas intenções, mas sem pés para andar. Sem EUA, Israel e Irão, qualquer ideia de paz na região está sempre condenado ao fracasso.
  • O impasse da invasão terrestre. Sucessivos adiamentos podem ser virtuosos: primeiro, porque ocorrem por causa das pressões dos EUA a pedirem contenção a Israel; segundo, porque visam preparar melhor uma operação que tem todos os riscos de gerar uma "mortandade" de civis; terceiro, porque se quer evitar uma escalada militar na região.

 

  1. O grande risco nesta guerra está com Israel. Israel tem toda a razão em querer retaliar. Foi vítima de terrorismo. Mas corre o risco de perder a razão que tem.
  • Netanyahu não é Zelensky. Zelensky ganhou credibilidade internacional. Netanyahu perdeu a sua há muito tempo.
  • A Ucrânia fala sempre em fazer justiça. Israel fala em vingança. É a diferença entre reforçar ou reduzir a autoridade moral para intervir.
  • Por cada palestiniano que morre há um novo radical que nasce para se vingar; há uma nova manifestação contra Israel; o país perde apoio na opinião pública internacional.

 

  1. Duas últimas conclusões: a primeira é que já é impossível evitar a guerra. O esforço agora tem de ser mitigá-la, evitando que se torne generalizada. Isso seria fatal para o mundo. A segunda é esta: liquidar o Hamas é legitimo, mas o conflito só termina com uma solução diplomática. Mas não é fácil: a ONU é uma irrelevância; a UE não tem peso político na região; a China continua ambígua; o Egito está cheio de problemas internos; só os EUA fazem o papel de superpotência. É bom, mas insuficiente.

OS EFEITOS DA GUERRA EM PORTUGAL

 

  1. Uma nova guerra, desta vez no Médio Oriente, também poderá ter efeitos económicos e sociais em Portugal. Sobretudo se o conflito escalar e passar à dimensão de um conflito regional. Por isso é que os EUA tudo estão a fazer para tentar conter o conflito.

 

  1. No plano económico, os efeitos poderão assumir três dimensões:
  • Um efeito no aumento do preço do petróleo e do gás natural, tendo como consequência imediata a subida dos combustíveis. A região é responsável pela produção mundial de cerca de 30% de petróleo. E por cerca de 20% da produção de gás natural.
  • Um efeito na inflação, caso os preços do petróleo e gás tenham aumentos significativos, o que pode ter consequências nas taxas de juro – ou levando a novos aumentos ou retardando a sua redução.
  • Um efeito no abrandamento económico, na Europa e em Portugal. Por todas estas razões e ainda pela incerteza que esta guerra pode gerar nos investidores. Se a economia já cresce pouco, um menor crescimento traduz-se inevitavelmente em mais crise social.

 

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