Opinião
“A DGS vai acabar por mudar de opinião” sobre vacinação de crianças
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre os Jogos Olímpicos, a vacinação, as férias do primeiro-ministro e os fundos europeus, as eleições autárquicas e aborda ainda a viagem de Marcelo Rebelo de Sousa ao Brasil.
JOGOS OLÍMPICOS
Nuns Jogos Olímpicos atípicos – sem público e ainda muito marcados pela pandemia – temos em relação a Portugal duas agradáveis surpresas:
- Primeiro, a melhor prestação de sempre. Quatro medalhas, incluindo uma de ouro. Mais diplomas e mais pontos do que nunca. Merecem felicitação os atletas, os seus clubes e federações e o Comité Olímpico Português.
- Segundo, a vitória do multiculturalismo. Dos quatro medalhados, dois são de origem luso-africana, um fugiu à ditadura de Cuba e escolheu Portugal para viver, e os três são de pele negra. Isto é um sinal muito positivo e saudável.
- Mostra um Portugal diferente, moderno e multicultural, na melhor tradição portuguesa de integração e de cruzamento de culturas;
- Mostra que o que agora sucedeu no desporto cada vez mais no futuro vai suceder na sociedade portuguesa em geral. O novo futuro passa inevitavelmente por um forte acolhimento de imigrantes, de várias latitudes, origens, raças e culturas. Muitos tornar-se-ão portugueses. A todos devemos saber integrar, sem racismos nem xenofobias. Todos darão um contributo para um Portugal mais moderno e culturalmente mais plural.
VACINAR CRIANÇAS – SIM OU NÃO?
- Porquê esta polémica? Porque é grande a divisão de opiniões entre os especialistas. Cá dentro e lá fora. Cá dentro, o exemplo maior é o da Ordem dos Médicos. O Bastonário é a favor da vacinação. O responsável pela área de pediatria da Ordem é contra. Na UE, é o mesmo: 11 países são a favor da vacinação de menores sem restrições; três são contra, incluindo Portugal; 13 não têm posição.
- Porquê esta divisão de opiniões? Uns são a favor: consideram que quanto mais gente se vacinar melhor. Garante-se maior protecção. Outros são contra: acham que nesta faixa etária a doença, mesmo que exista, não é perigosa; acrescentam que há riscos de miocardite, uma inflamação do coração nas crianças.
- Quem decide? Não é o Governo. É a Direção-Geral de Saúde, porque a questão é técnico-científica. Não é uma questão política. Para já, a DGS decidiu que não é recomendável a vacinação nesta faixa etária. Fez uma coisa boa: Decidiu por razões da ciência e não cedeu à pressão política. Fez uma coisa má. Explicou. Pode ficar a ideia errada de que a vacinação é arriscada para a generalidade dos jovens.
- E no futuro? A DGS vai acabar por mudar de opinião. Dificilmente vai aguentar a pressão política. Mas espero uma coisa: quando a DGS mudar de posição, que o faça na base de razões científicas. Se, ao invés, a DGS mudar para agradar ao Governo, ao PR, à task force, seja a quem for, perde toda a sua credibilidade.
VACINAS – VAMOS TER TERCEIRA DOSE?
1ª questão: vamos ter uma terceira dose? Ou uma segunda para quem só tomou uma? São interesses comerciais ou de saúde pública que justificam esta opção? Factos:
- Por um lado, as farmacêuticas, sobretudo a Pfizer e a Moderna, aumentaram o preço das vacinas. Em média 20%. Por isso, interessa-lhes que haja uma terceira dose. E mais tarde uma quarta e uma quinta. Este é um bom negócio.
- Por outro lado, a UE já comprou 450 milhões de doses para 2022 e outros 450 milhões para 2023. Estas quantidades dão para vacinar toda a população europeia. Se a UE as comprou, não é para as armazenar. É para as utilizar.
- Na UE, há países que já assumiram a conveniência deste reforço, a começar pela França e Alemanha. E Portugal costuma seguir o exemplo alemão.
- Assim sendo, em que ficamos? Vamos ter ou não terceira dose? A DGS e o INSA deviam esclarecer. Eu acho inevitável. Mas as autoridades deviam esclarecer.
2ª questão: o Almirante Gouveia e Melo tinha prometido atingir 70% da população vacinada com, pelo menos, uma dose, em 8 de Agosto. Chegou lá dois dias antes. Isto não é nada português. Em Portugal, normalmente não se cumprem prazos. Este foi cumprido por antecedência. O Almirante e a sua equipa merecem uma saudação. Foram competentes, dedicados e rigorosos.
3ª questão: este objetivo de 75% é simbólico. Para atingir imunidade de grupo, porém, temos que ir mais longe. Chegar aos 85% ou até aos 90%. Por causa das novas variantes. Mas estamos na boa direcção:
- Na vacinação, à escala global, estamos numa excelente 11.ª posição;
- No total de doses administradas, temos até hoje 12,9 milhões; 70,6% com pelo menos uma dose; 61,6% com vacinação completa;
- Faixas etárias: a grande novidade é que nos jovens entre 20 e os 29 anos 48% já têm pelo menos uma dose;
- O próximo grande objetivo é atingir 90% da população com pelo menos uma dose e 70% com vacinação completa na primeira semana de setembro. Aí podemos estar na imunidade de grupo.
AS FÉRIAS DO PRIMEIRO-MINISTRO
- O Expresso diz que o PM adiou as férias para a segunda quinzena de Agosto para se dedicar a acelerar a Bazuca, ou seja, a aplicação dos fundos europeus. A ver vamos se é assim. Concentremo-nos, porém, no essencial: os fundos europeus.
- Duas questões importantes: uma boa ideia e uma falha grave.
- Primeiro: é boa a ideia de o Governo acelerar a bazuca, abrir concursos e contratualizar as verbas do PRR. Precisamos de recuperar da pandemia económica. E ter uma boa capacidade de utilização de fundos.
- Segundo: uma falha grave. Portugal vai receber fundos europeus do PRR e do Programa 2030. O PRR, e bem, já está em marcha. O Programa 2030, e mal, está atrasado. O Acordo de Parceria com a UE não está ainda assinado. Isto é grave porque é muito dinheiro em causa (cerca de 45 mil milhões até 2030). E não se diga que a razão do atraso é o PRR. Não é. A Grécia, ao contrário de nós, já tem o PRR em marcha e assinou o Acordo de Parceria para o 2030 na semana passada. Tudo isto é estranho.
Mais estranho ainda são duas coisas: que ninguém pergunte ao Governo o porquê deste atraso; que o Governo não dê uma explicação.
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
- A cerca de mês e meio das eleições autárquicas, o que se pode prever?
- O PS continuará a ser o maior partido no poder local. Das Câmaras mais importantes, corre o risco de perder Coimbra e Almada; segura Castelo Branco onde tinha grandes divisões; tenta ganhar Évora e Porto Santo. Como tem uma folga enorme, mesmo baixando, continuará a ser o partido com mais votos, mais Câmaras e com a presidência da ANMP.
- O PSD vai melhorar o seu calamitoso resultado de 2017. Das Câmaras maiores pode ganhar Coimbra e Funchal; nos Açores pode recuperar três ou quatro; vai reduzir a diferença que tem para o PS em 10 a 20 Câmaras.
- O PCP aposta tudo em recuperar Almada e o Barreiro; segura Setúbal; e vai tentar manter Évora. Vai ter melhor prestação do que teve há quatro anos.
- Em função disto, em termos de consequências políticas nacionais, há que dizer:
- No PS não haverá consequências com o resultado autárquico. O Governo, que nessa altura já estará remodelado, continuará o seu ciclo até 2023.
- O PCP, qualquer que seja o seu resultado, não mudará de estratégia. Viabilizará o Orçamento do Estado. Não quer o derrube do Governo nem crises políticas.
- No PSD e no CDS tudo será diferente. Seja qual for o resultado, haverá inevitavelmente a disputa das lideranças. No CDS avançará Nuno Melo contra Rodrigues dos Santos. No PSD o discurso também será diferente:
- Rui Rio fará o discurso de que o PSD está em recuperação, tentando assim transformar uma derrota em vitória relativa, face à melhoria em relação a 2017.
- Os críticos de Rui Rio dirão que tudo foi "poucochinho" e que o problema do PSD é mais geral e profundo – é o défice de oposição e de alternativa e é a crise estrutural que o partido atravessa, correndo o risco de passar de grande partido para partido médio.
MARCELO E AS ELEIÇÕES NO BRASIL
- A respeito da recente deslocação para reinaugurar em S. Paulo o Museu da Língua Portuguesa, muitos questionam: por que é que Marcelo se encontrou com Bolsonaro, quando quase nenhum estadista estrangeiro se quer encontrar com ele? E por que é que decidiu reunir com vários ex-Presidentes do Brasil? A resposta é simples: trata-se de fazer a quadratura do círculo.
- Marcelo não podia deixar de falar com Bolsonaro. Goste-se ou não se goste, ele é o Presidente do Brasil; o Brasil é um país irmão de Portugal; e sem o Brasil acaba a CPLP.
- Mas se Marcelo falasse apenas com Bolsonaro, seria fortemente criticado. Acusado mesmo de dar cobertura política ao Presidente brasileiro. Ao decidir falar com Lula, Temer e Henrique Cardoso, o Presidente da República português passa uma mensagem clara – dialoga com todos, à direita, à esquerda e ao centro, sem dar cobertura a ninguém.
- Entretanto, a um ano de eleições presidenciais, o Brasil vive um susto: a ideia de ter Bolsonaro e Lula da Silva como os dois principais candidatos é um susto. De um lado, um Presidente ignorante e impreparado; do outro lado, um ex-Presidente suspeito de ser corrupto. Um susto, que pode tornar-se um pesadelo. Tudo porque desapareceu no Brasil o centro político. Ou o Brasil encontra uma terceira via ou o seu futuro vai ser violento e radicalizado.